Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro
Programa de Pós-Graduação de Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade
Revista IDeAS, Rio de Janeiro, volume 16, 1-27, e022006, jan./dez. 2022 • ISSN 1984-9834
Artigo original • Revisão por pares • Acesso aberto
Mulheres na Agricultura Familiar (AF): caracterização do perfil de agricultoras familiares no estado do Rio de Janeiro
Women in family farming: characterization of the profile of family farmers in the state of Rio de Janeiro
Ketyline Pimenta Genaro[1], André Augusto Pereira Brandão[2]
Resumo Este artigo, que tem como objeto as mulheres agricultoras familiares do estado do Rio de Janeiro, traz dados de 411 mulheres, de 23 municípios. O objetivo foi reunir e caracterizar o perfil médio dessas agricultoras. O manuscrito passa por dados de: idade, estado civil, escolaridade, número de filhos, vínculo com o imóvel, tipo de produção, renda familiar, dentre outros, que, aliados à reflexão teórica, permitiu-nos construir algumas reflexões e extrapolações. A princípio, apresentamos um panorama da Agricultura Familiar no estado, em seguida, foi feita uma análise dos dados produzidos em campo. Entendemos que pensar sobre a agricultora familiar é pensar os processos sociais nos quais está inserida. Assim, o retrato geral desta é resultado de todas as transformações ocorridas no decorrer da história, das condições de sua produção, tipo de produção, da maternidade, seu estado civil, sua escolaridade, entre outros dados problematizados ao longo do texto. Palavras-chave: mulheres; Agricultura Familiar; características da população; condições sociais. Abstract This article, which focuses on women family farmers in the state of Rio de Janeiro, brings data from 411 women from 23 municipalities. The objective was to gather and characterize the average profile of these farmers. The manuscript includes data on: age, marital status, education, number of children, connection with the property, type of production, family income, among others, which, combined with theoretical reflection, allowed us to build some reflections and extrapolations. At first, an overview of family farming in the state is presented, followed by an analysis of the data produced in the field. It was understood that to understand the family farmer is to think about the social processes in which they are inserted. Thus, the general picture of these is the result of all the transformations that have taken place throughout history, the conditions of their production, type of production, maternity, their marital status, their schooling, among others problematized throughout the text. Keywords: women; family farming; population characteristics; social conditions. | Submissão: Aceite: Publicação: |
Citação sugerida GENARO, Ketyline Pimenta; BRANDÃO, André Augusto Pereira. Mulheres na Agricultura Familiar (AF): caracterização do perfil de agricultoras familiares do estado do Rio de Janeiro.. Revista IDeAS, Rio de Janeiro, v. 16, p. 1-27, e022006, jan./dez. 2022. Licença: Creative Commons - Atribuição/Attribution 4.0 International (CC BY 4.0). |
Introdução
Este artigo traz dados que são parte de uma pesquisa mais ampla na qual foram coletados dados com agricultores familiares e pescadores do estado do Rio de Janeiro (RJ). Aqui traremos um recorte em específico em que o objeto de análise são as informações referentes às mulheres agricultoras familiares. De um montante de 1222 indivíduos que participaram da pesquisa, 411 eram mulheres que forneceram as respostas às quais nos debruçamos. O objetivo deste artigo foi caracterizar o perfil das mulheres agricultoras do estado do Rio de Janeiro, que participaram da pesquisa.
O artigo se divide em duas partes principais, além da introdução e da metodologia. A primeira parte, mostra um panorama sobre a Agricultura Familiar (AF) no estado do Rio de Janeiro a partir de dados conseguidos na base do Instituto Brasileiro de Geografia Estatística (IBGE), especificamente do último Censo Agropecuário feito no estado, datado de 2017, aliado a um esforço de reunião de teorias produzidas sobre o tema ao longo do tempo.
Compreendemos que o tema da agricultura familiar, historicamente, é alvo de interesse de pesquisadores que fomentam uma longa tradição de estudos nessa área. Segundo Wanderley (2014), a compreensão do que é o campesinato no Brasil é alvo de controvérsias, o lugar social desses agricultores aparece em diferentes categorias em disputa, tais como, campesinato, agricultura familiar e agronegócio, entretanto, neste trabalho, nos concentramos nas definições de AF. Para Wanderley (2014), as categorias, campesinato e agricultura familiar, se aproximam em alguns pontos, como na restrição à produção, menor escala e menos recursos, no entanto, a AF estaria em condições de maior integração com as cidades e os mercados. Além disso, segundo a autora, nos anos 1990, a categoria agricultura familiar foi adotada pelo próprio Estado juntamente com a criação de ações de apoio aos agricultores.
A definição de AF não é um conceito fechado universalmente, pois alguns países e organizações diferem em alguns aspectos quando caracterizam ou criam regras para estabelecer o que é ou não Agricultura Familiar. No Brasil, mais recentemente, a Lei no 11.326/2006 estabeleceu que, para ser considerada familiar, a agricultura precisa estar dentro de um conjunto de indicativos, dentre eles: não deter área maior que quatro módulos fiscais, utilizar mão de obra da própria família, atingir o percentual mínimo da renda familiar advinda do seu empreendimento e que o empreendimento deve ser dirigido pela própria família. Entre as atividades desenvolvidas podem estar: agricultura, silvicultura, aquicultura, extrativismo e pesca. Povos indígenas ou de comunidades tradicionais e remanescentes de quilombos – desde que todos atendam às demais exigências – também podem ser considerados agricultores familiares.
Apesar do disposto em lei, por vezes são encontrados casos de experiências familiares que podem fugir a alguma regra, e isso se dá pelo contexto no qual a unidade familiar está inserida. Como mostra Carneiro (2008), o caráter familiar da agricultura está para além das relações de trabalho e produção, ele atinge a relação entre essas e as variáveis de cunho social e cultural que conferem especificidade a uma unidade produtiva.
Em consonância com a temática, o texto avança por uma breve revisão bibliográfica sobre o tema da AF, mas inserindo o elemento relações de gênero. É importante observar que o papel da mulher na unidade produtiva é recorte importante e bastante explorado nos estudos sobre AF.
A segunda etapa traz os dados do banco construído pela pesquisa citada anteriormente, já com tratamento e recorte para os dados das mulheres agricultoras que responderam ao questionário. Esta seção se divide em quatro subtópicos. O primeiro, cujo título é “Quantos anos elas têm?”, traz um gráfico sobre a idade dessas mulheres e pensa, à luz da teoria, sobre questões relativas aos processos pelos quais elas passaram e passam e que tem como resultado reflexos na faixa etária média encontrada. O segundo subtópico, intitulado “Raça/cor e escolaridade”, traz gráficos que desenham a “cor” predominante no campo de análise e cruza esses dados com o grau de escolaridade das mulheres.
