Revista IDeAS, Rio de Janeiro, v.12, 1-35, e018004, jan./dez. 2018
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Perfil das cooperativas agropecuárias do sistema Unicafes
Profile of the agricultural cooperatives of Unicafes system
Alcidir Mazutti Zanco[1]
Rosane Aparecida Guimarães Zanco[2]
Adilson Francelino Alves[3]
Resumo
As cooperativas agropecuárias representam um forte segmento social e econômico. Este ramo organizativo realiza ações no campo social, produtivo, agroindustrial e comercial, respondendo por aproximadamente de 10% do PIB (Produto Interno Bruto) brasileiro e por 40% das exportações do setor agropecuário, números expressivos, que agrupam iniciativas de dois setores produtivos. O primeiro e mais forte é representado pela agricultura patronal, segmento produtivo que desenvolve as monoculturas tradicionais, associadas às cooperativas de médio e grande porte. O segundo, recentemente organizado, é representado pela agricultura familiar, segmento produtivo que desenvolve um modelo de agricultura diversificada, associada às cooperativas menores, intituladas “solidárias”. Esta pesquisa sistematiza dados de cooperativas presentes nas diversas regiões do Brasil e foi realizada no ano de 2018, com revisão em 2019, tendo como objetivo analisar os diferenciais organizativos presentes no perfil das Cooperativas Agropecuárias do modelo solidário, utilizando o método de Clusters como ferramenta exploradora e descritiva, para agrupar as redes em conglomerados similares, de acordo com o número de sócios, estrutura organizacional, faturamento e acesso a políticas públicas. A análise deste modelo organizacional resulta na formação de dois conglomerados com graus consideráveis de dissemelhança, validando a afirmação de que a base fundacional e o público associado não definem o modelo e a viabilidade da organização cooperativista.
Palavras-chave: Cooperativismo, Produção, Economia Solidária, Agricultura Familiar.
Abstract
Agricultural cooperatives represent a strong social and economic segment. This organizational branch carries out actions in the social, productive, agroindustrial and commercial fields, accounting for approximately 10% of the Brazilian GDP (Gross Domestic Product) and 40% of the agricultural sector exports, significant numbers, which bring together initiatives from two productive sectors. The first and strongest is represented by rural employers, a productive segment that develops traditional monocultures, associated with medium and large cooperatives. The second, recently organized, is represented by family farming, a productive segment that develops a diversified agriculture model, associated with smaller cooperatives, entitled “solidarity”. This research systematizes data of cooperatives that are present in different regions of Brazil and was carried out in 2018, with revision in 2019, aiming to analyze the organizational differentials present in the profile of Agricultural Cooperatives of the solidarity model, using the Clusters method as exploratory and descriptive tool to group networks into similar conglomerates according to membership, organizational structure, revenue and access to public policy. The analysis of this organizational model results in the formation of two conglomerates with considerable degrees of dissimilarity, validating the claim that the foundational base and the associated public do not define the model and the viability of the cooperative organization.
Keywords: cooperativism, solidarity economy, family farming.
O cooperativismo é reconhecido internacionalmente como ferramenta crucial para promoção do desenvolvimento. Grande parte dos países desenvolvidos fomenta e utiliza este segmento, como matriz articuladora dos processos de dinamização socioeconômica, valorizando as cooperativas independentes de sua fase ou ramo organizacional. No Brasil, entre as décadas de 1960 e 1990, o cooperativismo recebeu mais reconhecimento organizacional, sendo referenciado por sua expressividade na produção e agroindustrialização de alimentos. O crescimento das cooperativas tradicionais, fundamentadas nas relações com o mercado de commodities, fortalece a afirmação sobre a existência de um único modelo organizacional de cooperativas no Brasil. No entanto, no setor agropecuário, esta concepção não se confirma, sendo perceptível a existência de diversidades significativas entre as cooperativas no campo social, produtivo e entre os perfis deste segmento organizativo.
O presente artigo realizou análise sobre o perfil das Cooperativas Agropecuárias, vinculadas ao modelo solidário, representadas pela União de Cooperativas da Agricultura Familiar e Economia Solidária – Unicafes, verificando a significância das variáveis coletadas para composição dos Clusters, com análise descritiva sobre os dados sociais, produtivos, estruturais e comparação entre os perfis.
As cooperativas estudadas estão inseridas num contexto organizacional articulado através do Sistema Unicafes, entidade nacional que representa e desenvolve serviços para o fortalecimento das “Cooperativas Solidárias” . Essa organização tem como meta fortalecer o cooperativismo, como instrumento para promoção do desenvolvimento com inclusão social, com fundamentos basilares vinculados às diretrizes de economia solidária, tendo como princípios norteadores as relações de proximidade, a participação popular, o controle social e o empoderamento dos associados diante do seu contexto social.
As Cooperativas Agropecuárias do Sistema Unicafes convivem com um cenário econômico permeado por limites no campo produtivo, agroindustrial e comercial. Estes limites demandam estudo permanente sobre variáveis internas e externas que limitam sua sustentabilidade social e econômica. Diante deste cenário, o estudo também fundamentou análise posterior sobre as bases ideológicas e sociais, matriz organizacional, qualificando plenárias sobre a viabilidade das perspectivas de economia solidária e sobre os desafios para sucessão presentes nos diversos setores da agricultura familiar.
Este artigo utilizou o método de Clusters para analisar o perfil e a estrutura destas iniciativas, fundamentando a análise em dados que contemplam a estrutura social, operacional e agroindustrial de cooperativas de todas as regiões do país. O artigo apresenta as raízes e a base histórica do cooperativismo, o marco legal que orienta o processo organizacional e os números das cooperativas agropecuárias, com sequente aplicação do método análise de Cluster e das variáveis com maior significância para constituição dos conglomerados.
1. Revisão de literatura
O cooperativismo é definido como um segmento organizacional que busca unificar de forma complementar os eixos sociais e econômicos, articulando processos participativos. A cooperativa é uma associação autônoma de pessoas, unidas voluntariamente para atender necessidades econômicas e sociais comuns, por meio de uma empresa de propriedade coletiva e de controle democrático. As cooperativas fundamentam sua existência nos valores de ajuda mútua, responsabilidade, solidariedade, democracia e participação (SCHNEIDER, 2003).
Os princípios e valores das cooperativas são os diferenciais que nutrem este modelo organizacional. A participação democrática, o controle social e os processos de governança das cooperativas estão imersos num universo amplo, pois sua missão não é somente o lucro, mas o crescimento social e econômico dos sócios. A participação com equidade social e econômica entre homens e mulheres, com respeito às diversidades, destaca-se como uma diretriz basilar essencial para manutenção e fomento destes diferenciais (CATTANI, 2003).
