Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro
Programa de Pós-Graduação de Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade
Revista IDeAS, Rio de Janeiro, volume 15, 1-33, e021015, jan./dez. 2021 • ISSN 1984-9834
Artigo original • Revisão por pares • Acesso aberto
Condições de moradias e contratos de trabalho na lavoura canavieira em Campos dos Goytacazes (1980-1989)
Housing conditions and labor contracts in the sugarcane fields in Campos dos Goytacazes (1980-1989)
Filipe Moreira de Azeredo Tavares[1]
Resumo Este artigo tem como objetivo analisar as condições de moradias e contratos de trabalho na lavoura canavieira em Campos dos Goytacazes, região norte fluminense do Rio de Janeiro entre 1980-1989. O período é marcado pela reorganização dos movimentos sociais, proporcionada pelo processo de redemocratização. Nesse período, tornaram-se mais visíveis no cenário público as reivindicações e paralisações dos canavieiros, tendo como pautas o fim da cobrança dos aluguéis, as melhorias nas condições de habitação, o cumprimento do Estatuto da Lavoura Canavieira, o fim das empreiteiras, o direito ao roçado, o pagamento em espécie, entre outros. Ao dialogar com os estudos existentes, somados à análise dos jornais impressos, concluímos que a exploração sofrida na região apresenta semelhanças com outros estados do país, sendo as condições de dominação constitutivas do trabalho do corte de cana de açúcar, com diferentes regras de moradia e contratação. Palavras-chave: Campos dos Goytacazes; Lavoura Canavieira; Boias-frias; Trabalhadores Clandestinos. Abstract This article aims to analyze the conditions of housing and work contracts in the sugarcane plantation in Campos dos Goytacazes, north of Rio de Janeiro state, between 1980-1989. The period is marked by the reorganization of social movements, brought about by the democratization process. During this period, the demands and stoppages of sugarcane growers became more visible in the public scenario, with the aim of ending the collection of rents, improvements in housing conditions, compliance with the Sugarcane Farming Statute, end of contractors, right to clearing, payment in kind, among others. When dialoguing with the existing studies, added to the analysis of the printed newspapers, we conclude that an exploitation suffered in the region has similarities with other states in the country, with the conditions of domination being constitutive of the work of cutting sugar cane, with different rules of housing and hiring. Keywords: Campos dos Goytacazes; Surgarcane fields; Buoys-cold; illegal workers. | Submissão: Aceite: Publicação: |
Citação sugerida TAVARES, Filipe Moreira de Azeredo. Condições de moradias e contratos de trabalho na lavoura canavieira de Campos dos Goytacazes (1980-1989). Revista IDeAS, Rio de Janeiro, v. 15, p. 1-33, e021015, jan./dez. 2021. Licença: Creative Commons - Atribuição/Attribution 4.0 International (CC BY 4.0). |
Introdução
A indústria sucroalcooleira campista caracteriza-se por uma heterogeneidade de relações de trabalho em que a dominação dos funcionários pelos usineiros é um aspecto estrutural. O objetivo deste artigo é contextualizar as formas de moradia dos trabalhadores canavieiros campistas e os recursos obtidos através da obediência e fidelidade à classe patronal, bem como os contratos de trabalho que podem ser encontrados nos anos 1980. O período abarca a redemocratização e mobilização dos movimentos sociais, em que o trabalhador canavieiro volta a ocupar, também, as manchetes dos jornais e expor as condições às quais estava submetido. Além disso, há um esforço dos sindicatos para a resolução de antigos conflitos e processos que ficaram parados ao longo do período de repressão militar. Dentre as reclamações dos trabalhadores, encontrava-se o direito ao acesso à moradia digna, com infraestruturas básicas, como o acesso à água potável e a instalações sanitárias; o cumprimento do Estatuto da Lavoura Canavieira e da Consolidação das Leis do Trabalho.
O estudo faz parte de uma pesquisa mais ampla e traz, como resultados parciais, os primeiros levantamentos acerca das condições de vida e trabalho na agroindústria campista nos anos 1980, tendo como uma das fontes de análise, complementares à bibliografia analisada, os jornais em circulação no período. A escolha dos periódicos ocorre em virtude das enunciações da exploração sofrida pelos trabalhadores, das condições de ilegalidade e do domínio dos empreiteiros na região, constituindo importante fonte de interpretação da problemática e apontando semelhanças com a bibliografia analisada. Dessa forma, foram selecionadas reportagens de O Globo, O Fluminense e Jornal do Brasil em razão da sua influência, número de tiragens e circulação regional, visando apresentar e elucidar os sujeitos inseridos nas condições de moradia e os contratos de trabalho, bem como demonstrar a compatibilidade entre a bibliografia e o experienciado em Campos.
De modo a auxiliar a organização da leitura, este artigo está dividido em duas seções, dialogando com a bibliografia especializada (SIGAUD, 1978; GUANAIS, 2010, 2018; NOVAES, 2007; NEVES, 1989; RIBEIRO, 1987): a primeira, teve como objetivo discutir como viviam os trabalhadores canavieiros, grupo central de análise deste artigo. Para tal, são abordadas as relações entre os trabalhadores-moradores de usinas e fazendas, demonstrando suas condições de habitação. A segunda, teve o propósito de analisar as formas de contratos trabalhistas presentes, demonstrando a heterogeneidade dessas relações, cujo acesso à assinatura da carteira de trabalho, garantidora de direitos básicos, não consistia em uma realidade para grande parte dos trabalhadores.
Consideramos essa divisão pela forma como se organiza a produção açucareira na região durante os anos 1980. A cana moída e transformada em produto nas 17 usinas em funcionamento no período (Baixa Grande, Barcelos, Cambayba, Carapebus, Conceição de Macabu, Cupim, Novo Horizonte, Outeiro, Paraíso, Pureza, Queimados, Quissamã, Santa Cruz, São João, Sapucaia, Santa Maria e São José) era plantada e cortada nas fazendas de propriedade dos usineiros e seus familiares e dos plantadores de cana, analisados por Neves (1981 e 1997).
Os usineiros constituíam a classe de maior poder político e econômico da região. Eram proprietários das usinas, responsáveis pela fabricação do açúcar e do álcool, e também de grandes extensões de terra onde a cana era plantada e cortada para abastecimento da indústria. Estabeleciam com plantadores da região uma relação econômica ao comprar a produção dessas fazendas. Exerciam sua influência em diversos campos, e mantinham com o Estado constante negociação e solicitação de atendimento de demandas, reivindicando, inclusive, recursos públicos para financiamento da produção, comercialização e modernização da indústria[2].
Sua posição era caracterizada pelo atravessamento de relações sociais complexas, como a figura do empresário, responsável pelo funcionamento e pela existência da usina como empresa; os laços familiares, capazes de manter empregados os filhos e inseri-los no setor, perpetuando a riqueza; as relações com os plantadores, pautadas pelo desejo de controlar o preço da cana e, consequentemente, os lucros obtidos através da baixa remuneração por tonelada; e com os trabalhadores, abrangendo uma dominação de tipo tradicional, em que “[...] o senhor pode manifestar ‘benevolência’, segundo livre-arbítrio sobre graça ou desgraça, segundo simpatia ou antipatia pessoal e arbitrariedade puramente pessoal” (WEBER, 1999, p. 148).
Os plantadores ou fazendeiros eram proprietários de grandes extensões de terra e dedicavam-se à produção e à comercialização de cana e criação de gado. Além disso, promoviam em suas unidades produtivas a própria subsistência, por meio da criação secundária de aves, porcos, carneiros, cabritos e cavalos. Nas lavouras, plantavam para subsistência milho, feijão, café, abóbora, mandioca, abacaxi, aipim. Utilizavam a mão de obra de trabalhadores permanentes, alocados sob a condição de “morador”, nas lavouras e nos roçados, e de trabalhadores temporários, alugados ou diaristas, no período de colheita (NEVES, 1997)[3].
Os plantadores mantinham com os usineiros relações conflituosas quanto à comercialização da matéria-prima e à distribuição de recursos públicos, mas compartilhavam interesses convergentes no que se refere à defesa da propriedade da terra e da manutenção da ordem. Os plantadores, por sua vez, tinham uma trajetória pontuada pela reafirmação do seu potencial produtivo, acesso aos direitos concedidos aos usineiros, e “destacam a compreensão que têm da relação assimétrica em que estão envolvidos e o controle que procuram manter no sentido de não permitirem o aumento da assimetria” (NEVES, 1997, p. 69).
Nas usinas supracitadas, eram empregados cerca de 40 mil trabalhadores rurais (NEVES, 2007), residentes em diferentes espaços, seja nas fazendas de propriedade da usina, nas fazendas dos plantadores de cana ou nas regiões favelizadas próximas. Além disso, podiam residir em casas construídas com recursos próprios, mas dentro dos limites das propriedades ou em terra cedida pelo patrão. As condições de habitação, conforme discutiremos posteriormente, também eram distintas, de acordo com a origem e o estado civil do trabalhador. Os homens solteiros – sejam trabalhadores imigrantes recrutados para a safra ou locais – costumavam ser alojados em quartos compartilhados; as famílias ocupavam as casas em precárias condições. Deste modo, para compreender as relações de moradia e trabalho, devemos assumir as regras circunscritas nessas relações patrão-trabalhador, pautadas pelo controle.
A residência nas propriedades da classe patronal responde às regras criadas pelos usineiros e plantadores, seja pela tradição ou pela dominação direta. As moradias, em condições insalubres de habitação, têm outras funções não explícitas, como o controle da rotina e a vigilância constante, principalmente entre os homens solteiros residentes mais próximos aos canaviais. Ao estabelecer a moradia próxima ao local de trabalho, os patrões garantem – através da determinação dos horários de acordar, dormir, fazer as refeições e tomar banho –, a constância da produtividade daqueles sujeitos.