No terceiro subtópico, chamado de “Elas e a terra”, os gráficos mostram dados do estado civil dessas mulheres e sua situação em relação à terra. A associação entre esses dados permite repensar a própria história do trabalho no campo e a combinação entre as mulheres e o acesso à terra, bem como a leitura social do seu trabalho. Os dados atualizam essa realidade na medida em que mostram uma tomada de posição diferente do que se encontra nos estudos mais clássicos sobre a pauta da mulher e a propriedade no campo.
O quarto e último subtópico, intitulado “Trabalho e renda”, expõe dados sobre a mão de obra feminina empenhada no trabalho agrícola, insere um novo componente para pensar a permanência no campo e coloca à tona algo de grande interesse das pesquisas na área: a pluriatividade. Os dados mostram a renda dessas mulheres e quantas delas exercem outras atividades como forma de complemento de renda. Além disso, o subtópico apresenta uma breve discussão sobre o trabalho despendido na produção comercial e na produção para consumo. Por fim, o texto exibe algumas considerações a fim de estabelecer um raciocínio contínuo sobre os tópicos e construir uma visão global sobre nosso objeto de pesquisa.
Metodologia
Como anunciado anteriormente, este artigo se constrói a partir de dados colhidos para uma pesquisa mais ampla, com homens e mulheres agricultores familiares, do estado do Rio de Janeiro, que se autodeclararam responsáveis pelas unidades de produção familiares.
A coleta desses dados foi feita via aplicação de um questionário dividido em 15 sessões[3] temáticas, com subitens a serem respondidos. Esses dados foram compilados em tabelas de Excell, pelo Núcleo de Pesquisa Aplicada Interdisciplinar, da Universidade Federal Fluminense, no ano de 2019, para que, posteriormente, fossem sistematizados e analisado.
Em 2021, a partir do banco de dados disposto, iniciamos o tratamento das informações para que pudéssemos visualizar apenas aqueles referentes às mulheres. Em seguida. foi realizada uma sistematização na qual foram extraídos os materiais que foram colocados em tabelas e gráficos. A partir dessas tabelas e gráficos elegemos quatro temas gerais, que aparecem no texto como “subtópicos” da segunda parte do artigo. Lançamos mão da ferramenta de cruzamento de dados para obter as informações mais específicas e criar camadas dentro dos temas gerais, e também novos gráficos foram criados com base nos cruzamentos. Por fim, à luz da teoria sobre esses temas, elaboramos as considerações que estão aqui expostas.
Para a composição deste artigo, a metodologia empreendida consistiu em analisarmos os dados quantitativos a partir do marcador de gênero, especificamente sobre as mulheres, e, apoiados na teoria sobre os temas suscitados, fazer algumas considerações, análises e extrapolações.
Gênero é um marcador dotado de sentido social e que pode ser pensado também a partir de dados quantitativos. Quando temos um dado de escolaridade e raça/cor de mulheres, por exemplo, podemos refletir sobre o indicador social de desigualdade e pensar nas possíveis disparidades no grau de formação entre mulheres brancas e pretas e toda estrutura social subjacente. Neste artigo veremos isso, e quando objetivamos traçar o perfil geral dessas mulheres, pensamos em construir informações que caracterizem a mulher agricultora no estado do Rio de Janeiro. Qual o grau de escolaridade em geral? Qual a idade dessas mulheres? Qual sua relação com a terra? Produzem? Comercializam? São donas daquele espaço? Assim:
Um indicador social é uma medida em geral quantitativa dotada de significado social substantivo, usado para substituir, quantificar ou operacionalizar um conceito social abstrato, de interesse teórico (para pesquisa acadêmica) ou programático (para formulação de políticas). É um recurso metodológico, empiricamente referido, que informa algo sobre um aspecto da realidade social ou sobre mudanças que estão se processando na mesma. (JANUZZI, 2001, p. 12)
Ao longo de décadas de uma trajetória sobre estudos de gênero, como também por pressão da luta feminista, o conceito de relações sociais de gênero forneceu diversas contribuições para a discussão acerca da opressão das mulheres (PACHECO, 2002). Dentre as sistemáticas pontuações que o conceito possibilitou, além de perceber os problemas relacionados aos gêneros, está a ideia de que a análise deve estar associada aos marcadores de classe, raça, idade, vida urbana ou rural e momento histórico (FARIA; NOBRE, 1997). Isso nos permite pensar nas hierarquias observáveis entre as próprias agricultoras familiares.
Além disso, o uso de metodologia quantitativa e qualitativa está respaldado teórica e metodologicamente na possibilidade de combinações metodológicas disponíveis ao campo da pesquisa sociológica (CANO, 2012). No mais, a combinação entre as técnicas de pesquisa aliadas à teoria sobre o tema foi o que nos permitiu construir as considerações e gerar extrapolações que abrem um leque de possibilidades a serem pensadas, exploradas e aprofundadas em futuras pesquisas com as agricultoras familiares do estado do Rio de Janeiro.
Segundo o Censo agropecuário de 2017, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia Estatística (IBGE), o Brasil conta com 3.897.408 estabelecimentos de agricultura familiar, que envolvem mais de 10,1 milhões de agricultores familiares, ocupando 80,9 milhões de hectares de terras. Ao consultar o site do Sidra IBGE, no qual são feitas as consultas sobre os últimos censos, encontramos dados do estado do Rio de Janeiro referentes apenas ao Censo Agropecuário de 2006 e, nele, observamos que, até essa data, existiam cerca de 44 mil estabelecimentos familiares no Rio de Janeiro, ocupando 468 mil hectares de terra e tendo aproximadamente 91 mil pessoas envolvidas, que têm ou não grau de parentesco com o responsável pelo empreendimento familiar. Embora não tenhamos tido acesso aos dados mais recentes do estado do Rio de Janeiro, vimos que o número geral de estabelecimentos de AF no Brasil teve uma queda[4] de 9,5% em relação ao censo de 2006.
No estado do Rio de Janeiro, a atividade agrícola familiar pode ser encontrada há muitos anos em diferentes partes. Segundo Hack e Gallego (1963), na região do Vale médio do Paraíba[5], por volta dos anos 1960, já havia movimentação em torno de uma produção agrícola de valor comercial. As atividades agrícolas dessa região eram policulturais e se alteravam em alguns momentos por conta da valorização comercial de alguns produtos, o solo era bastante desgastado e, por vezes, infértil por conta da cultura do café. Assim, para que os agricultores pudessem cultivar aquilo que fosse momentaneamente mais rentável, precisavam procurar outros espaços, geralmente perto das encostas, onde o solo fosse adequado para que determinadas culturas se desenvolvessem.