1.1. Trajetória do cooperativismo
O cooperativismo possui seu berço fundacional no mundo europeu. Idealizado por vários precursores, este segmento se consolidou em 1844, quando tecelões de Rochdale, em Manchester, Inglaterra, constituíram uma associação, posteriormente nomeada Cooperativa. Atualmente todos os ramos cooperativistas são organizados internacionalmente pela Aliança Cooperativa Internacional – ACI. Essa associação não governamental e independente reúne, representa e presta apoio às cooperativas e suas organizações, com o objetivo de integração e desenvolvimento, sendo considerada o órgão máximo do movimento (SINGER, 2000).
O movimento cooperativo no Brasil tem raízes históricas. Alguns autores destacam que sua origem pode ser encontrada em 1610, remontando aos processos organizacionais realizados pelas primeiras reduções jesuíticas. Existem várias versões sobre o histórico da fundação e a formalização do movimento. A versão mais citada destaca que apenas três anos depois da fundação da cooperativa de Rochdale, o francês Jean Maurice Faivre fundou, em território brasileiro, a primeira iniciativa cooperativada na Colônia Tereza Cristina, município Cândido de Abreu, região central do estado do Paraná (FERNANDES, 1995).
A década de 1960 retrata o início do período do regime militar no Brasil, sendo instaurado um processo de centralização do controle sobre as cooperativas. Em 2 de dezembro de 1969, no IV Congresso Brasileiro de Cooperativismo, em Belo Horizonte, foi criada a Organização das Cooperativas Brasileiras – OCB, constituída pela união da Aliança Brasileira de Cooperativas (Abcoop) com a União Nacional das Associações Cooperativas (Unasco). Essa organização obteve, em 1971, a publicação de uma Lei Nacional de Cooperativas, a 5.764/1971, que define a unicidade representativa no país, com mão forte do Estado sobre as ações desenvolvidas pelo segmento.
A sociedade brasileira conviveu com a ditadura durante alguns anos, com processos de organização freados pelas políticas centralizadoras desenvolvidas pelo governo militar. Esse fato gerou vasta formação para a base social, fortalecendo proposta de liberdade e participação social, e fundamentou a construção e promulgação da Constituição de 1988, que gerou condições para instauração de um novo processo de organização social, marcada com a fundação de iniciativas com mais participação e controle social. Este sistema organizativo denomina-se Cooperativismo Solidário, tendo como principal diferencial a difusão das ações educativas focadas na gestão participativa e autogestionária (SINGER, 2004).
Assim como o movimento de Rochdale, o movimento do Cooperativismo da Agricultura Familiar e Economia Solidária também foi construído e gestado durante períodos de recessão econômica e restrição das políticas de desenvolvimentos. Este contexto gerou um movimento de resistência política, social e econômica. Tal processo gera articulações de porte setorial e organização representativa do Cooperativismo da Agricultura Familiar, reforma agrária, economia solidária e dos catadores e catadoras de material reciclável, que redundou na constituição de organizações apresentadas resumidamente no Quadro 1.
Quadro 1 – Organizações representativas
Nome | Fundação | Histórico |
OCB – Organização das Cooperativas Brasileiras | 1969 | A OCB foi criada em 1969 pela união da Associação Brasileira de Cooperativas (Abcoop) com a União Nacional de Cooperativas (Unasco), garantindo unicidade nacional. |
Confederação das Cooperativas de Reforma Agrária do Brasil (Concrab) | 1992 | Constituída no ano de 1992 aglutinando quatro cooperativas centrais, singulares, associações de agricultores assentados da reforma agrária dos estados do Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Espírito Santo, inerentes ao processo de territorialização do MST. |
A União e Solidariedade das Cooperativas de Economia Social do Brasil (Unisol) | 2004 | Constituída no ano de 2004, com 82 empreendimentos cooperativos vinculados ao setor urbano, apoiada por empreendimentos, pela CUT, sindicatos, organizações não governamentais. |
A União Nacional das Cooperativas da Agricultura Familiar e Economia Solidária (Unicafes) | 2005 | Organização articulada no ano de 2004, a partir da Constituição da Associação Nacional das Cooperativas de Crédito da Economia Familiar e Solidária – Ancosol, gerando debate com os demais ramos e constituição da Unicafes em 2005, com participação de 680 cooperativas da Agricultura Familiar e Economia Solidária. |
União Nacional de Organizações Cooperativas Solidárias (Unicopas) | 2014 | Constituída em 2014, com a união da Unicafes, Concrab e Unisol, com a missão de fortalecer a unidade do Cooperativismo Solidário, fortalecendo a revisão da Lei Geral das Cooperativas no 5.764, descentralizando a representação no cooperativismo, com aprovação no Senado e tramitação do projeto de Lei no 519/2015. |
União Nacional de Catadores(as) de Material Reciclável (Unicatadores) | 2017 | Constituída em 2017, por meio da articulação do Movimento de Catadores, representa 230 cooperativas. O Movimento conta com 732 cooperativas e empreendimentos em todo o país, a maioria ainda em processo de formalização. Esse grupo também se filiou a Unicopas no ano de 2017. |
Fonte: Desenvolvimento próprio, 2019
A Unicopas tem como finalidades básicas: articular, integrar e representar as organizações gerais do Cooperativismo Solidário no Brasil, desde que associadas; desenvolver ações para a aproximação e o entrosamento das entidades associadas; promover a educação cooperativista e o desenvolvimento da Economia Solidária; promover intercâmbio com entidades afins; promover e apoiar ações voltadas ao desenvolvimento econômico e social, geração de trabalho e renda e combate às desigualdades sociais; promover a integração e o intercâmbio econômico, político e cultural entre as associadas e suas cooperativas; promover a ética, cidadania, direitos humanos e valores universais (Unicafes, 2017).
Antes da Constituição Federal de 1988, as condições para implantação do sistema cooperativista no Brasil eram precárias, principalmente em função de grande parte da mão de obra ser escrava. Os processos de imigração europeia realizados em várias regiões do Brasil facilitaram a fundação e organização de cooperativas, principalmente na região sul do país, onde o processo de imigração aconteceu de maneira mais forte (FAO, 2015).
As cooperativas surgem como forma de organização social, produtiva e econômica. Neste contexto, o cooperativismo agropecuário tem por base o fortalecimento dos meios de produção, com um planejamento descentralizado, priorizando a cooperativa e no cooperado. Pessoas que se unem voluntariamente para fazer frente às necessidades e às aspirações comuns por meio de uma empresa conjunta e democraticamente controlada (IRION, 1997). A origem e a história do cooperativismo agropecuário retratam o contexto e os desafios presentes no processo produtivo e organizacional presentes nas diversas regiões do Brasil.
1.2. Marco legal do cooperativismo agropecuário
No Brasil, o cooperativismo é regido por um marco legal específico. A evolução das leis cooperativistas no Direito brasileiro tem sua base no Decreto no 979, de 6/1/1903, que descreve no artigo 10 sobre a constituição de cooperativas de produção e de consumo. Em 1907, por meio do Decreto no 1.637, foi dado início ao tratamento legislativo específico para as sociedades cooperativas, passando a cercar-se de mais consistência através da promulgação do Decreto no 22.239/1932.