Os capitalistas têm como interesse central a dominação do tempo e a instauração da disciplina, conforme Thompson (1998). Apesar de analisar o contexto inglês após a segunda metade do século XVII, percebemos algumas ideias e conceitos intrínsecos à sociedade capitalista, como a distinção entre o tempo do empregado e do empregador. O empregador, visando evitar que o valor do tempo de seu empregado seja ocioso, vigia-o, e a vigilância da execução do trabalho é elemento comum no trabalho rural, especificamente no canavieiro, pela figura do fiscal de turma, a ser elaborado posteriormente.
Dessa forma, especialmente para os confinados nos alojamentos, seu tempo livre condicionava-se apenas à recuperação das forças para a retomada do corte nas horas seguintes. Ainda assim, os trabalhadores moradores não escapavam dessa lógica, já que suas residências estavam dentro do espaço de dominação e vigilância dos patrões, e suas rotinas influenciadas pelos costumes e regras daquele local.
Os alojamentos das usinas permitiam, portanto, a manutenção da disciplina e criavam o que Guanais (2018) chama de “situação de não família”. Naqueles momentos, distantes das sociabilidades e dos laços pessoais, viviam e experimentavam o ambiente de trabalho a todo instante, não havendo espaços para o lazer e a distração, pois as regras das moradias eram relacionadas às determinações da usina. Nos alojamentos, o trabalho e o lar estavam diretamente associados, principalmente pela constante vigilância e o medo da repressão por atitudes consideradas indevidas, mesmo relacionadas a momentos de diversão.
A ruptura das relações de moradia, bem como dos vínculos trabalhistas, ocorria quando havia o desrespeito às regras consensuais, seja pelo patrão ou por seus funcionários, como: humilhações, xingamentos, agressão, roubo, destruição das hortas ou bens dos trabalhadores, ofensa às mulheres ou filhos, entre outros. A decisão de deixar a residência nestes contextos só era possível pela reflexão que eles faziam sobre suas relações de dominação, cujas regras do que era aceitável e do inviável estavam postas e não deveriam ser ultrapassadas. Naquele momento, os trabalhadores passavam por um processo de readaptação em outra usina ou fazendas, submetidos às regras de um novo administrador, usineiro, barraqueiro, renunciando, assim, às suas conquistas anteriores pelo respeito à condição de trabalhador.
Os administradores eram responsáveis pela gestão dos serviços, exerciam o controle e respondiam pela empresa na ausência do usineiro, conhecia todos os trabalhadores, bem como suas casas e família. Sua figura era ambígua, pois como empregados das usinas, desprovidos de meios de produção ou propriedades, assumiam o discurso do patrão ao defender seus interesses e naturalizavam as condições de exploração dos canavieiros. Essa categoria será melhor analisada na próxima seção.
Com o poder fragmentado e personalizado não só pelo patrão, mas por seus filhos e funcionários, a dominação exercida e a constante opressão tornavam a usina um local de alta rotatividade de trabalho, onde os residentes mais antigos conheciam, dominavam e praticavam as regras, buscando, através da experiência, adquirir direitos que melhorassem suas condições de subsistência. Ressaltamos que os “benefícios” conquistados arduamente por alguns trabalhadores não diminuíam o cenário da superexploração do trabalho – atraso de pagamento, ausência de equipamentos de proteção adequados e do fornecimento de alimentação e água potável, habitações impróprias, não cumprimento dos direitos trabalhistas como 13o, férias, descanso semanal remunerado, entre outros, eram elementos reais e diariamente vivenciados.
Adiante, abordamos de forma mais específica as condições de moradia dos trabalhadores canavieiros e seus contratos de trabalho, tecendo ao final algumas considerações.
O trabalhador-morador de usina
Ao considerar os estudos sobre os trabalhadores canavieiros, faz-se indispensável pensar onde e como moravam. Apesar de grande parte estar situada fora dos territórios das usinas e fazendas por serem empregados apenas nos períodos da safra como mão de obra complementar, nosso objetivo é compreender como eram constituídas as relações dos residentes. Importante ponderar a existência de cortadores de cana assalariados presentes nas fazendas dos usineiros, bem como dos plantadores de cana (isto é, empresários rurais com grandes propriedades e maquinários industriais modernos, com cotas de venda garantidas pelo Instituto do Açúcar e do Álcool, e em cujas propriedades eram empregados trabalhadores assalariados e moradores). Apesar de estarem inseridos em distintas escalas de produção e comercialização da matéria-prima, os moradores compartilhavam códigos, valores e regras de convivência comum ao sistema de dominação simbólica. Compreendemos a pluralidade das condições de contrato de trabalho experienciadas pelos colonos[4], meeiros e lavradores (NEVES, 1981), mas nos restringimos a examiná-las partindo dos canavieiros assalariados, muitos deles filhos de antigos colonos e conhecidos como “boias-frias”.
A figura do morador é observada por outros autores em outros contextos, como os estudos de Sigaud (1978) e Palmeira (2009). Sigaud (1978), ao realizar pesquisa de campo na Zona da Mata Pernambucana entre 1969 e 1970, busca compreender o discurso do trabalhador sobre sua condição, priorizando o aspecto ideológico da classe. Para os sujeitos avaliados por Sigaud (1978), seu reconhecimento como morador estava associado às suas relações com o patrão, e todas as referências seriam ligadas às suas experiências e conexões. Assim:
O morador classifica os “personagens” de acordo com a maneira como ele vive a relação com o patrão, situando-os mais ou menos próximos a ele morador. Como ele vive a relação com o patrão como uma relação de oposição, a qual é mediada por uma certa “ambiguidade”, todas as outras categorias o morador vai opor a ele e em relação a todas elas vai apresentar um certo grau de ambiguidade. E isso sendo verificável não apenas em termos de hierarquia do engenho, como também nas categorias que o morador situa no mesmo nível que ele (p. 44).
Palmeira (2009), em pesquisa realizada no final dos anos 1970 na região açucareira do Nordeste, aponta para a compreensão do que o morar significa para os trabalhadores, assim como suas correções comuns aos pesquisadores pela confusão dos termos morar, morada e morador. Para os sujeitos estudados pelo autor, sua constituição como morador só era estabelecida mediante o contrato particular que o vinculava diretamente a um senhor de engenho. Desse modo, as relações de morada eram associadas ao trabalho e ao fornecimento de terra para plantação de subsistência, podendo ser um terreiro, chão de terra ou um fundo de casa, sendo uma peça pertencente à casa (PALMEIRA, 2009, p. 205).
No campo pesquisado por Palmeira (2009), a concessão da casa também estava associada à confiança e à fidelidade do patrão, e assumia a forma plena na concessão de sítios distantes do “pátio do engenho”, permitindo mais autonomia e a plantação de árvores frutíferas, denotando um vínculo permanente com o patrão. Os trabalhadores nordestinos, à semelhança de Campos, consideravam um desrespeito às regras de convivência e um ataque à sua condição de morador a plantação de cana em seus roçados e a invasão de suas lavouras.
O acesso à moradia nas propriedades do usineiro era conquistado mediante disputas e relações que foram sendo moldadas ao longo do tempo. Costumeiramente concedidas sem desconto de salário e em precárias condições estruturais, após 1955, por meio do Dissídio Coletivo TRT 9 DC/55 – 1.263/55, os usineiros passaram a ter direito de descontar 27% sobre o valor do salário mínimo referente à moradia (NEVES, 1997, p. 175). Assim, o direito costumeiro de acesso à moradia gratuita passou a ser institucionalizado e usado como forma de reduzir o pagamento do salário, fato este não aceito pelos trabalhadores, os quais, por sua vez, continuaram resistindo à cobrança e reivindicando na Justiça e através de mobilização, ou preferindo alternativas, tal como a construção da casa própria ou domicílio fora das fazendas.
A cobrança abusiva dos aluguéis tornara-se, ademais, elemento de reivindicação na Junta de Conciliação do Trabalho da região, aspecto explorado por autores como Soares (2015). Essas reivindicações estavam presentes desde momentos anteriores à ditadura civil-militar, período em que as apelações eram feitas, em virtude da repressão, na Justiça do Trabalho. Medeiros (1989) aponta em seu estudo, ao analisar a imprensa comunista entre 1949-1954, a existência de uma greve em Campos no ano de 1954, reivindicando o pagamento de salário mínimo e o fim do desconto do aluguel das casas, demonstrando a longevidade dessas questões.
As moradias não seguiam um padrão de qualidade, e algumas casas apresentavam condições melhores e, outras, problemas estruturais e com riscos de desabamento. Variavam, ainda, de acordo com o estado civil do trabalhador e das relações que possuíam com o usineiro. Importante estudo realizado por Torres (1945), para o Instituto do Açúcar e do Álcool (IAA), sobre a condição de vida dos trabalhadores na agroindústria do açúcar no Rio de Janeiro revelou o perfil das casas na região de Campos, cujas construções com telhados cobertos de telha e ausentes de pisos abrigavam mais do que sua capacidade suportava.
Como nem todos os trabalhadores possuíam família ou esposas naquela localidade, os homens solteiros eram abrigados, por vezes, em olarias e antigas senzalas adaptadas, cujas habitações, com capacidade máxima para duas pessoas, abrigava quatro ou mais. As pesquisas realizadas por Torres (1945), abarcando as Usinas de Cambaíba, Paraíso, Poço Gordo, Queimado, Novo Horizonte, Santa Cruz, Santo Amaro, Santo Antônio e São José, elaboram um importante panorama sobre a construção, divisão e constituição das moradias.
Um importante exemplo é a reportagem produzida pelo jornal O Fluminense, que relata que Jaudenes Carvalho Batista, presidente do maior sindicato do norte fluminense, o Sindicato dos Trabalhadores na Indústria do Açúcar de Campos (Stiac), propôs no período um projeto de habitação a ser apresentado aos poderes Legislativo e Executivo. Articulado com o Sindicato dos Usineiros, conseguiu a promessa de doação de um pedaço de terras para construção de uma vila rural, sem especificação de onde seria realizada a construção.