De fato, a agricultura fluminense está espalhada pelo estado e pode ser encontrada nas regiões Noroeste, Norte, Serrana (GUANZIROLI; VINCHON, 2019) e Metropolitana, e em diferentes formas: hortas, quintais produtivos, lavouras, horticultura, fruticultura, Agricultura Familiar, agricultura tradicional, orgânica, agroecológica, dentre outras (GENARO, 2020). Sobre a produção advinda da Agricultura Familiar no estado, destaca-se a horticultura, modalidade de maior expressividade econômica e que representa 54% da arrecadação total da Agricultura Familiar estadual (GUANZIROLI; VINCHON, 2019).
A história da Agricultura Familiar no estado do Rio de Janeiro carrega traços distintos, dependendo da região em que se está. Na Região Metropolitana, há registros de uma agricultura feita na área que em 1936 fora chamada, pelo naturalista Magalhães Corrêa, de Sertão Carioca, que correspondia à área rural da cidade do Rio de Janeiro. Essa é uma história marcada pela presença de moradores locais, por migrantes cearenses e portugueses, pela produção de laranja, chuchu, banana e horticultura, dentre outros, que, em dado momento, foi encurralada pela expansão urbana, pela especulação imobiliária e pelos loteamentos que causaram a fragmentação das terras e fez com que os agricultores tivessem de se mudar para áreas da Baixada Fluminense (SANTOS; RIBEIRO, 2007). Hoje a ideia de Sertão Carioca tornou-se instrumento de luta e resgate de uma tradicionalidade, um modo de vida centenário, que parcialmente perdurou e pode ser encontrado nas casas e plantações que ainda permanecem nessa região e tiram seu sustento de uma agricultura de base familiar, revelando o aspecto político da mobilização em torno do Sertão Carioca (GENARO, 2020).
Já na Região Serrana, por exemplo, onde se encontra parte expressiva de toda produção do estado, Carneiro (2008) mostra que há certa falta de memória coletiva causada pelos processos aos quais esses agricultores foram submetidos, tais como: a fragmentação de terras por herança; a migração das famílias para as cidades vizinhas; e a chegada de novos agentes advindos de uma classe média urbana. A autora mostra que esses povos viviam em condições de isolamento, condição essa que começou a se transformar a partir dos anos 1950 por conta da abertura de uma estrada que ligava o distrito de Lumiar à cidade de Nova Friburgo-RJ. Por conseguinte, na década de 1980, quando o asfalto chegou a essa estrada, o pequeno distrito sente e ressente o contato com pessoas de outros lugares que começaram a frequentar Lumiar por motivações turísticas.
O trabalho de Silva e Marafon (2019) aponta que quando pensamos na Agricultura Familiar do Rio de Janeiro devemos considerar que há uma concentração populacional e econômica na Região Metropolitana do Rio de Janeiro que causa desequilíbrios regionais e concentração fundiária. Esses dois fatores, aliados à escassez de política agrícola, geram um processo de exclusão social de parte desses agricultores (SILVA; MARAFON, 2019) e, por isso, não é incomum encontrar lacunas na própria história da produção Agrícola Familiar, que sofre com períodos de invisibilidade e apagamento, ainda que a falta de condições para o fortalecimento não a extermine por completo. Em alguns lugares, como a Baixada Fluminense, a AF é caracterizada justamente pela resistência das populações do campo diante da desestruturação do rural (PORTILHO et al., 2019).
Não pretendemos aqui esgotar as variáveis de análise da Agricultura Familiar no estado do Rio de Janeiro, mas sim apontar para a multiplicidade de questões que envolvem a temática. Compreendê-la é um trabalho árduo, já que estamos falando de uma categoria carregada de peculiaridades e, como enfatiza Carneiro (2008), para pensarmos as unidades familiares, devemos considerar tanto as relações entre os indivíduos como as relações sociais.
1.1. Agricultura Familiar e relações de gênero
Em 1979, Beatriz Heredia, ao estudar os “sertanejos” pernambucanos, escreveu sobre os papéis de gênero na casa-roçado mostrando que determinadas atividades relacionadas à casa e ao consumo familiar não eram reconhecidas como trabalho, e eram desempenhadas pelas mulheres. Em contrapartida, as atividades do roçado eram responsabilidade masculina e socialmente representadas como o trabalho que de fato acontecia. Mesmo quando os filhos os as mulheres iam até o roçado para contribuir nas atividades, o esforço era considerado como uma ajuda e não como trabalho.
Como mostra Menasche (2004), a partir de pesquisa empírica, no campo, quando o homem desenvolvia alguma atividade que era originalmente delegada à mulher, ele corria o risco de ser alvo de deboche. Em seus escritos, ela mostra que a divisão do trabalho na Agricultura Familiar delega às mulheres àquelas atividades ligadas à manutenção da casa. Tal qual mostrou Heredia (1979), as atividades da casa não estão restritas ao seu interior, mas se expandem para o entorno: o “pátio”, onde se encontra a horta que abastece o autoconsumo. As mulheres da AF analisadas por Menasche (2004) também são responsáveis pela horta, já que o cuidado com a casa é tarefa feminina, cuidar da horta compõe o quadro de atividades delas, portanto, ver um homem carpindo uma horta causaria estranhamento e deboche. Isso ocorre porque ele estaria em um ambiente que não o representa socialmente, dando margem para que vizinhos e moradores locais questionassem esse comportamento e até mesmo pensassem que poderia haver algo de errado com o indivíduo em questão.
Sabemos, no entanto, que as mulheres conquistaram direitos e ultrapassaram barreiras que a opressão de gênero insistia, e ainda insiste, em reafirmar. No campo, esses processos sociais causaram transformações na própria organização interna da unidade familiar (CARNEIRO, 2008). Com os dados que serão mostrados adiante, poderemos refletir e aprofundar o debate sobre esses processos.
Entender a dinâmica do empreendimento familiar passa por analisar, inclusive, as hierarquias e os papéis de gênero (CARNEIRO, 2008). Este artigo, porém, não buscará a comparação entre homens e mulheres, mas sim, a partir do montante de dados colhidos, serão expostas algumas reflexões sobre o perfil geral das mulheres agricultoras familiares que foram entrevistadas na pesquisa realizada.