O Decreto-lei no 59/1966 define a Política Nacional de Cooperativismo, regulamentada pelo Decreto no 60.597/1967. Em 1971 foi aprovada a Lei no 5.764/1971, que determina a constituição e funcionamento de uma cooperativa. Atualmente tramita no Congresso o Projeto de Lei no 519/2015, que fortalece os procedimentos de organização, registro e representação do cooperativismo brasileiro. Este trajeto legislativo é descrito pela sua importância para legitimidade do Cooperativismo Solidário, aceito legalmente somente após a promulgação da Constituição de 1988 e ainda não reconhecido formalmente.
O cooperativismo agropecuário possui sua base histórica bastante vinculada a períodos de crise. Essa análise rotula este segmento como uma forma de organização econômica gerada para amenizar problemas financeiros e sociais. Na década de 1930, a Grande Depressão e a crise do café levaram o Governo Getúlio Vargas a estimular as cooperativas e criar a primeira lei para regulamentar e fiscalizar o seu funcionamento. Nas décadas de 1950 a 1980 avançou no Brasil a Revolução Verde, iniciativa focada na produtividade, que alimentou o ritmo desenvolvimentista implementado no país. Diante deste crescimento e a partir do golpe militar, na década de 1960, foram ampliadas as instâncias de controle governamental que quase extinguiram as cooperativas (KRUEBER, 2003).
Antes do Plano Real, o país passou por forte crise econômica, fato que gerou grave reflexo na agricultura. Muitas Cooperativas de Produção Agropecuária foram liquidadas. Para aprimorar e qualificar a autogestão, o governo criou, em 1998, o Serviço Nacional de Aprendizagem do Cooperativismo – Sescoop, órgão do Sistema S, que oferece programas de formação, promoção social e monitoramento às cooperativas (CATTANI, 2003).
Este processo formativo foi instalado como ferramenta para fortalecer cooperativas dos diversos segmentos, no entanto, o Sescoop somente beneficia as redes de cooperativas filiadas ao Sistema Tradicional por meio da Organização das Cooperativas Brasileiras – OCB. As Cooperativas Solidárias ainda não acessam este serviço em virtude de problemas presentes no Marco Legal da Lei Geral das Cooperativas. Destaca-se que o Marco Legal Brasileiro ainda orienta a unicidade representativa. Diante dos avanços conquistados na Constituição de 1988, as cooperativas da agricultura familiar defendem uma nova lei geral que fortaleça a liberdade associativa e valorize a diversidade organizativa presente no cooperativismo solidário, ampliando a importância da autogestão e da participação autônoma dos associados.
1.3. Dados do cooperativismo agropecuário tradicional
A Aliança Cooperativista Internacional – ACI tem registrado cerca de 750 milhões de pessoas ligadas ao cooperativismo. Em escala universal, o movimento conta com mais de 12% da população mundial, podendo ser considerado o mais importante movimento socioeconômico. No Brasil, o número de cooperados também é representativo, compreendendo mais de 10 milhões de pessoas (Sescoop, 2017), que são organizadas através de 12 ramos socioeconômicos. O setor agropecuário possui forte relevância na economia do país, sendo fundamental o investimento na agricultura para inovações e valorização do trabalho e da vida no campo (MATOS; NINAUT, 2007).
A OCB tem 6.586 cooperativas registradas, com crescimento notável no setor organizacional e financeiro, demonstrando forte participação na economia, na geração de renda e na promoção do desenvolvimento regional. Segundo estes dados, as Cooperativas Agropecuárias realizam transações econômicas equivalentes a 10% do Produto Interno Bruto, com um contingente de 830 mil agricultores associados em aproximadamente 1.400 cooperativas dos sistemas produtivos (OCB, 2015).
Os números deste cooperativismo são expressivos, mas o setor agropecuário abriga diversos desafios organizacionais no decorrer da sua história. Diante de crises na organização das cooperativas, o governo brasileiro lançou ainda na década de 1990, programas de apoio a este segmento, prevendo liberação de recursos para reestruturação de projetos agroindustriais e implementação de um programa de autogestão. Em 1998, o Governo Fernando Henrique editou a MP no 1.715, criando o Programa de Revitalização das Cooperativas Agropecuárias – Recoop.
As Cooperativas Agropecuárias que surgiram neste contexto histórico cresceram e se consolidaram com mais facilidade. A economia predominantemente agrária e exportadora que marcou a organização da sociedade brasileira fortaleceu este segmento. De acordo com a OCB (2015), em 2015, as cooperativas agropecuárias representavam 20% do total de cooperativas brasileiras, sendo responsáveis por mais de 60% dos empregos gerados pelo sistema. As cooperativas representam um volume significativo da economia brasileira.
O cooperativismo é a forma mais significativa de ação coletiva. Porém, para alcançar a eficiência na gestão social, as cooperativas precisam desenvolver uma estrutura adequada, capaz de encontrar o equilíbrio necessário entre os aspectos econômicos e sociais, ampliando ações que promovam mais equilíbrio nas relações com o meio ambiente (WFO, 2015).
1.4. Dados do cooperativismo agropecuário solidário
O cooperativismo tradicional representado pela OCB possui no ramo agropecuário uma grande força econômica, com cooperativas bem estruturadas no campo produtivo, agroindustrial e comercial. Grande parte destas cooperativas teve acesso a políticas de fomento ainda na década de 1990, as quais fundamentaram este crescimento organizacional. As Cooperativas Agropecuárias Solidárias, vinculadas ao Sistema Unicafes, constituíram-se depois de 1988, com um público marginalizado e poucas condições de investimento grupal, ficando a cargo destas cooperativas a inclusão produtiva e socioeconômica de diversas regiões do país (Unicafes, 2014).
O ramo agropecuário no Cooperativismo Solidário é caracterizado como segmento que representa a Agricultura Familiar organizada, setor reconhecido publicamente pelo seu papel na produção dos alimentos direcionados à mesa dos brasileiros. De acordo com as lideranças participantes do Programa Educação do Cooperativismo Solidário – Pecsol (Unicafes, 2013), essas cooperativas possuem importância ímpar para o desenvolvimento sustentável, na produção e comercialização de alimentos de qualidade, na organização social e na movimentação da economia brasileira. Segundo dados do IBGE (2006), a Agricultura Familiar é responsável por mais de 40% do valor bruto da produção agropecuária, e suas cadeias produtivas correspondem a 10% de todo o Produto Interno Bruto (PIB), com a produção de 67% do feijão, 84% da mandioca, 58% da carne suína, 52% do leite, 49% do milho, 40% das aves e ovos, e de grande parte das frutas e hortaliças.