Figura 1 – Trabalhadores do açúcar querem casas populares
Fonte: O Fluminense, 1980.
Essa reportagem demonstra as importantes influências políticas do Stiac com o ministro do Trabalho, cujo projeto foi a ele diretamente apresentado. Batista também exerceu sua influência com o ministro da Previdência Social, solicitando postos médicos em Quissamã, Santo Eduardo e Baixa Grande, locais distantes do centro de Campos, onde geralmente os trabalhadores eram atendidos. Uma das razões da proposta era permitir moradia gratuita na região, cujo desconto legalizado por lei – apesar de específico para algumas usinas daquele território– foi uma importante pauta do movimento sindical. Batista denunciou através da reportagem a existência de cobrança na Usina Quissamã, relatando: “Naquela usina, os trabalhadores são obrigados a pagar Cr$ 475,00 de aluguel de casa, enquanto em qualquer outra usina os empregados não pagam nada”[5] .
Consideramos, por outro lado, os interesses da classe patronal em amenizar as situações de reivindicação por melhores moradias com promessas sem especificações ou prazos a serem realizados. Para os usineiros, em momento de redemocratização e de conflitos ao longo do país, poderia ser interessante criar uma máscara de preocupação com as condições dos trabalhadores. Scott (2000) aponta para a discrepância entre o discurso público utilizado pelos dominantes para o exercício do poder e o discurso oculto, no qual revelam suas reais intenções.
Entonces, también para los poderosos existe en general una discrepancia entre el discurso público que se usa en el abierto ejercicio del poder y el discurso oculto que se expresa sin correr riesgos sólo fuera de escena. Este último, como su equivalente entre los subordinados, es secundario: está formado por esos gestos y palabras que modifican, contradicen o confirman lo que aparece en el discurso público (p. 34).
O acesso à habitação gratuita estava inserido no conjunto das tradições entre os trabalhadores campistas e os usineiros, como forma de compensação dos baixos salários que impossibilitariam o pagamento de aluguel de casas fora das usinas, além de favorecerem a vigilância e a dominação sobre o tempo livre. Os trabalhadores, dadas as condições de salário, não teriam como se empregar para o corte da cana se pagassem aluguel das casas e todos os gastos extras (luz, IPTU, água, gás), considerando o salário mínimo nacional vigente em novembro de 1979, que era de Cr$ 2.932,80.
Ribeiro (1987, p. 160) aponta que o salário dos trabalhadores permanentes não especializados – categoria que abrange os canavieiros –, era de Cr$ 2.368,89, portanto, valor abaixo do mínimo oficial. Já o salário oficial dos industriários era de Cr$ 4.424,68 (ou seja, quase o dobro do salário dos rurais), possibilitando moradia nas cidades e nos bairros próximos. A situação dos rurais era agravada pelo pagamento por meio de crédito no barracão, prática ilegal comum nas usinas da região e encontradas, também, no Nordeste e em São Paulo.
O barracão é uma espécie de armazém, existente dentro das usinas ou das fazendas particulares, onde vendem-se gêneros alimentícios com valores superiores aos da cidade. É ainda, o local onde as relações de vínculo do trabalhador com o usineiro são perpetuadas por meio da dívida, o que ocorre em diversos tipos de cultura, como o café, laranja e até mesmo seringais[6], em diversas regiões do país. O barraqueiro é a figura responsável pela dedução dos gastos feitos no salário final do trabalhador, constantemente endividado em virtude do desequilíbrio entre o seu salário e o preço dos gêneros comprados. Sigaud (1978, p. 39) aponta que na Zona da Mata de Pernambuco, em momentos de crise, os usineiros suspendiam a remuneração em dinheiro e pagavam em vales descontáveis apenas nos barracões, privando o trabalhador do salário.
Em Campos, importante reflexão sobre o barracão é percebida no livro de memórias de Antônio Carlos Pereira Pinto, intitulado “Quem quebrou a casa de meu pai?”. Pinto era filho do ex-usineiro Jorge Renato Pereira Pinto, antigo proprietário das Usinas Santa Maria e Santa Isabel, localizadas em Bom Jesus do Itabapoana, município fronteiriço ao Espírito Santo. Ao relatar a estrutura dos engenhos que abrigavam cerca de 8 mil trabalhadores, Pinto (2004) revela que o “armazém” era responsável pelo abastecimento dos moradores, com produtos oriundos das propriedades, destacando com saudosismo a presença de pequenas indústrias de laticínios, torrefação de café e uma “imensa granja com frangos, suinocultura, criação de coelhos, faisões e vacas leiteiras” (PINTO, 2004, p. 15).
Em passagem posterior, destaca: “Ninguém comprava com dinheiro. A moeda era um vale que, conforme o valor, adquiria a mercadoria correspondente ao que estava escrito. Era como se o engenho tivesse sua própria política econômica” (PINTO, 2004, p. 35). Sua visão, fruto de uma posição de classe e cujas heranças de um passado romantizado – e inexistente –serviram para legitimar a memória e a fortuna construída por seu pai, considerava a ausência do pagamento em dinheiro como uma lógica econômica alternativa, mascarando os altos preços, a subordinação diante do barraqueiro e a impossibilidade de escolha.
O pagamento em crédito, feito por meio de vales, retorna às pautas dos movimentos mesmo após as greves da primeira metade da década de 1980, evidenciando a perpetuação desta forma de dominação. Em outubro de 1989, é noticiado o atraso do pagamento de dois meses de salário dos 1500 trabalhadores da Usina Santa Maria, a essa altura de propriedade de Clóvis Costa Ferro Filho. Segundo a reportagem:
(...) os trabalhadores estão desde agosto sem pagamento e agora a situação se agravou, porque o armazém que era mantido pela usina para trocar mercadorias por salários já não tem mais nenhum gênero alimentício. A farmácia está sem remédios.
A notícia, no entanto, traz a fala de Jaudenes Carvalho, presidente do Sindicato dos Trabalhadores na Indústria do Açúcar de Campos (Stiac), que historicamente esteve associado às lutas dos industriários, e não considera nenhuma posição sobre o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Campos (STRC), representante dos trabalhadores da lavoura canavieira desde outubro de 1938, incluindo os moradores de usina, sendo a entidade mais ativa da categoria.
Em conformidade ao que fora dito, o valor recebido não correspondia ao trabalho executado, e somado aos altos preços praticados no barracão, asfixiavam as condições de reprodução dos trabalhadores. Para manter o nível de subsistência e a compra de roupas, remédios e ferramentas de trabalho, a plantação e a comercialização de excedentes eram a única alternativa. No entanto, o direito ao acesso a terra não era generalizado, e refletia lógicas próprias que foram exploradas neste artigo, e que são mostradas mais à frente.
Ao examinar o processo de assentamento da Usina Novo Horizonte, Neves (2004) indicou a desigualdade do acesso às roças de beira de casa, um direito garantido apenas aos administradores, encarregados, chefes de turma e aos trabalhadores de maior confiança do usineiro – cujas atitudes demonstram fidelidade e obediência –, além daqueles habitantes das regiões mais afastadas, próximas dos morros e das grotas, o que dificulta o plantio, mesmo com a existência da terra. O acesso à moradia, em pequenos lotes de terras produtivas para o roçado, proporcionava aos trabalhadores uma melhoria nas condições de vida, cuja colheita representava a possibilidade de investimento de parte do salário em outras necessidades. De acordo com Garcia Júnior, Heredia e Garcia (2018), o “roçado designa a parcela de terra concebida tradicionalmente pelo senhor de engenho ou usineiro ao morador que ali cultiva produtos denominados de subsistência”, e se distingue do sítio, para além do tamanho da parcela concedida “(...) pela possibilidade de ter cultivos de ciclo longo, principalmente árvores frutíferas, possibilidade esta que demonstra uma ligação mais duradoura com o proprietário” (GARCIA JUNIOR; HEREDIA; GARCIA, 2018, p. 268).
A importância da terra na percepção dos trabalhadores foi exposta por Sigaud (1978) ao apresentar em seu estudo as reflexões sobre os discursos do trabalhador da Zona da Mata Pernambucana entre 1969 e 1970. Para os sujeitos de sua pesquisa, o trabalho no roçado era o único que o morador reconhecia como trabalho propriamente dito, em que o sítio ou roçado constituía a mais importante atividade no conjunto das atividades subsidiárias.
O sítio ou o roçado é, dentro do conjunto de atividades subsidiárias, a mais importante para a maioria dos trabalhadores, não apenas no nível ideológico. Isso talvez se explique por ser a atividade que ele pode exercer mais imediatamente e garantir a sua sobrevivência dentro mesmo do engenho, e também porque exercendo esta atividade ele se vê trabalhando para ele, sem intervenção do patrão e se apropriando totalmente do fruto de seu trabalho. O morador sempre passa a imagem de que se não tiver dinheiro para comprar alimentos, pode se arranjar nos fundos da casa, no roçado. É a sua alternativa à fome… (SIGAUD, 1978, p. 75).
A importância da terra, do ponto de vista da subsistência e consumo/venda do excedente dos insumos plantados, para os trabalhadores campistas, é expressa em entrevista realizada pelo Jornal do Brasil quando o Papa João Paulo II visitou o país, em 1980. O grupo de canavieiros presentes na Usina São José no momento da reportagem, quando questionados sobre quais reivindicações fariam ao papa, caso fosse possível, ressaltaram a premência de combater o alto custo de vida e a possibilidade de manter roças de subsistência em volta das casas onde moram, dentro das usinas. Sobre a proibição da produção de alimentos como feijão, verduras, batatas, além de animais como porcos e galinha, por parte dos proprietários de terra e plantadores de cana, o canavieiro Telson Gomes, de 32 anos, casado e pai de quatro filhos, relata:
Basta que os usineiros e os fornecedores de cana, proprietários da terra, voltem a dar à gente o direito de plantar o nosso feijão, a nossa verdura, a nossa batata e criar os nossos porcos e galinhas, para que tudo volte ao normal. Se o papa viesse aqui, olhasse tudo e conversasse um pouco com o pessoal, temos a certeza de que tudo estaria resolvido[7].