2.1. Quantos anos elas têm?
A permanência no campo é uma questão na qual os pequenos agricultores se viram submersos ao longo dos anos por conta das transformações na agricultura. Segundo Camarano e Abramovay (1998), a cada dez anos, um em cada três brasileiros fez a opção por emigrar. Diversas são as causas que levaram a esse cenário, dentre elas podemos citar a mecanização do campo, a transição ao modelo agronegocista e o isolamento. O histórico do estado do Rio de Janeiro passa por questões de isolamento e apagamento dessas pessoas que por vezes viram suas áreas de plantio e vivência serem absorvidas pela cidade, e se tornarem passíveis de urbanização. Essas questões podem ser pensadas como enfraquecedoras da Agricultura Familiar como um todo, mas alguns processos atingem especialmente as mulheres.
A Agricultura Familiar está alocada em diversas partes do estado do Rio de Janeiro. No que tange à presença de mulheres agricultoras, dentre as entrevistadas, percebemos que elas estão espalhadas em 23 municípios[6]. Para a pesquisa, foram entrevistadas 1202 pessoas, selecionadas por serem as autodeclaradas responsáveis pelas unidades de produção familiares, e, deste montante de entrevistados, 411 eram mulheres, que correspondiam a 34,2% do total e que estavam dentro de uma faixa etária de 16 a 88 anos. Entre 33 e 60 anos, está a maior parte dessas mulheres, ocupando mais da metade do total, o que representa 54,74% das agricultoras familiares. Parcela significativa de 19,46% se refere a mulheres acima de 61 anos, enquanto 8,76% têm entre 26 e 32 anos. O menor número de mulheres corresponde às mais novas, até 25 anos, totalizando 7,79%, (Gráfico 1).
Gráfico 1 – Idade das entrevistadas
Fonte: Elaborado pelos autores, 2021.
Observamos que quanto menor a idade, menor a concentração de mulheres no campo. Esse fenômeno pode ser explicado a partir dos processos sociais pelos quais as mulheres foram passando ao longo da história recente e que as levaram a alcançar outros espaços que antes eram negados ou restringidos a elas.
Segundo Carneiro (2001), o campo deixou de ser um atrativo às mulheres na medida em que foram conquistando novas possibilidades de vida. Para a autora, a família como instância que mediava o indivíduo e a sociedade foi neutralizada ao longo do tempo, abrindo espaço para novas formas de relacionamento entre indivíduo e família que causaram efeitos nas relações sociais de gênero e na posição da mulher na sociedade rural. A proximidade entre o rural e o urbano também foi fator importante para que outras maneiras de socialização feminina surgissem, fazendo com que o casamento ou a atividade religiosa, que antes eram as opções oferecidas a elas, já não fossem mais as únicas (CARNEIRO, 2001). O alcance de patamares mais elevados de escolarização é um fator que incentivou a migração das mulheres do campo para a cidade, e não é por acaso que quanto maior a idade, maior a concentração de mulheres na AF e, inversamente, quanto menor a idade, menor a concentração de mulheres; observa-se que esse tipo de tendência é gerado por processos sociais mais amplos.
2.2. Raça ou cor e escolaridade
Quanto à raça ou à cor dessas agricultoras, 32,36% se autodeclararam brancas, 30,17%, pretas, 22,87%, pardas, 0,97%, amarelas, e cerca de 13,66% não informaram. Aqui percebemos que as pretas e pardas representaram 53,04%, o que equivale a 218 mulheres dessa população, enquanto as brancas somam 133 (Gráfico 2).
Gráfico 2 – Raça ou cor das entrevistadas
Fonte: Elaborado pelos autores, 2021.
No tópico “escolaridade”, o montante de mulheres que não avaliaram a questão foi alto, cerca de 42,09% delas. Entre as que responderam, 27,98% fizeram o Ensino Fundamental, 24,57%, o Ensino Médio, 3,65%, graduadas, 1,22%, não frequentou a escola, e 0,49% tem pós-graduação.
Se cruzarmos os dados de escolaridade e cor ou raça, verificamos que, no caso das mulheres pretas e pardas, cujo total é de 218, a maior parte, 36% delas, cursou até o Ensino Fundamental; em seguida, constatamos que 26% completaram o Ensino Médio, e que apenas 5% são graduadas e 0,46%, pós-graduada. No mais, cerca de 1% nunca frequentou a escola, enquanto aproximadamente 32% não responderam à questão (Gráfico 3).
Gráfico 3 – Escolaridade e raça ou cor (mulheres pretas e pardas) das entrevistadas
Fonte: Elaborado pelos autores, 2021.
As mulheres que se autodeclaram brancas somam 133. Quando fizemos o mesmo exercício de cruzamento de dados entre escolaridade e raça dessas mulheres, obtivemos os seguintes resultados: a maior parte delas, cerca de 27%, cursou o Ensino Médio, enquanto 22% chegaram até o Ensino Fundamental, 4%, à graduação, e 1%, à pós-graduação. Além disso, 32% não responderam e 1% não frequentou a escola (Gráfico 4).
Gráfico 4 – Escolaridade e raça ou cor (mulheres brancas) das entrevistadas
Fonte: Elaborado pelos autores, 2021.
Embora os números sejam relativamente parecidos, a quantidade total de mulheres pretas e pardas chega a 218, enquanto as brancas somam 133. Essa somatória revela que o campo da Agricultura Familiar nessa localização é predominantemente marcado pela presença de mulheres pretas e pardas, e a maioria delas, exatamente 79, teve a oportunidade de cursar apenas até o Ensino Fundamental e, 56, o Ensino Médio. A realidade se inverte no caso das mulheres brancas, guardadas as proporções, a maioria delas, exatamente 36, chegou a cursar o Ensino Médio e 29 o Ensino Fundamental.
A baixa porcentagem para mulheres com maior grau de formação pode ser explicada pelo movimento de migração para as áreas urbanas, com o passar do tempo. Como mostra Carneiro (2001), elas passaram a procurar formação profissional voltada para o mercado de trabalho urbano, já que, como citado anteriormente, o campo deixou de ser um atrativo na medida em que outras possibilidades se abriram. Segundo Carneiro: “Para as moças, a vida na lavoura se torna cada vez menos atraente quando se vislumbra a reprodução do papel da esposa tradicional.” (CARNEIRO, 2001, p. 42).
Ainda assim, há 15 mulheres graduadas residindo em suas unidades produtivas familiares, e sobre isso elencamos algumas possibilidades. A primeira refere-se à ideia de que esse retorno ao campo tenha sido um desejo e que suas próprias formações podem ser empregadas e oferecer melhorias ao local em que se encontram; a segunda, trata-se da chegada dos movimentos sociais que se dedicam a pensar e construir um campo atrativo para os mais jovens, para que eles queiram permanecer ou retornar para o campo; a terceira, aponta para um movimento de retorno ao campo como um espaço inverso ao da cidade, onde seria possível levar uma vida menos acelerada, ou mesmo um retorno que vise algum empreendimento para geração de renda; por último, há que se levar em conta a possibilidade de que essas mulheres não tenham sido absorvidas pelo mercado de trabalho, restando a elas apenas o retorno ao campo. Se isso for uma realidade, abre-se o horizonte para pensar nas estruturas desiguais da sociedade, na medida em que há maior quantidade de mulheres pretas ou pardas graduadas no campo do que de mulheres brancas graduadas.