As políticas públicas têm proporcionado um novo olhar sobre a Agricultura Familiar Cooperativada. Podem-se citar programas como o Programa de Aquisição de Alimentos – PAA e o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar – Pronaf como instrumentos fundamentais para este segmento. A Lei no 11.947/2009 estabelece que no mínimo 30% dos alimentos adquiridos pelas escolas e instituições públicas devem ser oriundos da Agricultura Familiar. Neste cenário, o Cooperativismo Solidário tem se portado como um instrumento importante para a execução destes programas (Unicafes, 2017).
Numa análise rápida, verifica-se que este conjunto de políticas tem como objetivo fortalecer a Agricultura Familiar de maneira individual, mas não possui linhas de apoio destinadas ao fomento e fortalecimento das cooperativas que representam a Agricultura Familiar, tornando estes empreendimentos reféns de programas governamentais, com poucas expectativas de autonomia organizacional. Atualmente o Sistema Unicafes possui 800 Cooperativas Agropecuárias, na organização das cadeias produtivas do leite, café, frutas, cereais, legumes, mel e carnes. Essas cooperativas possuem pouca estrutura de produção, agroindustrialização, armazenamento e logística. Grande parcela de suas atividades de transformação e logística é terceirizada (Unicafes, 2014).
1.5. Linhas orientadoras deste segmento
O IV Congresso da Unicafes, realizado em 2014, aprovou parâmetros orientadores para as Cooperativas Agropecuárias, destacando propostas de revitalização organizacional, com desenvolvimento de metodologias para ampliar o empoderamento das lideranças, com participação efetiva nas instâncias sociais e diretivas, prevendo revisão dos mecanismos de gestão, sensibilização dos associados para capitalização das singulares e implementação de parcerias para maior agregação de valor à produção (Unicafes, 2014).
O cooperativismo solidário fundamenta suas ações numa outra economia, com base nas relações de proximidade, no mercado justo, na autogestão, no controle social, na equidade de gênero e geração, no equilíbrio entre o desenvolvimento social e o econômico, na valorização dos conhecimentos locais, na transparência e participação autônoma na gestão e governança das cooperativas. A economia solidária é o grande pilar deste cooperativismo (Unicafes 2017).
O principal dilema da organização cooperativa é a definição da uma metodologia que proporcione formas para incorporação de uma cultura democrática e solidária, num sistema produtivo cujo paradigma é o individualismo. Neste contexto, o principal fundamento deste segmento organizacional são as noções de Economia Solidária, vistas como um modo de organização e produção, no qual estão presentes possibilidade de transformações nas relações de trabalho e no próprio sistema produtivo (CATTANI, 2003).
As Cooperativas Agropecuárias também estão fortemente fundamentadas nas lutas de classes e na concepção de trabalho marxista. O homem trabalha, buscando satisfazer suas necessidades, transformando a natureza, produzindo conhecimento e criando-se a si mesmo. Neste cenário, as cooperativas são instrumentos de outra economia, integrando a concepção de classes com as diretrizes de Economia Solidária (MARX, 1986).
Os documentos formais do cooperativismo agropecuário do Sistema Unicafes não o vinculam de maneira radical a nenhuma base teórica. Este segmento possui como princípio basilar a autonomia representativa, com abertura à construção de estratégias para garantir mais solidez organizacional, portando-se como uma alternativa socioeconômica à cultura de submissão presente na sociedade contemporânea.
2. Metodologia
Para análise do perfil das Cooperativas Agropecuárias do Sistema Unicafes, foram coletados dados das Cooperativas Agropecuárias, em nível nacional, entre os anos 2018 e 2019. Esses dados foram analisados utilizando o método de Clusters, técnica de análise estatística de interdependência que permite agrupar casos ou variáveis em grupos homogêneos em função do grau de similaridade entre os indivíduos, a partir de variáveis predeterminadas. Os conglomerados de cooperativas facilitam a análise qualitativa sobre o perfil deste ramo.
O Sistema Unicafes é composto por 1.200 cooperativas e, destas, 800 cooperativas fazem parte do ramo agropecuário. Essas cooperativas em sua grande parte possuem poucas estruturas operacionais. Uma parcela significativa possui suas ações fortemente vinculadas às políticas públicas. A amostra presente neste estudo é formada por 200 Cooperativas Agropecuárias, situadas em 20 estados, correspondendo a aproximadamente 25% da população total de cooperativas vinculadas à Agricultura Familiar no Sistema Unicafes.
O questionário foi aplicado presencialmente por educadores que participaram do Programa de Educação do Cooperativismo Solidário – Pecsol. Estes coletaram informações sobre variáveis que determinam a vida social, produtiva, operacional e comercial da cooperativa. A avaliação tem como objetivo verificar a estrutura dos dados, relacionar os aspectos e variáveis entre si, facilitando a análise dos conglomerados, identificando grupos homogêneos, de acordo com a similaridade das variáveis, com a variabilidade nos elementos, não incorrendo uma indicação prévia.
Na seleção de variáveis foram coletados dados de todas as cooperativas que participaram do Programa de maneira indiscriminada. Na identificação de outliers não foi realizada nenhum tipo de exclusão de variáveis com comportamentos atípicos, pois as variáveis demonstraram diferenças naturais das cooperativas analisadas. Em virtude da diversidade de variáveis que compõem o estudo, foi utilizada a padronização para mitigar os efeitos das diferentes medidas de distância, estabelecendo uma escala em termos de desvio-padrão, ajustando intercorrelações, para qualificar os agrupamentos.
Na seleção dos métodos de análise de Cluster, optou-se em utilizar o método hierárquico de maneira exploratória, para definir a quantidade de grupos, e o método não hierárquico, para aplicar a análise final. Para o processo de agrupamento, foi empregada a técnica do K-means, usada para grandes conjuntos de observações. O método produzirá uma solução para o número de conglomerados predefinido. A análise de Clusters foi aplicada para uma população de 200 cooperativas, com 24 variáveis preestabelecidas.