Destacamos a fala do canavieiro sobre o “direito de plantar” para que “tudo volte ao normal”. O direito à roça, conforme já discutido, era parte constitutiva da própria identidade do morador, e quando essas regras eram quebradas, não só os canavieiros perdiam sua individualidade perante as outras formas de associação de trabalho, como sentiam violados os direitos historicamente instituídos. “Ter uma terra para plantar faz parte da condição de morador como ele a representa. Morar num engenho significa também ter um pedaço de terra para plantar...” (SIGAUD, 1978, p. 77) O direito à roça garantia a independência alimentar, reforçando as bases do contrato entre patrão e empregados, ao mesmo tempo que os inseria em posição de mais autonomia e, como disse Telso Gomes, auxiliava “para que tudo volte ao normal”.
O depoimento do trabalhador-morador campista apresenta conexões e ideologias semelhantes às da entrevista colhida por Sigaud (1978) com um morador da Zona da Mata de Pernambuco, na qual o entrevistado expressa que:
[Trabalhando na roça] ele pode se desligar do patrão e trabalhar na lavoura. Porque aí, vai plantar de tudo para ele. Aí ele não vai mais chorar miséria. Não vai mais chorar de fome. Que ele está plantando para ele. Ele não vai dar mais lucro a ninguém. O lucro é dele, não é isso? Não é nós, que nem eu mesmo, que trabalha lá no engenho (SIGAUD, 1978, p. 76).
Esse trabalho, realizado para que o “trabalhador não chore mais miséria”, era executado após a rotina dos canaviais, contando com auxílio da esposa e dos filhos, gerando uma sobrecarga de trabalho e diminuindo o tempo de descanso. Em determinadas situações, poderia ocorrer ainda a obrigatoriedade de ceder meia, terça ou até quarta parte da produção para a alimentação do usineiro ou do gerente-geral da propriedade. A venda do excedente, caso houvesse, possibilitava a compra de roupas, medicamentos e móveis, cujos preços nas usinas eram altos demais para o salário recebido, conforme o esboçado anteriormente.
Dentre as estratégias de dominação empregadas para impedir a produção familiar para subsistência, estava a criação de porcos soltos dos usineiros e administradores – causando a destruição da horta e do galinheiro –, a expansão do cultivo de cana e o aluguel das áreas próximas às casas para pastagem. Ademais, “com a prática de queima do canavial, a família do trabalhador se colocava em situação de risco nessas ocasiões e a esposa não conseguia manter o padrão de limpeza da casa, porque tomada durante vários dias por fuligens” (NEVES, 1997, p. 326).
A situação é semelhante, também, para os trabalhadores das fazendas dos plantadores de cana. Nas fazendas, os postos e os pedaços de terra eram conquistados pela prestação de serviço e obediência aos proprietários e administradores, cujo poder de controle da produção da fazenda os permitia negociar com os trabalhadores a divisão da produção. Os moradores de fazenda dos plantadores de cana podiam trabalhar como assalariados, parceiros, meeiros, colonos, entre outros. O mais comum eram os regimes de trabalho assalariado com possibilidade de obter áreas para plantação, podendo ser divididas com os proprietários ou exclusiva do lavrador. Ao entrevistar antigos funcionários das fazendas pertencentes à Usina Novo Horizonte, Neves (2004) demonstra como o acesso a esse direito não era comum a todos, e a própria percepção acerca do caráter do patrão, “bom ou mau”, perpassa a permissão da manutenção de um roçado.
Por isso mesmo, o bom patrão era o que sabia manter aspectos ou elementos valorizados dos dois sistemas de relações, sem contaminá-los ou compreender os novos significados atribuídos. Respeitava os direitos trabalhistas e propiciava alternativas de acesso à terra para plantio, sem compensações e numa assiduidade que assegurava ao trabalhador a certeza de que podia contar com recursos indiretos para sua reprodução e melhoria das condições de vida. Não transformava essas concessões em troca de favores que lhe assegurassem a apropriação de trabalho não pago (NEVES, 1997, p. 326).
A lógica inversa da avaliação do “bom funcionário” para o “mau”, relacionada ao trabalho por produção (GUANAIS, 2018), não ocorria somente na atividade canavieira, mas também no setor extrativista. Esteves (2008), ao estudar os seringueiros da Reserva Extrativista Chico Mendes, citada em nota anteriormente, revela o mecanismo de avaliação do desempenho capaz de categorizar o trabalhador, garantindo-o emprego ou tornando-o mão de obra dispensável. De acordo com a autora:
Para calcular a produção, o fiscal/noteiro confrontava a quantidade de leite colhido (pelo número de estradas) com o total de dias trabalhados e de pelas de borracha (produção realizada). Da mesma forma, avaliava o desempenho do seringueiro e a qualidade do produto: a maior proporção de borracha fina, classificada como “de primeira”, permitia o reconhecimento do “bom seringueiro” pelo patrão. Se o contrário ocorria, ele era desclassificado pelo patrão como “mau seringueiro”. Era o caso do trabalhador acusado de colocar “impurezas” na borracha; vender para marreteiros; esconder o produto, esperando aumento de preço (ESTEVES, 2008, p. 97).
Por fim, ponderamos algumas características pertencentes à condição de trabalhador-morador, como a cessão das casas sem o pagamento de aluguel e, principalmente, o roçado. Nos momentos em que as regras desses costumes eram desafiadas, existia a possibilidade de revolta, greves e boicote por parte dos trabalhadores. As múltiplas relações de moradia em Campos, conforme demonstrado, compartilham características com Pernambuco, mas não é incomum em outros estados. Dessa forma, partimos agora para as análises dos contratos de trabalho, regularizados pelo Estatuto da Lavoura Canavieira, demonstrando como a lei, apesar de existente, não correspondia à realidade da maioria dos trabalhadores.
Contratos de trabalho e dominação
As distintas modalidades de contratos de trabalho estão inseridas em contextos de disputas por direitos básicos não estendidos a todos. Os direitos trabalhistas inscritos na legislação, com o objetivo de fornecer dignidade ao cidadão, não são cumpridos pela classe patronal, cujas percepções e visões de mundo sobre trabalho e jurisprudência são discordantes de algumas determinações jurídicas.
A compreensão sobre a legislação, por parte dos usineiros, é ignorada não apenas pela dissensão quanto às regras impostas pelo Estado para regulação do contrato de trabalho, pagamento de impostos, entre outros, mas também pela desconsideração dos trabalhadores como seres dignos de tal atenção. Frequentemente são animalizados pelos patrões e considerados sem vontade própria, domesticados. Essas reflexões dialogam com as análises elaboradas por Bruno (2019).
Portanto, ao considerar as categorias dos contratos presentes em Campos, torna-se indispensável ponderar a existência de práticas conservadoras da classe patronal, cujos direitos são baseados na legitimação da sua superioridade, na justificação do mando e na inferiorização dos demais. Uma das estratégias utilizadas pelos patrões e seus funcionários para o exercício do poder é a humilhação, conforme estudo de Bruno (2019)[8].
Nessa relação, a classe patronal exige a lealdade dos trabalhadores, coloca seus poderes acima da lei, age na lógica da punição e da proteção e, como aponta a autora, “quando consideram necessário, recorrem à violência física e acionam a justiça privada de suas milícias armadas, para cercear o direito de ir e de vir dos trabalhadores rurais e fazer valer seus propósitos” (BRUNO, 2019, p. 153). Esses vínculos assemelham-se ao que fora debatido anteriormente acerca dos benefícios concedidos aos trabalhadores cuja lealdade fora testada.
Em Campos, o discurso acerca da preguiça e da baixa produtividade, proferido pela classe patronal acerca dos trabalhadores “fichados”, assemelhava-se ao presenciado por Sigaud (1978) na relação com os moradores dos engenhos, considerados preguiçosos, desleixados, em oposição àqueles que trabalham por produção com os empreiteiros. Nas usinas campistas, o modelo de contratação privilegiado pelos patrões – inclusive com melhores remunerações –, também favorecia os trabalhadores ilegais ou safristas, cuja exploração da mão de obra e a cobrança por produtividade são maiores[9].
Quais os contratos de trabalho empregados, definidos pelos usineiros, são estratégias de manipulação capazes de negar ao trabalhador o seu reconhecimento formal perante o Estado, privando-o também do direito à aposentadoria, a férias remuneradas, ao 13o salário e à assistência médica. Os trabalhadores ilegais têm sua trajetória e cidadania invisibilizadas e nenhum direito garantido em momentos de necessidade ou aposentadoria, já que não possuem carteira assinada ou documentação comprovando o exercício da profissão.
No período analisado, havia nas usinas diversas categorias de trabalhadores com salários e condições específicas de trabalho, mas que compartilhavam lutas por direitos e condições mínimas. A fim de dialogar sobre as múltiplas relações de exploração e poder presentes, foi necessário distinguir esses grupos, considerando a existência do Estatuto do Trabalhador Rural, regularizado pela Lei no 4.214 de 2 de março de 1963, responsável pela organização do trabalho rural, com o objetivo de estipular as formas de contratação, as remunerações, homologações, servindo também como mecanismo de orientação aos sindicatos em suas lutas.
Os trabalhadores canavieiros, conforme analisado, residiam nas áreas internas das usinas, nas fazendas de fornecimento de cana ou em áreas urbanas próximas, cujos contratos de trabalho são distintos. Dentre as formas de contratos presentes na região, destacam-se: os trabalhadores efetivos (“fichados”); de contrato direto (“contratados”); de contrato cortado; de safra (safristas); clandestinos (“trabalham pela firma”) e diaristas.