A presença dos movimentos sociais mais recentes no campo, fazem quórum para o fortalecimento da permanência do jovem e da mulher neste espaço. Para ilustrar esta linha de reflexão, faremos a ponte entre o tipo de produção exercida e a presença de movimentos sociais no campo.
Gráfico 5 – Tipos de produção declaradas pelas entrevistadas
Fonte: Elaborado pelos autores, 2021.
Embora a maior parte, 66% delas, declare produzir de forma convencional, 15% responderam que o tipo de sua produção é o agroecológico. Esse dado foi levantado aqui justamente porque sabemos que a agroecologia[7] é mais do que um tipo de produção, é um movimento social. A agroecologia é composta por uma agenda que contempla o aspecto político da agricultura. Como submovimentos há, por exemplo, “juventude agroecológica”[8] e “sem feminismo não há agroecologia”[9]. Ambos são movimentos que desempenham atividades voltadas para o fortalecimento das minorias no campo.
2.3. Elas e terra
A maior parte das agricultoras mantém uma união estável (41,12% delas), 24,33% não informaram, 22,8% são solteiras, 5,60% divorciadas, 4,87% viúvas e 1,22% é casada. Esses dados foram apontados porque sabe-se que, historicamente, a relação das mulheres com a terra é perpassada por seu estado civil, pois o direito das mulheres à terra era costumeiramente negado, sendo comum que elas recebessem sua parte da herança em dinheiro e enxoval, como mostram os estudos de Carneiro (2001):
Seguindo a prática costumeira, as mulheres recebiam “a sua parte” em módica quantia de dinheiro e na forma de enxoval, composto de roupas de cama, mesa e banho, utensílios domésticos e, por vezes, máquina de costura a mulher era sempre excluída da herança da terra ou então, sua parte da terra. Apesar disso, ao longo dos anos as mulheres foram conquistando seus direitos e assumindo posições sociais independentemente de seu estado civil. (p. 33)
No caso das mulheres entrevistadas, notamos que elas têm variados vínculos com a propriedade que ocupam. A maioria delas, 46%, se define como “proprietária/produtora”, mas ainda existem as que associam seu vínculo ao estado civil, pois 16% se declaram “cônjuge do produtor” (Gráfico 6).
Gráfico 6 – Tipos de vínculo com o imóvel
Fonte: Elaborado pelos autores, 2021.
Se, por um lado, é certo que ainda é possível encontrar essas mulheres em que o vínculo com o imóvel está submetido a seu estado civil, por outro, há um número expressivo de mulheres que se declaram “proprietárias” ou “proprietárias produtoras”. Ao todo, 62% das mulheres declararam sua posse do imóvel. Não obstante, esse número remete não somente à propriedade, mas também à relação de trabalho que desempenham. Se, nos escritos de Heredia (1979) e Menasche (2004), encontramos o trabalho das mulheres sendo considerado sempre como ajuda, aqui, vemos que, independentemente da percepção alheia sobre as tarefas que exercem, elas mesmas tomam posse de sua função produtiva ao passo que se colocam como “produtoras”. Podemos entender esse aspecto como parte desse processo de conquista de direitos, citado por Carneiro (2001), que as mulheres foram alcançando ao longo dos anos. Esse aspecto também se refere a um processo que transcende a legalidade e atinge uma tomada de consciência que as leva a tomar posse da posição que ocupam. Há a possibilidade de que esses imóveis pertençam às mulheres em conjunto com seus cônjuges, no entanto, isso não as impediu de se colocarem como proprietárias. Trata-se de um processo que não fica somente na esfera da legalidade, mas atinge a compreensão e a exposição de uma posição social ocupada. Isso abre a probabilidade de quebra da lógica de associação dessas mulheres aos seus cônjuges, pois deixam de ser “a esposa do dono do sítio” para ocupar o status de “a dona do sítio”.
Carneiro (2001) aprofunda essa questão mostrando que o jovem agricultor tenta incorporar as mudanças nos papéis de gênero e que para isso é necessária uma alteração que atinge até mesmo o aspecto econômico, pois para que as mulheres encontrem paridade no sistema de produção familiar é preciso que elas passem a ter responsabilidades nas etapas do processo produtivo que antes eram delegadas somente aos homens. Para a autora, essas transformações ainda estão em curso, porque existe todo um sistema de valores e identidade da categoria que oferece certa resistência a esse processo que causa a individuação dentro da unidade familiar e culmina na transformação das relações de gênero. Portanto, para ela, a situação é ambígua e contraditória na medida em que ao mesmo tempo que lida com as possibilidades “modernas”, mostra uma face conservadora que ratifica os valores de pertencimento à família e à localidade. Assim, para Carneiro: “A questão que permanece é até que ponto estas novas dinâmicas nas relações sociais de gênero podem conviver com a forma de organização de produção familiar” (CARNEIRO, 2001, p. 43)
2.4. Trabalho e renda
Vimos que a maior concentração de mulheres entrevistadas na AF tem idade superior a 33 anos e, quanto menor a idade, menor a quantidade de mulheres no campo. Essa situação pode ocorrer por conta da possibilidade conquistada por essas mulheres, ao longo dos anos, de migrarem para a cidade para estudar, como apontou Carneiro (2001). Mas há outra questão que pode explicar a evasão dos jovens do campo: a renda.
Segundo Savian (2014), a insatisfação com a renda é um fator que contribui para que os jovens não desejem permanecer no campo, comprometendo a sucessão geracional da Agricultura Familiar. Vejamos o que nossos dados mostram:
Gráfico 7 – Renda total da família com base no salário mínimo (SM)
Fonte: Elaborado pelos autores, 2021.
A maior parte das agricultoras alegou ter uma renda familiar de até um salário mínimo, cerca de 31% não responderam, 11% das mulheres declararam uma renda de 2 salários mínimos, outros 11% disseram ter uma renda de menos de um salário mínimo. Uma fatia de 3% declarou não ter renda, enquanto apenas 3% afirmaram possuir renda de 3 salários mínimos, que é também o maior valor declarado. Assim, 211 mulheres vivem em uma família na qual a renda total é igual ou inferior a um salário mínimo.