Quadro 2 – Variáveis utilizadas no estudo
Indicadores | Descrição |
Número de sócios | Quantidade de sócios que compõem a Cooperativa. |
Número de sócios ativos | Quantidade de sócios que se mantêm ativos com suas atividades. |
Número de mulheres | Quantidade de mulheres que são sócias e mantêm relações cooperativadas. |
Número de jovens | Quantidade de jovens que são sócios e mantêm relações cooperativadas. |
Número de homens | Quantidade de homens que são sócios e mantêm relações cooperativadas. |
Utilização de site | Cooperativas que utilizam site ou outro meio de comunicação on-line com sócios. |
Número de funcionários | Quantidade de funcionários que compõem o quadro operacional da Cooperativa. |
Remuneração | Quantidade média de salários mínimos pagos a cada funcionário da Cooperativa. |
Produtos | Principal produto comercializado, industrializado pela Cooperativa. |
Estrutura | Equipamentos que fazem parte da estrutura fixa da Cooperativa. |
Logística | Veículos e equipamentos utilizados para logística da produção. |
Equipamentos | Equipamentos utilizados para organização do setor de produção, comercialização. |
Agroindustrialização | Agroindústria da Cooperativa para beneficiamento produtivo. |
Software | Utilização de software on-line para gestão. |
DAP | Acesso a Declaração de Aptidão Produtiva. |
PAA | Acesso a políticas de compras institucionais. |
FBES | Credenciamento em espaços de representação de Economia Solidária. |
Pronaf | Acesso a políticas de crédito destinadas à Agricultura Familiar. |
Ater | Acesso a políticas de acompanhamento técnico destinadas à Agricultura Familiar. |
Redes | Integração com redes de cooperativas regionais. |
Unicafes | Integração com as estratégias organizacionais da Unicafes nacional e estadual. |
Serviços | Acesso aos serviços fornecidos pela Unicafes. |
Representação | Acesso aos processos representativos exercidos pelo Cooperativismo Solidário. |
Fonte: Desenvolvimento próprio, 2019.
Essas variáveis sistematizam a realidade social, produtiva e financeira das redes e cooperativas participantes, vinculando ações que mostram oportunidades e desafios, orientando possíveis linhas de ação para reestruturação do perfil.
3. Apresentação e análise dos resultados
Esta análise de Clusters tem como objeto de estudo as Cooperativas Agropecuárias do Sistema Unicafes, ramo composto por cooperativas de produtores rurais ou agropastoris e de pesca, cujos meios de produção pertençam ao cooperado. Essas iniciativas geralmente apoiam os associados no processo de produção, industrialização e comercialização. As variáveis coletadas para esta análise demonstram a organização destes empreendimentos, viabilizando condições para análise organizacional, social, produtiva e econômica.
O método hierárquico foi utilizado com caráter exploratório, sendo delegado ao método não hierárquico o papel de compor os Clusters e medir as variáveis mais significativas no processo aglomerativo. Os dados e variáveis coletados foram inseridos com objetivo de atender aos desafios da representatividade através de amostra com resultados generalizáveis para a população do estudo e com cuidado no impacto da multicolinearidade, com adoção de medidas de distância e padronização.
Na análise dos objetos e variáveis, verifica-se que embora utilizados dados de 200 cooperativas, foram gerados poucos aglomerados. Os objetos analisados possuem dados e variáveis com diferença pouco significativa, diminuindo a força destes para montagem dos conglomerados. O método hierárquico define a combinação de Clusters, fato demonstrado pela maior distância de coeficiente entre os estágios 198 e 199, conforme Tabela 1.
Tabela 1 – Esquema de aglomeração dos Clusters
Fonte: Autoria própria – Análise de dados SPSS, 2019.
O método não hierárquico é utilizado para o estudo sobre os conglomerados, análise das variáveis explicativas e descrição comparativa entre a composição dos Clusters. De modo geral, verifica-se similaridade entre percentual das cooperativas, mas grande dessemelhança entre o Cluster 1 e o Cluster 2.
Na sequência, apresenta-se a Tabela 2, que mostra a distância final entre os centroides (dados centrais da pesquisa), em que os valores indicam a média entre os centroides dos Clusters de cada variável em cada um dos Clusters finais. Esta avaliação possibilita a descrição dos perfis encontrados na análise de Clusters das Cooperativas Agropecuárias. O Cluster final reflete as características de cada caso agrupado. Percebe-se que no Cluster 1 todas as variáveis apresentam sinais negativos, representando os resultados menores que a média da variável, ao contrário do Cluster 2, em que as variáveis apresentam valores com sinal positivo, representado os resultados maiores que a média da variável, possibilitando descrição dos perfis encontrados.
Tabela 2 – Distância final entre os centróides
Variáveis | Clusters | |
1 | 2 | |
Zscore (Número de sócios) | -,21590 | 3,10560 |
Zscore (Número de sócios ativos) | -,22659 | 3,25937 |
Zscore (Número de mulheres) | -,19764 | 2,84293 |
Zscore (Número de jovens) | -,19622 | 2,82253 |
Zscore (Número de homens) | -,21097 | 3,03466 |
Zscore (Utilização de site) | -,06826 | ,98189 |
Zscore (Número de funcionários) | -,07854 | 1,12976 |
Zscore (Média de remuneração) | -,05944 | ,85502 |
Zscore (Produto) | -,00970 | ,13953 |
Zscore (Estrutura) | ,02289 | -,32930 |
Zscore (Logística) | ,01987 | -,28582 |
Zscore (Equipamentos) | ,02533 | -,36437 |
Zscore (Agroindústria) | -,00449 | ,06456 |
Zscore (Software) | -,04393 | ,63186 |
Zscore (DAP) | -,01019 | ,14661 |
Zscore (PAA) | -,02804 | ,40331 |
Zscore (FBES) | -,00513 | ,07373 |
Zscore (Pronaf) | -,02896 | ,41654 |
Zscore (Ater) | -,01363 | ,19601 |
Zscore (Redes) | -,01949 | ,28042 |
Zscore (Unicafes) | -,01341 | ,19286 |
Zscore (Serviços) | ,02877 | -,41383 |
Zscore (Representação) | -,02923 | ,42045 |
Fonte: Autoria própria – Análise de dados SPSS, 2019.
A análise de variância identifica quais as variáveis permitem a separação e solução dos Clusters. Por meio da Anova, Tabela 3, pode-se afirmar que, se uma variável conseguir distinguir bem os agrupamentos, sua variabilidade entre os grupos é elevada, do mesmo modo a variabilidade interna é mínima. Dessa forma, as variáveis que mais discriminam os grupos são aquelas com maior valor da estatística F. Com base nos valores de significância F para cada variável, pode-se afirmar que somente nove das 24 variáveis utilizadas no estudo são significativas para a formação dos dois Clusters, ao nível de significância de 5%, sendo estas as variáveis sociais: número total de sócios, número de mulheres, de jovens, de homens e o número de sócios ativos; variáveis operacionais: número de funcionários e nível de remuneração; variáveis estruturais: utilização de site e de software de gestão. A variável referente à quantidade de sócios ativos foi a que mais discriminou as cooperativas de cada cluster (F = 570,159). A Anova também demonstra a variabilidade entre os grupos.