O período da safra da cana era o momento em que havia o maior número de contratação, haja vista a necessidade da intensificação da mão de obra para evitar a perda da produção e cumprir os prazos propostos pelo Instituto do Açúcar e do Álcool. Naquela ocasião, novos funcionários trabalhavam em conjunto com os antigos, apesar de seus acessos a direitos serem díspares. Nas usinas, os trabalhadores conhecidos como “fichados”, ou seja, os efetivos, possuíam contratos mediados pela CLT e, em caso de demissão, recebiam às verbas rescisórias como 13o e férias. Eram, portanto, o grupo de trabalhadores, teoricamente, mais protegidos pela legislação trabalhista por constituírem vínculo permanente com a usina, compondo a minoria.
A categoria cujo acesso às verbas rescisórias negava-se, mas em contrapartida permitida a liberação do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), eram os trabalhadores “contratados”/contrato direto. A nomenclatura era associada à ausência de intermediadores no processo de contratação, em oposição aos trabalhadores agenciados por empreiteiros, conforme debateremos posteriormente. O trabalhador era contratado por tempo indeterminado e, de acordo com Neves (1989), costumavam ser antigos clandestinos que puderam ser reconhecidos em 1962 com o enquadramento sindical. Os patrões, por sua vez, incentivavam a rescisão destes trabalhadores em momentos de dificuldades financeiras ou familiares, para obterem acesso ao FGTS, com garantia de recontratação posterior, evidentemente, em novos modelos de contratação.
Ambas as categorias – efetivos e contratados – tinham como convergência o recebimento do salário profissional (ou salário do sindicato), após um ano de contrato ininterrupto, maior do que os demais e conquistado mediante acordos entre os Sindicatos dos Usineiros e os Sindicatos dos Trabalhadores. Segundo a autora: “o acesso gradativo a este salário se inicia a partir do 6o mês, através do acréscimo mensal de 1/6 da diferença entre o salário mínimo (salário do governo) e o da categoria (salário do sindicato)” (NEVES, 1989, p. 21. Grifos da autora).
Ademais, os trabalhadores efetivos, em razão da sua lealdade à usina e das boas relações, costumavam ocupar cargos intermediários e eram considerados, quanto à forma de pagamento, diaristas ou mensalistas. Os trabalhadores contratados também poderiam vir a desempenhar funções como administrador, encarregado, apontador, vigia do barracão de máquinas, auxiliar de administração, entre outros. Ambas as categorias, por sua vez, não possuíam remunerações baseadas em produção[10].
Além dessas categorias, estavam presentes no período de 1980 à 1989 os trabalhadores de contrato cortado, que recebiam o salário mínimo regional, tinham carteiras assinadas, mas o contrato era suspenso após cinco ou seis meses, obtendo acesso ao recolhimento do FGTS e sendo posteriormente recontratados. A estratégia utilizada pela usina objetivava o não pagamento das verbas rescisórias dos contratos superiores a 12 meses. Os trabalhadores de contrato cortado ganhavam por base na produção, definida pelo peso ou metro. “Quem trabalha só no ‘contrato’ (temporário), marca tarefa ‘pra fazer força e render o máximo nas 8 horas’, porque ganha a peso ou metro (no corte de cana), isto é, ganha pela produção realizada” (RIBEIRO, 1987, p. 183).
Neves (1989) aponta que os trabalhadores de contrato cortado tinham relações familiares com os efetivos ou de contrato direto, podendo ser filhos ou netos daqueles trabalhadores que ao longo dos anos internalizaram as regras da dominação, e pelo fato de não “tocarem questão”, ou seja, processar os usineiros, garantiam o emprego. Ao serem demitidos, recebiam proporcionalmente as férias e o décimo terceiro, e a rescisão, situação que ocorria costumeiramente nos meses de janeiro e fevereiro, coincidia com a colheita dos gêneros alimentícios das fazendas, garantindo uma renda familiar superior enquanto não eram chamados novamente.
Além dessas categorias, estavam presentes na década de 1980 os trabalhadores conhecidos como trabalhadores “de safra”. Com curto período médio de permanência na empresa, eram impedidos de alcançar o salário profissional e, consequentemente, tornavam-se mão de obra mais barata. Seu pagamento, no entanto, dependia da produção, forma de trabalho com maior intensidade. A lei impedia, ainda, que tivessem acesso à homologação da rescisão do contrato no sindicato, o que poderia facilitar o cálculo indevido pelas usinas. Eram peculiares por serem recrutados em outras regiões do país, geralmente quando os trabalhadores locais não aceitavam as condições impostas pelos patrões, como o preço da tonelada da cana, o número de horas trabalhadas ou a exploração e a humilhação sofridas.
Os trabalhadores safristas costumavam ser recrutados no Norte e Nordeste pelos empreiteiros, mas também existem indícios de trabalhadores mineiros, geralmente em locais onde as condições climáticas e empregatícias dificultavam sua inserção no mercado local. Desta forma, como alternativa ao desemprego e para manutenção da reprodução familiar, migravam durante o período da safra, visando economizar e poupar para retornar ao seu local de origem com condições de adquirir terras, imóveis, bens de consumo, entre outros. Os empregadores, por sua vez, por não pagarem os direitos trabalhistas completos acabavam por remunerar melhor estes trabalhadores, inclusive como uma das estratégias para criar desunião entre os canavieiros.
Quanto aos temporários, em função das operações ou fases do ciclo de produção, o recrutamento de mão de obra varia em intensidade representando no conjunto das usinas, um acréscimo de 13% sobre a mão-de-obra permanente para o plantio e o salário médio por mês chegava a Cr$ 2.928,00, algo bem próximo do mínimo para a região, mas por ser média ainda revela a existência de uma remuneração real abaixo do que estipulado em lei. Para os tratos culturais o acréscimo 6 da ordem de 26% ocupando o contingente recrutado durante 6 meses e representando para os trabalhadores, na média das usinas, um salário na ordem de Cr$ 2.607,60 por mês. Mas é na fase da colheita, entretanto, quando se verifica o pico de safra, que o recrutamento de mão de obra temporária atinge níveis impressionantes. Para a safra 78/79 houve um crescimento da ordem de 87% da mão-de-obra ocupada, com uma remuneração que na época chegava a uma média de Cr$ 115,34/dia ou Cr$ 3.460,20/mês (RIBEIRO, 1987, p. 161).
O problema dos trabalhadores de safra estava além da falta de direitos trabalhistas no momento de rescisão. Havia um processo de empobrecimento e êxodo destes no período de desemprego, afetando, inclusive, mulheres chefes de família. A migração temporária para os trabalhadores, de acordo com Silva (2008),
aparece como uma estratégia, como uma solução material em um duplo sentido: por um lado, o “assalariamento” permite a compra de alimentos, garantindo, assim, um patamar mínimo de sobrevivência; por outro, a saída da terra corresponde à volta, já que o trabalho assalariado é temporário (SILVA, 2008, p. 73).
Para os trabalhadores safristas que moravam na região, a situação de miséria não era diferente. Em reportagem produzida pelo Jornal do Brasil, em 1982, a história de Estefânia Maria da Penha surge como um apontamento da dimensão da penúria nestes intervalos. Importa ressaltar o salário mínimo vigente na data da publicação da matéria, em fevereiro de 1982, de acordo com o Decreto no 86.514 (1981), de Cr$ 11.928,00.
Figura 2 – Estefânia decidiu ‘ir à luta’
Fonte: Jornal do Brasil, 1982.
Figura 3 – Uma vida cara e sem esperanças
Fonte: Jornal do Brasil, 1982.
Com 23 anos, mãe de três filhos, e descrita como “cabocla”, Estefânia Maria da Penha trabalhava durante os cinco meses da safra ganhando Cr$ 200 por dia e, nos outros sete meses do ano, trabalhava lavando roupas e cobrando Cr$ 100 a trouxa, além de se prostituir, ganhando em média Cr$ 2 mil por noite. Abandonada pelo marido após descobrir que ele também vivia com a irmã dela, retornou ao canavial pela necessidade de criar seus filhos, possuindo uma trajetória familiar ligada à Usina Sapucaia, onde seu pai, Agnaldo Carvalho da Penha, havia trabalhado. O depoimento da trabalhadora revela uma situação coletiva:
Aqui em Campos uma empregada doméstica só consegue ganhar Cr$ 3 mil por mês, no máximo Cr$ 4 mil. E ninguém quer uma mulher com três filhos. Lavando roupa ganho Cr$ 400 por mês, na base de Cr$ 100 a trouxa. E quando soube que as meninas lá da Churrascaria Dominique (eufemismo muito utilizado no interior fluminense para encobrir as casas de prostituição) estavam arranjando até Cr$ 60 mil por mês, resolvi experimentar. Entre passar fome com minhas crianças e me virar e decidir ir à luta – diz com desembaraço[11].
A prostituição aparece, no caso de Penha, como única alternativa possível diante dos baixos salários de outras ocupações, somada ao fato de possuir três filhos que, de acordo com sua fala, é um critério de eliminação nos momentos de contratação. A transcrição de sua entrevista revela a complexidade dos jogos sociais e das estratégias de poder, além de mostrar como as pressões sociais operavam não só sobre sua vida privada, mas também determinavam as possibilidades de inserção no mercado de trabalho.
Interessa mencionar o recorte de gênero nas relações dos trabalhadores canavieiros, poucas vezes mencionados na região açucareira de Campos. As mulheres, empregadas costumeiramente como mão de obra clandestina, com salários inferiores ao recebido pelos homens – mesmo que também ilegais –, possuíam jornadas de trabalho ainda mais extensas, dadas as imposições do cuidado da casa e dos filhos. Suas rotinas, por vezes, tinham início de madrugada com a preparação das “marmitas” a serem levadas para o almoço, reduzindo seu horário de descanso, além de outras múltiplas tarefas.