Essa renda, porém, pode não vir integralmente da Agricultura Familiar de sua unidade produtiva, pois há mulheres que buscam o complemento da renda em outras atividades (Gráfico 8):
Gráfico 8 – A atividade agrícola é a sua única fonte de renda?
Fonte: Elaborado pelos autores, 2021.
A renda de aproximadamente 46% das mulheres não é proveniente exclusivamente do trabalho agrícola; cerca de 43% têm esse trabalho como única fonte de renda; e 11% não responderam. Há certo equilíbrio entre as mulheres que procuram ou não outra fonte de renda, no entanto, há que se considerar que essas 189 46%) mulheres buscam o complemento financeiro em outras atividades.
A renda familiar se torna mais restrita de acordo com o número de pessoas que residem na casa. Conforme os dados obtidos, 101 mulheres afirmaram ter de 1 a 4 filhos menores de 16 anos que residem no local (Gráfico 9).
Gráfico 9 – Quantidade de filhos menores de 16 anos que residem no imóvel
Fonte: Elaborado pelos autores, 2021.
Como podemos observar no Gráfico 9, cerca de 50% dessas mulheres têm 1 filho menor de 16 anos que reside com elas, 26% têm 2 filhos nas mesmas condições, 12% têm 3, 6% têm 4, e 7% não responderam à questão. O fato da presença de filhos menores de idade confere maior número de pessoas residindo e consumindo na unidade familiar. A menoridade não impede que os filhos ajudem nas atividades da unidade produtiva, mas esse fato não é contabilizado no somatório na renda familiar. Mesmo que contribua para o montante geral.
O tempo que essas agricultoras despendem para a dedicação à agricultura familiar também é um dado que colabora com nossa discussão (Gráfico 10).
Gráfico 10 – Com que frequência exerce a atividade de agricultora?
Fonte: Elaborado pelos autores, 2021.
A maior parte delas, cerca de 51%, exerce a atividade diariamente, outras, aproximadamente 27%, exercem de 3 a 5 vezes na semana, cerca de 3% mais de 5 vezes na semana, e 18,49% não responderam. Exatamente 211 mulheres se dedicam diariamente às atividades da unidade de produção familiar, enquanto 113 delas se dedicam entre 3 e 5 dias. Os dados de frequência são importantes, mas podem não fornecer uma noção exata da pluriatividade[10] dessas agricultoras, isso porque há a possibilidade de que, ainda que exerçam a atividade todos os dias, ocorra certo revezamento de funções, ou seja, uma mulher que está nos trabalhos da horta durante a manhã, pode ter outra atividade monetizada no período da tarde e vice-versa, ainda que isso a leve a alto nível de exaustão.
Além disso, também existem aquelas atividades da AF que não são voltadas para a comercialização e, portanto, não geram renda. Assim, uma mulher pode trabalhar na sua AF diariamente, mas não obter sua renda a partir dessa ocupação, e por essa razão procura o sustento financeiro fora da unidade produtiva familiar ou dentro dela com atividades não ligadas à agricultura. Nos dados levantados, conseguimos dimensionar a finalidade da produção dentro das unidades de AF nas quais essas mulheres se encontram.
Gráfico 11 – Principal finalidade da produção realizada
Fonte: Elaborado pelos autores, 2021.
Cerca de 40% das mulheres não responderam a essa questão, e dentre as que responderam, obtivemos o seguinte resultado: 37% produzem para comercialização e 23%, aproximadamente, para consumo próprio. Os números mostram que 153 mulheres estão inseridas em uma unidade familiar na qual a produção é voltada para a comercialização, enquanto 94 delas declaram que a produção da AF em que se encontram está direcionada apenas para o consumo familiar. Além da questão da renda baixa, esse pode ser um fator que leva as mulheres a procurarem outras fontes de renda em outras atividades. Vale ressaltar que, ainda que a produção não tenha intenção comercial, ela depende de mão de obra para geração dos insumos que irão alimentar a unidade familiar.
A pluriatividade, segundo Carneiro (2001) e Wanderley (2004), entre outros, faz parte das novas configurações do rural brasileiro. Embora por certo tempo essa diversidade de atividades tenha sido considerada uma característica da Agricultura Familiar, ela pode ser encontrada também na agricultura não familiar e com maior ou menor frequência, dependendo da região do país (ESCHER; SCHNEIDER; SCARTON; CONTERATO, 2014). Trata-se de um fenômeno de longa data que pode ser facilmente encontrado nos empreendimentos familiares e é dotado de diferentes características (ESCHER, SCHNEIDER; SCARTON; CONTERATO, 2014).
Para Escher, Schneider, Scarton e Conterato (2014), se há pluriatividade, há plurirrendimento, desde que a produção seja voltada para a comercialização. Como percebemos nos dados analisados, existem empreendimentos familiares nos quais as mulheres estão alocadas que não produzem para o mercado, além de dados de mulheres que exercem atividades fora da AF. Assim, é possível que encontremos a pluriatividade, mas não necessariamente o plurirrendimento, isto é, uma mulher que trabalha na produção familiar de autoconsumo durante uma parte do dia e na outra parte exerce uma atividade remunerada, terá um rendimento exclusivo da atividade na qual recebe pagamento.
Extrapolando os dados, podemos pensar que, independentemente de a produção ser destinada à comercialização ou para o autoconsumo, demanda mão de obra para manutenção. Assim, a mulher que, social e culturalmente, já está inserida em uma dupla jornada de trabalho, uma vez que concilia o trabalho fora e dentro de casa, pode ter ainda uma tripla jornada na medida em que trabalha fora de casa, na casa e na agricultura. Se pensarmos que, embora em menor número, como vimos, há a possibilidade de que essas mulheres estejam ainda buscando a qualificação profissional, soma-se então uma quarta jornada. Embora tenha ocorrido transformação nos valores do campesinato ao longo dos anos, encontramos estudos, como o de Pacheco, datado de 2002, que mostram que o trabalho das mulheres no campo, tanto na produção quanto na reprodução, é subjugado e subvalorizado.
Considerações finais
As agricultoras familiares entrevistadas nos permitiram conceber uma visão geral de seu perfil, como apontado nos itens anteriores. Com base na teoria compreendemos que presença da mulher no campo é perpassada pelos processos sociais mais amplos que as envolveram ao longo dos anos e que possibilitaram que elas almejassem formas de vida diferentes daquelas que o campo historicamente oferecia. A proximidade com os centros urbanos também despertou o desejo de procurarem formações profissionais voltadas para o mercado de trabalho na cidade (CARNEIRO, 2001). Não é por acaso, então, que menos da metade das pessoas entrevistadas são mulheres. Ou seja, de 1222 entrevistados, 411 são mulheres, enquanto 811 são homens. É claro que os homens também foram afetados pelas transformações processuais pelas quais o campo passou e ainda passa, pois, como aponta Carneiro (2001), houve um processo interno, ainda não findado, de revisão da própria dinâmica da unidade familiar que, não sem resistência, começa a reconsiderar sua organização interna.