Tabela 3 – Anova
Variáveis | Cluster | Erro | F | Sig. | ||
Quadrático médio | Df | Quadrático médio | Df | |||
Zscore (Número de sócios) | 134,098 | 1 | 0,328 | 198 | 409,097 | 0 |
Zscore (Número de sócios ativos) | 147,706 | 1 | 0,259 | 198 | 570,159 | 0 |
Zscore (Número de mulheres) | 112,373 | 1 | 0,438 | 198 | 256,849 | 0 |
Zscore (Número de jovens) | 110,767 | 1 | 0,446 | 198 | 248,567 | 0 |
Zscore (Número de homens) | 128,041 | 1 | 0,358 | 198 | 357,282 | 0 |
Zscore (Site) | 13,405 | 1 | 0,937 | 198 | 14,301 | 0 |
Zscore (Número de funcionários) | 17,746 | 1 | 0,915 | 198 | 19,386 | 0 |
Zscore (Remuneração) | 10,165 | 1 | 0,954 | 198 | 10,658 | 0,001 |
Zscore (Produto) | 0,271 | 1 | 1,004 | 198 | 0,27 | 0,604 |
Zscore (Estrutura) | 1,508 | 1 | 0,997 | 198 | 1,512 | 0,22 |
Zscore (Logística) | 1,136 | 1 | 0,999 | 198 | 1,137 | 0,288 |
Zscore (Equipamentos) | 1,846 | 1 | 0,996 | 198 | 1,854 | 0,175 |
Zscore (Agroindústria) | 0,058 | 1 | 1,005 | 198 | 0,058 | 0,81 |
Zscore (Software) | 5,551 | 1 | 0,977 | 198 | 5,682 | 0,018 |
Zscore (DAP) | 0,299 | 1 | 1,004 | 198 | 0,298 | 0,586 |
Zscore (PAA) | 2,262 | 1 | 0,994 | 198 | 2,276 | 0,133 |
Zscore (FBES) | 0,076 | 1 | 1,005 | 198 | 0,075 | 0,784 |
Zscore (Pronaf) | 2,412 | 1 | 0,993 | 198 | 2,43 | 0,121 |
Zscore (Ater) | 0,534 | 1 | 1,002 | 198 | 0,533 | 0,466 |
Zscore (Redes) | 1,093 | 1 | 1 | 198 | 1,094 | 0,297 |
Zscore (Unicafes) | 0,517 | 1 | 1,002 | 198 | 0,516 | 0,473 |
Zscore (Serviços) | 2,381 | 1 | 0,993 | 198 | 2,398 | 0,123 |
Zscore (Representação) | 2,458 | 1 | 0,993 | 198 | 2,476 | 0,117 |
Fonte: Autoria própria – Análise de dados SPSS, 2019.
Nesta análise de Clusters foram utilizadas diversas variáveis sobre os dados presentes nas Cooperativas Agropecuárias. Destas variáveis, nove foram consideradas significativas e expressivas para agrupamento dos Clusters, fato que não diminui a importância das demais variáveis para a organização cooperativa, mas demonstra a significância destas variáveis para os agrupamentos. As variáveis mais significativas fazem parte dos setores vinculados à estrutura social e operacional das cooperativas. Seguindo os dados da Anova, foi realizada análise sobre estas variáveis, com sequente distinção entre os dois Clusters.
Com relação à estrutura social (Tabela 4), a primeira variável significativa refere-se ao número de pessoas associadas nas cooperativas. Nos termos do art. 6o, da Lei no 5.764 de 1971, “as sociedades cooperativas são consideradas cooperativas singulares, constituídas pelo número mínimo de 20 (vinte) pessoas físicas”, sendo excepcionalmente permitida a admissão de pessoas jurídicas que tenham por objeto as mesmas atividades econômicas.
Os dados sociais sistematizaram o número de mulheres, jovens e homens, com estratificação de sócios considerados ativos. Verifica-se diferença considerável entre o número máximo e mínimo de sócios presentes nas cooperativas, com alta concentração masculina e baixa inclusão de jovens, ampliando o nível de preocupação com a sucessão nas Cooperativas Solidárias. Nota-se que a média de sócios é bastante próxima da média de sócios ativos, demonstrando participação positiva, ao menos nas movimentações externas.
Tabela 4 – Dados sociais
Fonte: Autoria própria – Análise de dados SPSS, 2019.
Estas variáveis foram consideradas significativas para a formação dos Clusters devido a sua expressiva diversidade, demonstrando que existem diferenças consideráveis entre cooperativas oriundas da mesma base social, e confirmando que o sucesso cooperativo não é determinado pelas diretrizes presentes no modelo, mas pela determinação dos associados.
Quanto à estrutura operacional (Tabela 5), a viabilidade deste segmento é marcada pela capacidade organizacional e pela eficiência das cooperativas. Os processos de autogestão são destacados pelo permanente processo de interação entre o agricultor, a cooperativa e o mercado. Neste espaço destaca-se a qualificação dos recursos humanos e das relações institucionais, pois os atos de cooperação são fundamentados nos processos de interação com os cooperados, sendo essencial investimento em comunicação, treinamento dos profissionais e dos diretores que administram estes empreendimentos. Neste eixo são sistematizados os processos de comunicação, o número de funcionários das cooperativas e o valor médio da remuneração.
A variável site sistematiza dados sobre a forma de utilização de instrumentos tecnológicos de informação, como informativos, correio eletrônico e site para comunicação com os associados e parceiros. As respostas poderiam ser: 1 – sim; 2 – não; 3 – possui interesse. Das 200 cooperativas, apenas 65 possuem instrumentos como estes para comunicação social, sendo tal processo um dos pontos essenciais para mais transparência e controle social.
As variáveis número de funcionários e nível de remuneração demonstram a situação estrutural destes empreendimentos e o nível de estabilidade para valorização profissional dos funcionários. Estas iniciativas são fundamentadas nos princípios de economia solidária e autogestão, fato que fortalece a presença das lideranças e diminui a necessidade de profissionais contratados. Das 200 cooperativas, 156 não possuem funcionários, 32 possuem mais de 3 funcionários e somente 12 possuem mais de 5 funcionários.
Na Tabela 5 verifica-se que as médias registradas sobre o número e remuneração dos funcionários são baixas, se comparadas com números das empresas não cooperativas. A baixa valorização desta estrutura humana gera rotatividade expressiva no quadro de funcionários, ampliando o nível de dificuldades presente na gestão das cooperativas e desafiando este modelo organizacional a repensar suas estratégias de recursos humanos.
Tabela 5 – Dados operacionais
Fonte: Autoria própria – Análise de dados SPSS, 2019.
Para autores como Schneider (2003), Irion (1997), Cattani (2003), a autogestão é percebida na interação entre cooperante, dirigente e funcionário, e este segmento só se fortalecerá por meio de um contínuo trabalho de capacitação e integração que desenvolva o cumprimento das responsabilidades que cada um tem dentro da cooperativa. A autogestão é dos próprios cooperados, que assumem responsabilidade pela gestão social, produtiva e financeira. Em paralelo, este ramo agropecuário possui demandas emergenciais, pois convive com condições mercadológicas que mudam com intensa velocidade, exigindo respostas consistentes.