A participação feminina nos sindicatos, nas lutas políticas e na execução do trabalho aparece, no entanto, em outras produções como a de Silva (2004), Xavier e Chadud (2010), Saffioti e Ferrante (1986). Não só o recorte de gênero, mas o de raça/etnia é demonstrado por Silva (2004), em que a autora traz a história de vida e das dores de uma trabalhadora boia-fria de nome Cida, cuja opressão pelo gênero e pela cor da sua pele condicionou as humilhações sofridas pela família, pelos parceiros e no ambiente de trabalho. Ponderamos a ausência de estudos que relacionem a questão racial aos trabalhadores boias-frias, por isso, achamos importante mencionar esse episódio como possibilidade para novas abordagens.
Já os homens, como alternativa ao desemprego no período entressafra, costumavam recorrer ao setor da construção civil, incrementado durante o período da ditadura civil-militar, que provocou a expansão das olarias em Campos. Em pior situação se encontravam os trabalhadores clandestinos, contratados pelos aliciadores de mão de obra, cujas empreiteiras eram conhecidas como “firma”. O trabalhador contratado pela empreiteira, em teoria, possuía sua carteira assinada pela “firma”, prestando serviços nas fazendas da usina ou plantadores. Deste modo, a responsabilidade legal e tributária não recaía sobre o patrão, mas sobre o empreiteiro.
O “empreiteiro” em geral, é agente da firma, mas consegue o contratado na usina. É o que arregimenta trabalhadores e leva as turmas para o trabalho (um ônibus ou caminhão leva geralmente duas turmas ligadas à um “empreiteiro”). Pode ser o motorista ou não do veículo; toma conta das turmas e do dinheiro; ganha um percentual sobre a produção diária (“empreitada”) e/ou sobre a produção individual de cada trabalhador, além do salário da usina (RIBEIRO, 1987, p. 188).
As famílias dos trabalhadores submetidos à informalidade perdiam o direito do acesso à casa nas terras dos patrões em caso de falecimento, já que o acordo era estabelecido com o chefe da família. Como exemplo dessa situação, demonstramos o caso noticiado pelo jornal O Fluminense, em maio de 1980. Na ocasião, o canavieiro José Ribeiro (53 anos), pai de três filhos (13, 10 e 4 anos), funcionário do empreiteiro Walter Nunes Macedo, proprietário da empresa prestadora de serviços à Usina São José, faleceu por inanição (fome). A reportagem denuncia a forma como os empreiteiros enriqueciam e o tratamento dado aos trabalhadores[12].
Figura 4 – ‘Boia-fria’ morre de fome na Usina S. José
Fonte: O Fluminense, 1980.
O salário de José Ribeiro, que trabalhava em conjunto com a sua companheira Anita Conceição, e da sua filha mais velha, Regina (13 anos), era de Cr$ 70,00 diários. As mulheres, por sua vez, recebiam metade do valor diário, Cr$ 35,00, e, como as crianças, não eram registradas[13]. Considerando o salário mínimo vigente na época, de Cr$ 4.149,60, mesmo trabalhando durante os 30 dias do mês, sem nenhum descanso, o valor recebido pelo trabalhador atinge pouco mais da metade do salário mínimo.
As usinas pagavam aos empreiteiros Cr$ 150,00/dia por cada homem empregado, e eles, por sua vez, embolsavam a diferença do salário oferecido. Se considerarmos – excetuando-se descontos de outras ordens – uma turma com 50 trabalhadores homens, o empreiteiro por dia lucrava, com a expropriação do salário do trabalhador, Cr$ 4.000. E levando em conta um mês com 25 dias úteis, lucrava Cr$ 100.000, aproximadamente, com este trabalho.
Após quatro dias sem alimentação adequada, o canavieiro faleceu. As refeições, de acordo com a reportagem, consistia em chupar canas nos momentos de desatenção do encarregado de turma. Os encarregados “são o elo entre os proprietários e os trabalhadores. Supervisionam todas as atividades relacionadas ao corte de cana” (MENEZES; COVER, 2012, p. 94). Segundo Silva (1999), eles – além dos fiscais e feitores – eram responsáveis pelo controle da disciplina no ato do trabalho e controlavam a produção do corte mediante estratégias de coerção e ameaças.
A morte do trabalhador, por sua vez, revela o nível de violência e submissão aos quais os trabalhadores clandestinos eram submetidos. O capataz do empreiteiro tentou esconder a causa da morte, e supostamente disse para os trabalhadores: “se alguém disser que ele morreu aqui na lavoura vai ser haver comigo”. Dada as condições de violência e repressão na região, essa atitude não foge à regra.
A morte do canavieiro ainda demonstra a ausência de amparos legais à sua família, uma vez que o encarregado da usina solicitou a casa onde a família residia logo após a morte de José Ribeiro, alegando que: “Se ele morreu, não temos nada com isso. Seu pessoal tem de devolver a casa”, expondo o desprezo ao trabalhador como um traço da classe patronal rural[14].
Em termos hierárquicos do quadro geral de funcionários da agroindústria canavieira, o encarregado da usina, também chamado como “gerente geral”, ou apenas “geral”, ocupa um cargo de confiança do usineiro, e está associado à figura de mando, reproduzindo estratégias para amedrontar os trabalhadores, com o intuito de manter o serviço em ordem. Ele percorre os canaviais de carro e com armas, para atemorizar e pressionar a produtividade. Está sempre acompanhado de outros homens armados, também ligados à usina. Seu cargo também o torna responsável pela ordem do serviço, que significa a escolha dos canaviais a serem cortados e em quais áreas estão localizados, “dá o preço da capina e/ou corte e ‘marca a tarefa’ do dia em cada fazenda. A fazenda não sendo da usina, o ‘geral’ não vai lá. O administrador do fazendeiro é quem manda” (RIBEIRO, 1987, p. 186).
Significativa ponderação é realizada por Neves (1997) acerca dos administradores. Com a evolução do complexo agroindustrial, e a consequente modernização dos instrumentos relacionados à cultura da cana, os encarregados das fazendas ou os administradores precisaram acumular novas formas de conhecimento para atender às exigências de controle e produtividade dos usineiros. Com isso, aprenderam funções como as de conserto de máquinas, direção de tratores, noções básicas sobre eletricidade, funcionamento das bombas,
além do conhecimento sobre as condições técnicas da cultura de cana, de modo a supervisionar e controlar o desempenho dos demais trabalhadores. Em certos casos, precisavam ter noções de contabilidade, porque se encarregavam do pagamento de serviços, dos trabalhadores e das taxas e contribuições sociais (p. 319).
Retornando aos empreiteiros, responsáveis pelo aliciamento de mão de obra, como foi o caso de José Ribeiro, ponderamos sua presença mesmo após as conquistas das greves, em particular a de 1984, que garantiu a contratação direta de trabalhadores pela administração da usina. Em agosto de 1989, o empreiteiro Luiz Ricardo Acioli Tenório é preso pelo delegado José Roberto Vieira, titular da 111a Delegacia de Política de Campos, acusado de manter em condições de semiescravidão 174 trabalhadores alagoanos, na Fazenda Campelo, de propriedade da Usina São João. De acordo com o jornal O Globo, o acusado mantinha os 174 trabalhadores, distribuídos em sete casas, sem acesso à luz, água e banheiro, além de crianças de seis anos trabalhando sem direito à remuneração e/ou à alimentação adequada[15].
Figura 5 – Empreiteiro pagará retorno de boias-frias
Fonte: O Globo, 1989.
Figura 6 – Preso empreiteiro acusado de escravizar
Fonte: O Globo, 1989.
O empreiteiro, para se defender das acusações, alegou ao jornalista responsável pela reportagem o desejo dos trabalhadores de fugir da enchente em seu estado de origem. A argumentação de Luiz Tenório coincide com as práticas de aliciamento em regiões de calamidade pública, ausência de empregos, secas, entre outras dificuldades, responsabilizando, assim, os trabalhadores pelas suas condições, e isentando de culpa os responsáveis pelas situações análogas à escravidão.
Outro exemplo é registrado no mesmo ano, pelo jornal O Fluminense. O subsecretário do Trabalho do estado do Rio de Janeiro, à época, Antônio Carlos Batista da Costa, em blitz realizada na Usina Santa Maria, presenciou trabalhadores em condições degradantes, inclusive crianças, cujas remunerações eram de 10 cruzados novos por dia, e “cada criança ainda é obrigada a trazer o seu facão e pedra de amolar, o que é uma obrigação dos empregadores” (O FLUMINENSE, 1989). De acordo com a reportagem, o responsável pelo aliciamento desses trabalhadores era Joelmo (apelidado de “Meio Quilo”), proprietário da empresa Jamorra Serviços Agrícolas Ltda.[16]. Esse exemplo demonstra, mais uma vez, a presença ativa dos empreiteiros na região, apesar dos dissídios e das conquistas grevistas.
Figura 7 – Promotor investigará trabalho escravo
Fonte: O Fluminense, 1989.
Para se livrar de responsabilidades ou processos, as carteiras de trabalho eram retidas e, em casos de acidente de trabalho, tanto dos clandestinos das usinas quanto das empreiteiras, havia uma mobilização para que os responsáveis as assinassem, permitindo o acesso ao atendimento médico e, por consequência, evitando processos trabalhistas. As empreiteiras e seus mecanismos de dominação para operar na ilegalidade, no entanto, não são exclusivos da região norte-fluminense, e tornaram-se um modelo amplamente difundido a partir dos anos 1960.
Palmeira (2009) demonstra a existência de empreiteiras na Zona da Mata pernambucana, mas ressalta que durante os anos anteriores ao golpe não possuíam um formato generalizado e os trabalhadores eram empregados apenas nas épocas das safras. Dentre as estratégias utilizadas pela classe patronal, estava a “sugestão” da associação da mão de obra dos filhos adultos aos empreiteiros, cujos direitos trabalhistas não eram pagos, sob ameaça de expulsão da terra de toda a família. Nessas condições, a prática de manipulação obrigava o trabalhador a acatar a “sugestão” e se manter próximo à família ou ser expulso sem poder requerer indenização (PALMEIRA, 2009, p. 184).