Pensar a Agricultora Familiar é se debruçar também sobre os processos nos quais ela está inserida, de forma que seu perfil geral seja resultado de todas as transformações ocorridas ao longo da história, das condições de sua produção, do tipo de produção, da maternidade, de seu estado civil, de sua escolaridade, dentre outros. A generalização não exclui a existência de diversas nuances apontadas pelos dados, como vimos no cruzamento entre raça e escolaridade. Cada cruzamento nos permite uma diversidade imensa de reflexões a serem exploradas. No entanto, o objetivo deste artigo foi apresentar um panorama dessas agricultoras e, a partir de então, abrir caminho para que uma gama de questões seja levantada e explorada.
Se sabemos que a mulher agricultora no estado do Rio de Janeiro pode ter evadido do campo por conta dos processos sociais citados, há, porém, um contingente, aqui exposto, que permanece nele, e é essa a fonte que nos permite cada vez mais aprofundar o conhecimento sobre a Agricultura Familiar e contribuir cientificamente para as reflexões sobre o tema.
Fontes de financiamento
Este artigo é resultado de uma pesquisa ampla, financiada pela Fundação Euclides da Cunha (FEC) de Apoio Institucional à Universidade Federal Fluminense (UFF).
Referências bibliográficas
ALTIERI, Miguel. Agroecologia: bases científicas para uma agricultura sustentável. São Paulo; Rio de Janeiro: Expressão Popular, AS-PTA, 2012.
BRASIL. Lei no 11.326, de 24 de julho de 2006. Estabelece as diretrizes para a formulação da Política Nacional da Agricultura Familiar e Empreendimentos Familiares Rurais. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11326.htm#:~:text=LEI%20N%C2%BA%2011.326%2C%20DE%2024%20DE%20JULHO%20DE%202006.&text=Estabelece%20as%20diretrizes%20para%20a,Art. Acesso em: 24. jun. 2021.
CAMARANO, Ana Amélia; ABRAMOVAY, Ricardo. Êxodo rural, envelhecimento e masculinização no Brasil: panorama dos últimos cinquenta anos. Revista Brasileira Estudos da População, n. 15, p. 45-65, 1998. Disponível em: https://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/TDs/td_0621.pdf. Acesso em: 26. jun. 2021.
CANO, Ignacio. Nas trincheiras do método: o ensino da metodologia das Ciências Sociais no Brasil. Sociologias, 14 (31): 2012. 94-119. Disponível em: https://www.scielo.br/j/soc/a/QC6rphm93gZgXmt6FSqWJys/?format=pdf&lang=pt. Acesso em: 29 maio 2021.
CARNEIRO, Maria José. Herança e gênero entre agricultores familiares. Estudos feministas. 2001. Disponível em: https://www.scielo.br/j/ref/a/SCGDNz4fpbmR6H5JQkHGH4J/abstract/?lang=pt. Acesso em: 22. jul. 2021.
CARNEIRO, Maria José. Em que consiste o familiar da agricultura familiar? Mundo rural brasileiro: ensaios interdisciplinares. Rio de Janeiro. Edur, 2008. Disponível em: https://wp.ufpel.edu.br/leaa/files/2014/07/Texto-11.pdf. Acesso em: 22. jul. 2021.
CORRÊA, Armando Magalhães. O sertão carioca. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1933.
CASTRO, Elisa Guaraná de; FERREIRA, Ana Tereza, SERRADOURADA, Renata Nasser; CARVALHO, Euzamara de. Juventude e agroecologia: a construção de uma agenda política e a experiência do Planapo. 2017. Disponível em: http://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/8813/1/Juventude%20e%20agroecologia.pdf. Acesso em 22. ago. 2021.
CENSO AGRO 2017. Disponível em: https://censos.ibge.gov.br/agro/2017/2012-agencia-de-noticias/noticias/25786-em-11-anos-agricultura-familiar-perde-9-5-dos-estabelecimentos-e-2-2-milhoes-de-postos-de-trabalho.html. Acesso em: 24. ago. 2021.
DREBES, Laila Mayara; WIZNIEWSKY, José Geraldo. Agroecologia e juventude: um possível campo de investigação científica em ascensão. 2015. Disponível em: https://periodicos.ufsm.br/remoa/article/view/15785/pdf. Acesso em: 22. ago. 2021.
ESCHER, Fabiano; SCHNEIDER, Sérgio; SCARTON, Luciana M.; CONTERATO, Marcelo A. Caracterização da pluriatividade e dos plurirrendimentos da agricultura brasileira a partir do Censo Agropecuário 2006. 2014. Disponível em: https://www.scielo.br/j/resr/a/zDDK4zsbcFyYnKGHgBt8Mnr/abstract/?lang=pt. Acesso em: 19. jul. 2021.
FARIA, Nalu; NOBRE, Mirian. (1997). Gênero e desigualdade. Cadernos Sempreviva, São Paulo, SOF. Disponível em: http://www.sof.org.br/wp-content/uploads/2000/01/Caderno-GenPP.pdf. Acesso em 23. jul. 2021.
GENARO, Ketyline Pimenta. Os caminhos da agricultura carioca: nos sertões, nos quintais e nas favelas. 2020. 135 p. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais). Instituto de Ciências Humanas e Sociais, Departamento de Ciências Sociais, Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Seropédica, RJ, 2020.
GUANZIROLI, Carlos H.; VINCHON, Karina. Agricultura familiar nas regiões serrana, Norte e Noroeste fluminense: determinantes do processo de geração de renda. Revista de Economia e Sociologia Rural. 2019. Disponível em: https://www.scielo.br/j/resr/a/FWgXbdnrNMZZXNx6FtCV6kD/?lang=pt. Acesso em: 4. jul. 2021.
HACK, Paulo Norberto.; GALLEGO, Lucy Pinto. O criatório leiteiro no Vale Médio do Paraíba do Sul: a fazenda ‘SL’. Boletim Carioca. 1963-1964.
HEREDIA, Beatriz. A morada da vida. Rio de Janeiro: Centro Edelstein de Pesquisas Sociais: Paz e Terra, 2013 (1979).
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA – IBGE. Notas Técnicas. Censo Agropecuário 2017. Rio de Janeiro: IBGE, 2019. Disponível em: https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/periodicos/3096/agro_2017_resultados_definitivos.pdf. Acesso em: 20. ago. 2021.