No que diz respeito à estrutura produtiva, as cooperativas brasileiras registraram resultados crescentes no volume de vendas internas e externas realizadas entre os anos 2018-2019. No grupo de produtos exportados destaca-se, em primeiro lugar, o complexo sucroalcooleiro. Em seguida, aparece o complexo soja, café e grãos. As carnes também estão entre os principais itens de vendas. Neste eixo, a pesquisa sistematizou as principais cadeias produtivas deste ramo, verificando-se enorme diversidade produtiva nas Cooperativas da Agricultura Familiar, com destaque para as linhas de cereais: arroz, trigo, feijão; embutidos: salames, conservas, doces; legumes: batata, abobrinha, saladas; frutas: maçã, banana, laranja, manga, caju e leite e seus derivados (MDIC – Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, 2017).
O processo produtivo torna as cooperativas sensíveis ao cenário econômico, sendo necessário ajuste permanente nos processos de produção e gestão comercial. Dos dados produtivos sistematizados, verificam-se 18 variedades produtivas. Do total da amostra, 56 cooperativas trabalham na cadeia do leite, 32 com frutas e 26 com cereais. Produzir é uma das etapas do complexo cooperativo agropecuário. O produto colhido, precisa ser transportado, armazenado, beneficiado, comercializado e industrializado, exigindo das cooperativas, estrutura para tal e grande eficiência técnica gerencial (SCHNEIDER, 2003).
Na estrutura organizacional, é o molde legal que define como se darão as relações entre os cooperadores, bem como as relações institucionais da cooperativa com os parceiros comerciais. O cooperativismo agropecuário é o mais conhecido na sociedade pela amplitude na produção de gêneros alimentícios. Neste eixo, a pesquisa coletou dados sobre a estrutura física, logística, transporte, estoque e agroindustrialização, os quais não foram considerados significativos para definição dos conglomerados, mas mostram o panorama atual deste segmento socioeconômico e as condições de transformação, estoque e logística da produção que determinam as potencialidades para agregação de valor aos produtos da agricultura familiar. Os dados seguem a seguinte explicação: 1 – não possui; 2 – terceiriza; 3 – aluga; 4 – possui em comodato; 5 – possui em patrimônio próprio.
Conforme Tabela 6, a base social das Cooperativas Agropecuárias do Sistema Unicafes é formada por agricultores familiares, segmento social conhecido por sua capacidade na produção de alimentos e por seus limites estruturais relacionados ao volume de terras, estruturas de produção e industrialização, consequentemente estas cooperativas possuem pouquíssima estrutura organizacional. Da população total deste estudo, somente 23 cooperativas possuem unidade agroindustrial e, destas, grande percentual se encontra em comodatos com Prefeituras ou instâncias governamentais. Este fato não desclassifica a capacidade estrutural deste segmento, mas demonstra as dificuldades na estruturação de mecanismos que proporcionem condições de viabilidade produtiva e comercial.
Tabela 6 – Dados estruturais
Fonte: Autoria própria– Análise de dados SPSS, 2019.
Tratando-se das tecnologias de gestão, quanto à estrutura operacional para gestão financeira, contábil e comercial, o estudo sistematizou dados sobre a existência e utilização de software de gestão nesses empreendimentos. Conforme descrito na Tabela 7, da população total, 83 cooperativas não utilizam uma ferramenta de gestão on-line. Esse é um ponto alarmante observado pela pesquisa, somado ao baixo número de funcionários e aos baixos níveis salariais pagos por estes serviços. As cooperativas do Cluster 1 possuem números abaixo da média e, consequentemente, o Cluster 2 concentra cooperativas com estruturas sólidas, com recursos humanos estáveis e expressiva inovação tecnológica nos processos de gestão.
Estas três variáveis são se analisadas de maneira complementar, mostram séria vulnerabilidade das Cooperativas Agropecuárias do Sistema Unicafes. Tais iniciativas desempenham papel importante na promoção do desenvolvimento local e regional com a inclusão de agricultores familiares e de diversas iniciativas da Economia Solidária, sendo fundamental a organização de processos para reestruturação desses empreendimentos.
Tabela 7 – Estrutura de gestão
Fonte: Autoria própria – Análise de dados SPSS, 2019.
Quanto ao acesso a serviços estruturais, a organização em rede é considerada um princípio basilar fundamental para a viabilidade dos empreendimentos solidários. Essa rede orienta ações pautadas na organicidade, com relações de proximidade fundamentadas na interação local e na articulação regional. Neste eixo foram coletados dados sobre a participação em rede de cooperativas e sobre as demandas de serviços em gestão, formação, comercialização.
A Tabela 8 sistematiza dados de forma numérica. Sobre redes: 1 – cooperativa não articulada em rede; 2 – cooperativa articulada em rede. Sobre serviços: 1 – demanda de serviços de formação; 2 – serviços de gestão; 3 – serviços de comercialização; sobre representação: 1 – não necessita de representação; 2 – necessita de representação. Na variável serviços, destaca-se a demanda por serviços de gestão e comercialização. A formação não é apontada como prioridade. Na variável representação, concentra-se demanda pela busca de parcerias para fomento aos processos de organização e industrialização.
A organização em rede é um mecanismo organizacional que unifica cooperativas locais, com o objetivo de centralizar os serviços, a representação e diminuir os custos fixos singulares. Os dados sistematizados demonstram que parcela considerável da população trabalha de forma local - somente 83 cooperativas são articuladas em rede, com estratégias para acesso a serviços de gestão, formação e comercialização. O restante depende de ações de âmbito estadual ou nacional articuladas pelo Sistema Unicafes, diminuindo possíveis potencialidades de parcerias e articulações regionais.
Tabela 8 – Serviços estruturais
Fonte: Autoria própria – Análise de dados SPSS, 2019.
Na sequência, a Tabela 9 apresenta a composição dos Clusters selecionados, destacando que 187 Cooperativas Agropecuárias são aglomeradas no Cluster 1 e 13 cooperativas são aglomeradas no Cluster 2. A população estudada possui variáveis semelhantes, verificando-se que as variáveis presentes nos eixos estrutura social, operacional e capacidade de gestão agruparam as cooperativas com maior e menor capacidade instalada.
Tabela 9 – Número de casos por Cluster
Fonte: Autoria própria – Análise de dados SPSS, 2019.
Com relação à análise do Cluster 1, o Sistema Unicafes possui bases sociais estáveis e sólidas em poucos ramos cooperativos. Muitas das cooperativas têm dificuldades organizacionais, embora possam ser sistematizados inúmeros casos positivos de organização econômica e social. O ramo agropecuário é o segmento que convive com permanentes embates com os conglomerados do mercado tradicional, e as variáveis sistematizadas e cooperativas que formam este conglomerado demonstram, por si só, não possuírem condições para enfrentar as condições impostas pelo mercado.