Silva (1999) aponta para a existência desses agenciadores, também, na cultura da laranja e do café, em São Paulo, e a posição ambígua, conflituosa, a qual os trabalhadores eram submetidos. De acordo com a autora, os empreiteiros, por serem conhecidos dos trabalhadores – podendo em sua trajetória terem sido assalariados –, mantinham relações de sociabilidade, pois dependiam da confiança e da simpatia destes para arregimentarem mão de obra local, mas acumulavam o poder de dominação e controle, podendo ser odiados e vistos como inimigos dos trabalhadores.
Nesse embate, procura direcionar suas ações com finalidade de amortecer conflitos. Por isso, embora seja um agente da dominação, ele não é um mero executor de ordens, possuindo, muitas vezes, até mesmo a posição de classe dos trabalhadores. Continua, quase sempre, retirando seus ganhos da produção deles (SILVA, 1999, p. 120).
A comunicação entre os trabalhadores e o compartilhamento de suas experiências acerca do trabalho com os empreiteiros diminuíam a capacidade de captação desses agentes. Ao tomar conhecimento da ilegalidade dos empreiteiros e reconhecendo as estratégias empregadas por eles ao serem processados na Justiça do Trabalho, os canavieiros da região passavam a rejeitar as propostas de trabalho, preferindo a contratação direta com a usina. Sem arregimentação da mão de obra local, os empreiteiros encontravam como solução o aliciamento de trabalhadores em regiões com poucas alternativas, cujas condições de subsistência estavam prejudicadas em virtude da seca e da ausência de solos férteis, principalmente nos estados da região Nordeste, conforme mencionado anteriormente. Bruno (2019), ao refletir sobre os processos de aliciamento, pondera que o momento inicial do agenciamento é marcado por agradabilidade e promessas de oportunidades no trabalho. No entanto, ao chegarem nas fazendas, prevalece “o tempo das coações e das ameaças” (BRUNO, 2019, p. 153). De fato, esse é o percurso seguido pelos empreiteiros na região, cujos exemplos estampam as manchetes dos jornais.
A publicação no jornal O Fluminense, em julho de 1983, da reportagem intitulada “Trabalho escravo no Norte-RJ é denunciado” demonstra como operava uma das empreiteiras cujos trabalhadores eram oriundos de Alagoas, pertencente a Antônio Quirino, acusado de levar de Murici (Alagoas) a Campos 125 trabalhadores – mais suas mulheres e filhos –, para trabalharem na Usina Santa Cruz. Com promessas de salários de Cr$ 100 mil mensais, a reportagem mostra que a partir do início do trajeto os trabalhadores foram vítimas de humilhações constantes. A atitude relatada está em conformidade com a citação de Bruno (2019), mencionada anteriormente.
Figura 8 – Trabalho escravo no Norte-RJ é denunciado
Fonte: O Fluminense, 1983.
Durante o trajeto, o endividamento com a precária alimentação e transporte era contabilizado por Quirino. Ao chegarem no destino, relata O Fluminense, foram postos para dormir em um prédio chamado curral, para onde se levavam animais doentes.
A brutalidade dos empreiteiros após o início da viagem é destacada pela reportagem, alegando que um dos trabalhadores, de nome Severino Ramos, de 29 anos, quase foi morto a golpes de foice por Antônio Quirino ao reivindicar um tratamento mais justo. Os trabalhadores e suas famílias, de acordo com o jornal, desejavam retornar para o estado o mais rápido possível[17]. A situação destes trabalhadores impressionou até mesmo o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Campos e o Ministério do Trabalho, acostumados a lidar com essas denúncias.
As condições de trabalho e a brutalidade dos empreiteiros mobilizaram as mídias, cujas reportagens sobre o caso de Antônio Quirino e seu desfecho foram ativamente acompanhados. No entanto, salientamos, ao utilizar jornais como fonte de pesquisa, a necessidade de contextualizá-los e compreender seus posicionamentos no mercado editorial, visando lucros e credibilidade. A cobertura jornalística desses casos não significava, necessariamente, o apoio dos proprietários dos jornais aos movimentos dos trabalhadores. Entretanto, em razão do contexto de redemocratização, greve em diversos setores, disputa dos movimentos sociais no campo político, essas pautas não podiam ser ignoradas e deixadas de lado como notícia, porque afetariam sua credibilidade como fonte de informação[18].
O poder das empreiteiras é revelado também pelo O Fluminense, já no final da década de 1970, em editorial especial do Norte-Fluminense, cujo título “Distorções existentes no meio rural propiciam surgimento de ‘novos-ricos’” expõe o rápido enriquecimento deste grupo por meio da exploração da mão de obra e sobrecarga de trabalho. Ao tratar sobre quanto recebiam esses empreiteiros naquele período, o jornal relata:
Suponhamos que um empreiteiro transporte uma turma de 15 pessoas eficientes para cortar cana numa propriedade. Esta turma trabalha na base de 20 carretas de cana, de seis toneladas, diariamente. Em 1,5 tonelada, o fazendeiro paga ao empreiteiro Cr$ 45,00 no corte (Cr$ 90,00 pelo mesmo peso quando o empreiteiro entra com o carreto para transportar para a usina). Uma carreta de cana daria, portanto (na base de Cr$ 45,00 p/1,5 toneladas), Cr$ 180,00 para o empreiteiro (sem computar o carregamento para a usina). Vinte carretas seriam igual a Cr$ 3.600,00 por dia para o empreiteiro. Seu ganho líquido equivaleria a esta quantia menos o custo diário dos trabalhadores, que, a Cr$ 50,00 cada, equivaleria Cr$ 750,00. Portanto, Cr$ 3.600,00 menos Cr$ 750,00, é igual a Cr$ 2.850,00. Ou seja, o lucro líquido diário para o empreiteiro. Mas este cálculo foi feito “por baixo”. Sabe-se que a maioria dos empreiteiros chega a faturar até Cr$ 5 mil diariamente, pois os próprios caminhões cabem 60 “boias-frias” em pé, transportados como gado, sem as mínimas condições de segurança. Só no distrito de Tocos existem oito empreiteiras[19].
Em consonância com a preocupação expressa no início desse artigo de visibilizar o recorte de gênero nas relações de trabalho da lavoura canavieira campista, mostramos a trajetória de Tereza (sem sobrenome divulgado), trabalhadora de 18 anos da Usina Sapucaia, que aparece em reportagem do O Fluminense, demonstrando as dificuldades enfrentadas pelas mulheres, cujo pagamento diário, de Cr$ 20,00, era a metade do valor pago aos homens pela mesma tarefa.
O caminhão vem me buscar às quatro horas da manhã e fico na roça até as seis e meia da tarde. A empreiteira me paga CR$ 20,00 por dia. É o pior troço, a gente faz porque é obrigada. A empreiteira não dá comida, temos que levar na marmita. Os que não têm, a gente divide a comida com eles, mas muitos caem de fome durante o trabalho. Outros se machucam, mas ninguém paga, pois ninguém tem carteira assinada. Os homens ganham Cr$ 40,00. Às vezes trabalhamos com sede, pois tem lugar em que a gente bebe só duas latinhas por dia, porque a bomba é longe[20].
O relato de Tereza evidencia a trajetória da sua vida. Iniciou o corte da cana aos 9 anos, ganhando Cr$ 3,00 por dia. Casou-se aos 14 anos, teve o primeiro filho aos 15, perdeu o caçula para a pneumonia e, o outro, foi atendido quatro vezes no centro de reidratação do Posto de Urgência de Guarus. De acordo com os dados oficiais, o salário mínimo em 1977 era de Cr$ 1.106,40, e a cortadora, apesar de todo desgaste do trabalho, recebia menos de um salário mínimo exclusivamente por ser mulher.
Figura 9 – Distorções existentes no meio rural propiciam surgimento de ‘novos-ricos’
Fonte: O Fluminense, 1977.
Os trabalhadores diaristas, como Tereza havia sido, são contratados em período de entressafra ou para acelerar a produtividade na época da moagem. Este formato não era privilegiado pelos empreiteiros em virtude do pagamento por dia de trabalho ou tarefa e não por produção, considerando o descompromisso dos cortadores com a produtividade, taxados comumente de “moles”, “preguiçosos”. No entanto, a atitude dos trabalhadores diante do trabalho por diária consistia em reproduzir o ritmo normal do trabalho, de acordo com suas condições físicas. A superexploração de sua atividade não leva ao aumento do valor recebido nessa modalidade, portanto, não consideravam vantajoso o sobre-esforço.
As modalidades pressupõem, igualmente, a diferença de pagamentos por idade, principalmente entre jovens de 14 a 18 anos. “Definidos como aprendizes, embora alguns realizem o mesmo trabalho daqueles considerados adultos, recebem 50% do salário mínimo quando têm 14 a 16 anos e 75%, quando têm de 16 a 18 anos.” (NEVES, 1989, p. 35). Os jovens entre 14 e 16 anos eram contratados como diaristas ou horistas, e suas atividades eram limpeza da cana, irrigação, acompanhamento de motocanas – recolhendo as que caíram pelo caminho – e distribuição de água aos trabalhadores.
Deste modo, além das especificidades relacionadas aos direitos relativos a cada contrato de trabalho, as condições eram piores ou melhores, dependendo da categoria empregada. Os trabalhadores de contrato cortado, em função da lealdade ao usineiro e da submissão às rescisões sem ações na Justiça do Trabalho foram recompensados com os melhores canaviais, enquanto os trabalhadores safristas, em razão da sua condição, estiveram responsáveis pelo corte nas áreas com menor produtividade, mais deformações geomorfológicas, distantes, entre outras situações.
Considerações finais
Os estudos sobre as condições de vida e trabalho dos canavieiros campistas ainda possuem importantes lacunas a serem preenchidas. Nosso objetivo de discutir as formas de moradia e os contratos de trabalho, apesar de não abarcar todas as modalidades e especificidades inerentes à região, permitiu indicar como viviam e quais eram as condições relativas ao trabalho destes canavieiros. Revelamos, no entanto, que os meios de dominação exercidas pelos usineiros nem sempre eram aceitos de modo pacífico, pois os trabalhadores utilizam algumas vezes as ferramentas disponíveis para reivindicar melhores condições, seja através da Justiça ou de greves, conforme as que ocorreram em 1984, 1985, 1986 e 1989.
A dominação, por sua vez, também apresenta uma “forma da resistência camponesa cotidiana”, tal como define Scott (2012), em que uma série de atitudes tomadas individualmente, sem organização prévia, constituem-se formas de resistência às condições impostas. Deste modo, algumas estratégias conhecidas pelos usineiros como “enrolo”, “vadiagem”, “desleixo”, “abuso”, podem ser, na realidade, mecanismos de oposição e crítica às relações.
Ponderamos, portanto, que a resistência não ocorre apenas a partir de uma revolução. As lutas de classe surgem por meio de estratégias realizadas no dia a dia, sem que necessariamente haja um rompimento brusco com as regras e tradições – ou uma confrontação simbólica – de uma elite, tais como os saques, incêndios, “corpo mole”, as sabotagens. Essas formas de resistência, por sua vez, operam na esfera individual, sem necessariamente requerer uma organização, e sua eficiência é demonstrada justamente por essa composição (SCOTT, 2002). Um dos elementos dessas resistências são as lutas contra o pagamento dos aluguéis das residências, do imposto, o aumento dos preços dos gêneros alimentícios, presentes ao longo da década de 1980.
Os diferentes tipos de contratos, bem como as vantagens obtidas, por exemplo, ao ter direito a uma roça na beira de casa, são reconhecidos e legitimados e não imiscuem os sujeitos de compreenderem a exploração do pagamento por produção, da superlotação dos alojamentos e dos altos preços nos barracões. Deste modo, os trabalhadores canavieiros, mesmo em posições diferentes a de seus colegas de trabalho, resistem como podem e compreendem a necessidade da organização. Como comprovam as greves da década, independentemente dos benefícios garantidos pela legislação, a luta desses homens e mulheres estabelece fronteiras muito mais amplas e contrárias a todo o organismo e modos de dominação presentes nas fazendas e usinas campistas.
A questão da moradia, por sua vez, permanece central e está relacionada às situações de trabalho escravo. O importante trabalho realizado por Setúbal (2007), ao analisar a documentação referente aos processos da Delegacia Regional do Trabalho sobre os trabalhadores da agroindústria das usinas Santa Cruz e Cupim, entre 2003 e 2004, aponta para a perpetuação de péssimas condições. Alojamentos insalubres, a presença de empreiteiros, de trabalhadores informais, falta de infraestrutura sanitária e outras agressões ao trabalhador foram presenciadas pelos fiscais da DRT, ao visitar o alojamento de trabalhadores oriundos de Minas Gerais:
Área regulamentar de circulação entre as filas dos beliches; [...] não havia armários para os empregados; não havia ventilação suficiente, já que as janelas próximas ao teto não são abertas, permitindo apenas a entrada de luz, o que tornava o ambiente extremamente malcheiroso (SETUBAL, 2007, p. 201).
Além disso, a ausência de sanitários, de colchões, de camas, de ventilação, de espaços para refeição ou alimentação adequada, somada à presença de fossas entre os alojamentos, é elemento ainda presente em Campos, demonstrando que, apesar das mobilizações e das conquistas obtidas pelos movimentos grevistas, a estrutura latifundiária e superexploradora permanece. O pequeno exemplo citado anteriormente, por sua vez, serve para elencar como esses trabalhadores continuam sujeitos à exploração, à dominação e à animalização de seus corpos, constituindo a temática, ainda, um fértil campo para futuros estudos.
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Filipe Moreira de Azeredo Tavares Mestrando no Programa de Pós Graduação de Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (CPDA-UFRRJ), Rio de Janeiro, Brasil. Licenciado em História pela Universidade Federal Fluminense (UFF). E-mail: filipe.tavares3@live.com ID Lattes: http://lattes.cnpq.br/1233924232108798 ORCID: https://orcid.org/0000-0003-4943-5585 |
Revista IDeAS, Rio de Janeiro, volume 15, 1-33, e021015, jan./dez. 2021 • ISSN 1984-9834
[1]Mestrando no Programa de Pós Graduação de Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (CPDA-UFRRJ), Rio de Janeiro, Brasil. Licenciado em História pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Contato: filipe.tavares3@live.com
[2] Neves (1997) aponta para as relações ambíguas entre o Estado e os usineiros, afirmando que: “No debate com os representantes do Estado, os usineiros se orientavam por duas posturas: uma crítica, que envolvia a divergência quanto aos níveis de intervenção na economia, aos valores atribuídos aos preços do açúcar, ao volume de crédito concedido, às formas de apropriação da renda gerada no setor e às condições em que se dá o planejamento econômico. Outra reivindicativa, que pressupunha, contraditoriamente em relação à postura anterior, maior participação do Estado na concessão de créditos com juros subsidiados, de critérios particulares para pagamento dos empréstimos obtidos, de garantias de maior rentabilidade para o setor, ampliada pela oferta de recursos tecnológicos asseguradores do aumento da produtividade agrícola em especial. Reivindicavam ainda os usineiros dessa região um tratamento ora diferencial ora eqüitativo em relação aos produtores das diversas regiões açucareiras, especialmente dos estados do Nordeste e de São Paulo” (NEVES, 1997, p. 33-34).
[3] Como opção conceitual, chamaremos tanto os usineiros quanto os plantadores de cana como “patrão”, para facilitar a compreensão, partindo do pressuposto de que apesar de estarem inseridos em níveis diferentes do processo produtivo, e até mesmo em classes distintas, compartilham os costumes, as tradições e os mecanismos de dominação no que concerne aos trabalhadores assalariados da cana.
[4] O sistema de colonato garantia o acesso as terras pela parceria na cultura da cana com um plantador ou com o usineiro, em que a moradia gratuita era concedida como parte do contrato de trabalho, e sofreu transformações com a institucionalização das relações de trabalho a partir dos anos 1930 (NEVES, 1997).
[5] O Fluminense: Trabalhadores do açúcar querem casas populares, 19 de novembro de 1980.
[6] A relação dos seringueiros com o barracão, conforme analisada por Esteves (2008), é ainda mais complexa, haja vista a distância a ser percorrida até a sede do seringal ou barracão, podendo levar dias de caminhada. No local onde a autora realizou seu trabalho de campo, a Reserva Extrativista Chico Mendes, os barraqueiros possuíam funções específicas como gerente, caixeiro e guarda-livros, sabendo ler e escrever. Esteves (2008) considera a figura do barraqueiro como fiel ao patrão.
[7] Jornal do Brasil: Cortador de cana pediria ao papa o direito de ter horta, 1o de julho de 1980. Grifo nosso.
[8] “Revela também a presença de uma dominação conservadora assentada no mando e regulada por convicções profundas advindas de um habitus interiorizado legitimador da superioridade, do desdém, e da estigmatização do outro considerado alguém sem valor humano. O homem superior é aquele para quem ‘a miséria e a dor alheias não constituem problema’”, diz Renato Janine Ribeiro ao refletir sobre a ética dos sentidos e a sociologia dos afetos (BRUNO, 2019, p. 151-152).
[9] “O morador, entre os tipos de trabalhadores que formam a mão de obra da plantation, é o mais desvalorizado ideologicamente pelos proprietários. Em seu discurso, o morador surge como um homem preguiçoso, que só quer saber de mulher, futebol e cachaça, ingrato para com o patrão, ladrão, ignorante e dependente do senhor de engenho. Todo morador, segundo os proprietários, faz todo e qualquer serviço e ganha muito dinheiro. Quando não ganha é porque é um preguiçoso. Todos os moradores têm sítio. Não plantam porque são preguiçosos” (SIGAUD, 1978, p. 107).
[10] “São por isso mesmo classificados como mensalistas ou diaristas, quanto às formas de pagamento. Além das posições de administrador-geral, administrador de fazenda, auxiliar de administração, encarregado ou apontador, podem ocupar os cargos de ronda – vigia do barracão de máquina – campeiro, cocheiro ou trabalharem nos tratos culturais ligados ao sistema de irrigação” (NEVES, 1989, p. 20).
[11] Jornal do Brasil: Uma vida cara e sem esperanças, 21 de fevereiro de 1982 (Grifos originais).
[12] O Fluminense: ‘Boia-fria’ morre de fome na Usina S. José, 10 de maio de 1980.
[13] O Fluminense: ‘Boia-fria’ morre de fome na Usina São José, 10 de maio de 1980.
[14] Idem ibidem.
[15] O Globo: Empreiteiro pagará retorno de boias-frias, 15 de agosto de 1989.
[16] O Fluminense: Promotor investigará trabalho escravo, 14 de outubro de 1989.
[17] O Fluminense: Trabalho escravo no Norte-RJ é denunciado, 23 de julho de 1983.
[18] Conforme aponta Lucca (2008): “O pesquisador de jornais e revistas trabalha com o que se tornou notícia, o que por si só já abarca um espectro de questões, pois será preciso dar conta das motivações que levaram à decisão de dar publicidade a alguma coisa. Entretanto, ter sido publicado implica atentar para o destaque conferido ao acontecimento, assim como para o local em que se deu a publicação: é muito diverso o peso do que figura na capa de uma revista semanal ou na principal manchete de um grande matutino e o que fica relegado às páginas internas” (p. 140).
[19] O Fluminense: Distorções existentes no meio rural propiciam surgimento de ‘novos-ricos’, 16 de dezembro de 1977.
[20] O Fluminense: Distorções existentes no meio rural propiciam surgimento de ‘novos-ricos’, 16 de dezembro de 1977.