A população total desta análise é composta por 200 cooperativas e, destas, 187 se aglomeraram no Cluster 1 devido ao grau de semelhança nas variáveis sociais, estruturais e de gestão. Na estrutura cooperativa, estas variáveis evidenciam a legitimidade social, a situação organizacional e o modelo de gestão e governança adotado por tais iniciativas. Utilizando a Anova (Tabela 3) como indicador, verifica-se que neste Cluster as cooperativas possuem, em média, menos de 270 sócios, com estrutura operacional composta por no máximo dois funcionários, com remuneração inferior a dois salários mínimos ao mês. No setor de gestão financeira, os dados mostram que aproximadamente 45% destas cooperativas não utilizam software de gestão, fato justificado pelo uso de técnicas de gestão informais.
Se analisadas as variáveis com menor significância para os Clusters, verifica-se que quase 20% dos membros deste conglomerado, embora com dependência de políticas públicas, não possuem Declaração de Aptidão ao Pronaf (DAP jurídica) via cooperativa e, consequentemente, não possuem aptidão para acessar programas de crédito e de comercialização, restringindo as ações produtivas aos recursos próprios e às vendas no mercado local e nas feiras de Economia Solidária.
Este grupo de cooperativas é importante para a aglomeração e organização das pessoas com menor poder aquisitivo, tendo como objetivo a construção de estratégias participativas para a promoção do desenvolvimento econômico com inclusão social, solicitando resposta governamental e aplicação de políticas públicas que fortaleçam a autonomia social dessas organizações, consideradas, pelo marco legal, empresas privadas sem fins lucrativos, mas que paralelamente deveriam ser consideradas de interesse público.
O Cluster 2, é composto por 13 cooperativas, com forte semelhança entre as variáveis. As variáveis demonstram que essas cooperativas possuem mais legitimidade e estabilidade social, com padrões de gestão qualificados. Utilizando os indicadores da Anova (Tabela 3), verifica-se que tais cooperativas têm em média mil sócios, com estrutura operacional composta por quatro funcionários, que são remunerados, com aproximadamente quatro salários mínimos ao mês. No setor de gestão financeira, todas as cooperativas possuem software e instrumentos de controle financeiro, além de profissionais capacitados para gestão operacional e agroindustrialização, fatos que sistematizam maior potencial para acesso às políticas de crédito, comercialização e a representação.
Além disso, o grupo do Cluster 2 utiliza-se melhor das políticas públicas existentes, com maior demanda aos processos de representação e serviços fornecidos pelo Sistema Unicafes. Este perfil é solidário, mas organizou-se de maneira mais integrada, sendo importante realizar estudo sobre os indicadores que viabilizaram a constituição e o fortalecimento deste conglomerado de Cooperativas Agropecuárias, pois com a análise do padrão estabelecido o sistema poderá centralizar ações na replicação dos casos de sucesso e na defesa de políticas e programas que se atentem à diversidade presente neste modelo organizacional. Destaca-se que mesmo com baixo nível estrutural as cooperativas promovem um amplo trabalho de desenvolvimento social e econômico com a sua base associada.
4. Considerações finais
O cooperativismo em todas as fases e segmentos da sociedade constituiu-se como um mecanismo importante para a promoção do desenvolvimento regional e para a construção de estratégias socioeconômicas. Na Agricultura Familiar e na Economia Solidária este segmento organizacional tem proporcionado condições para a sobrevi-vência social, com a articulação de alternativas para geração de renda e agregação de valor. A análise do Perfil das Cooperativas Agropecuárias do Sistema Unicafes gerou dois conglomerados organizacionais que, se comparados, demonstram graus consideráveis de dissemelhança.
O cenário das cooperativas do Cluster 1 demanda processos de aprofundamento e inovação organizacional, objetivando fortalecimento da rede local, com implementação de processos estruturais que revigorem os setores sociais, agroindustriais e administrativos, com valorização da autonomia e viabilidade institucional. As cooperativas do Cluster 2 são mais sólidas e demandam estudo para validação de estratégias que possam ser multiplicadas em outros espaços, com público e culturas proporcionais.
O fato significativo da análise de Clusters é a confirmação de que a base fundacional e o público-alvo não definem o sucesso da organização cooperativista. A viabilidade deste segmento passa pela análise de diversas variáveis ainda não estratificadas com consistência. A diversidade entre os objetos e as variáveis presentes nos modelos Tradicional e Solidário confirma a diferença sistemática entre as concepções, validando a existência de no mínimo dois perfis representativos. A formação de dois Clusters na análise do modelo Solidário mostra que também entre os aglomerados deste segmento existem diferenças consideráveis em todos os eixos analisados, especialmente nos setores sociais, produtivos e agroindustriais.
Mesmo com as carências organizacionais presentes nos dois Clusters, parte das cooperativas demonstra consolidação, confirmando a viabilidade deste instrumento para inclusão dos setores sociais menos desenvolvidos. Esta análise confirma que as classes menos desenvolvidas carregam consigo limites estruturais, mas se forem organizadas com metodologias apropriadas podem ser incluídas nos processos de desenvolvimento econômico, podendo ser sustentáveis e autônomas em seu processo organizacional.
No Brasil, os conglomerados tradicionais de commodities ainda definem os rumos da produção agropecuária. A viabilidade socioeconômica das organizações cooperativas solicita processos permanentes de revisão de suas estratégias fundacionais, com adoção de estruturas adequadas ao objetivo do segmento e às condições do seu ambiente comercial. O perfil das Cooperativas Agropecuárias do Sistema Unicafes demonstra potencial organizativo, mostrando-se como iniciativa para o desenvolvimento da agricultura familiar e da economia solidária das diversas regiões do país, sendo importante o desenvolvimento de novas pesquisas sobre variáveis com mais significância para o aprimoramento da organização e da sustentabilidade social, econômica e ambiental deste segmento socioeconômico.
Referências
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________. The State of Food and Agriculture: Innovation in family farming. Roma, 2014.
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SCHNEIDER, S. Agricultura familiar e mercantilizarão. In: Mara Castilho (Org.). Agronegócio e desenvolvimento sustentável. Francisco Beltrão: Unioeste, 2003.
SINGER, Paul. Uma Utopia Militante. Petrópolis: Vozes, 2000.
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________. Programa Nacional de Educação do Cooperativismo Solidário. Brasília, 2017.
________. Modelo de Organização do Cooperativismo Solidário. Brasília, 2017.
ZANCO, Alcidir Mazutti; ZANCO, Rosane A. Guimarães; ALVES, Adilson Francelino. Perfil das cooperativas agropecuárias do sistema Unicafes. Revista IDeAS, Rio de Janeiro, v. 12, p. 1-35, e018004, 2018.
Recebido em junho de 2018.
Aceito em abril de 2019.
[1] Doutorando no Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento Rural Sustentável – PPDRS (Unioeste). E-mail: alcidirmz@yahoo.com.br
[2] Graduada em Pedagogia pela Fateb, com pós-graduação em Psicopedagogia pela Unipar. E-mail: rosaneag@yahoo.com.br
[3] Professor no Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento Rural Sustentável – PPDRS (Unioeste). E-mail: adilsonfalves@gmail.com