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA – IBGE. Censo Agropecuário. Disponível em: <https://sidra.ibge.gov.br/tabela/2188. Acesso em: 20. ago. 2021.
JANNUZZI, Paulo M. Indicadores sociais na formulação e avaliação de políticas públicas. Campinas: Anelínea, 2006.
LIMA, Marcia Maria Tait; JESUS, Vanessa Brito de. Sem mulheres existe agroecologia? Site Com Ciência, 2016. Disponível em: https://comciencia.br/comciencia/handler.php?section=8&edicao=127&id=1538&tipo=1. Acesso em: 23. ago. 2021.
MENASCHE, Renata. Capinar: verbo conjugado no feminino? Notas de pesquisa sobre gênero e percepções de risco na agricultura familiar. Cuadernos de Desarrollo Rural, n. 53, segundo semestre, 2004, p. 25-36. Pontificia Universidad Javeriana Bogóta, Colombia. Disponível em: https://www.redalyc.org/pdf/117/11705303.pdf. Acesso em 4. jul. 2021.
OLIVERIA, Valter Lúcio. Agroecologia, agricultura orgânica, convencional e outras agriculturas. In. OLIVEIRA, V. L. A impossível simetria: distinção, interdependência e poder na relação entre agricultores ecologistas e mediadores sociais. Dissertação de Mestrado. PGDR-UFRGS, Porto Alegre, 2004.
PACHECO, Maria Emília Lisboa. Agricultura familiar: sustentabilidade ambiental e equidade de gênero. In Perspectivas de gênero: debates e questões para as ONGs. Recife: GT Gênero – Plataforma de Contrapartes Novib / SOS Corpo Gênero e Cidadania, 2002. Disponível em: http://docplayer.com.br/6969374-Perspectivas-de-genero-debates-e-questoes-para-as-ongs.html. Acesso em: 8. jul. 2021.
PORTILHO, Edilene et al. Fortalecimento da agricultura familiar na Baixada Fluminense – RJ (Brasil): identidade camponesa e inclusão social. Disponível em: https://ler.letras.up.pt/uploads/ficheiros/17252.pdf. Acesso em: 3. jul. 2021.
SAVIAN, Moisés. Sucessão geracional: garantindo-se renda continuaremos a ter agricultura familiar? Revista Espaço Acadêmico. 2014. Disponível em: https://periodicos.uem.br/ojs/index.php/EspacoAcademico/article/view/22740/13306. Acesso em: 19. jul. 2021.
SILVA, Eduardo S. O. da; MARAFON, Gláucio J. A agricultura familiar no estado do Rio de Janeiro. II Seminário Internacional sobre Desenvolvimento Regional Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional Mestrado e Doutorado Santa Cruz do Sul, RS – Brasil – 28 setembro a 1o de outubro. s/d. Disponível em: https://www.unisc.br/site/sidr/2004/urbano/06.pdf. Acesso em: 24. jun. 2021.
WANDERLEY, Maria de Nazareth Baudel. (2014). O campesinato brasileiro: uma história de resistência. Revista de Economia e Sociologia Rural, 52 (Supl.1), S025-S044. Disponível em: https://www.scielo.br/j/resr/a/4Hn3FCvFdb9VBYwSwJfKSGJ/abstract/?lang=pt. Acesso em: 28. jun. 2021
Ketyline Pimenta Genaro Doutoranda em Sociologia pelo Programa de Pós-Graduação em Sociologia, da Universidade Federal Fluminense (financiamento Capes). Mestra em Ciências Sociais pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais, da Universidade Federal Rural do Rio de janeiro (UFRRJ) e Bacharel em Ciências Sociais (bolsista PROEXT e Faperj) na mesma instituição. Desenvolve pesquisa nas áreas de: agriculturas na cidade do Rio de Janeiro, relação rural-urbano, arenas públicas, redes, território. Membra dos grupos de pesquisa: Fronteiras e Subjetividade, Memória e Violência do Estado, ambos da UFF. E-mail: ketylinepg@id.uff.br ID Lattes: http://lattes.cnpq.br/2074690870237911 ORCID: https://orcid.org/0000-0001-7660-727X André Augusto Pereira Brandão Possui graduação em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1988), mestrado em Sociologia e Antropologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1992) e doutorado em Ciências Sociais pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (2002). É professor titular da Universidade Federal Fluminense, atuando no Programa de Estudos Pós-graduados em Política Social. Tem experiência na área de Sociologia e Antropologia, com ênfase em Avaliação de Politicas Sociais produzindo principalmente nos seguintes temas: relações raciais, populações quilombolas, populações tradicionais, sistemas produtivos da agricultura familiar. E-mail: andre_brandao@id.uff.br ID Lattes: http://lattes.cnpq.br/5595235187153920 ORCID: https://orcid.org/0000-0002-9245-0273 |
Revista IDeAS, Rio de Janeiro, volume 16, 1-27, e022006, jan./dez. 2022 • ISSN 1984-9834
[1] Doutoranda em Sociologia pelo Programa de Pós-Graduação em Sociologia, da Universidade Federal Fluminense (financiamento Capes). Mestra em Ciências Sociais pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais, da Universidade Federal Rural do Rio de janeiro (UFRRJ) e Bacharel em Ciências Sociais (bolsista PROEXT e Faperj) na mesma instituição.
[2] Graduado em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1988), mestre em Sociologia e Antropologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1992) e doutor em Ciências Sociais pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (2002). É professor titular da Universidade Federal Fluminense, atuando no Programa de Estudos Pós-graduados em Política Social.
[3] 1 – Identificação e localização do imóvel; 2 – Dados dos entrevistados; 3 – Característica do produtor; 4 – Distribuição da área explorada; 5 – Distribuição da área explorada segundo utilização; 6 – Características do imóvel explorado; 7 – Tratores, implementos, máquinas e veículos de utilização para a produção; 8 – Percepção do produtor; 9 – Trabalhadores no imóvel e contratação de serviço; 10 – Produtor(a) e pessoas com laços de parentesco com que trabalharam ou ajudaram nas atividades do imóvel; 11 – Exploração de animais no imóvel; 12 – Características da produção vegetal no imóvel; 13 – Caracterização e avaliação da assistência técnica (Ater); 14 – Políticas da Sead; 15 – Questões gerais.
[4] Essa queda pode ter sido causada por uma incompatibilidade entre a métrica utilizada e as transformações trabalhistas a qual a Agricultura Familiar vem passando ao longo dos anos. Segundo o próprio site do Censo 2017: “A Lei no 11.326 foi regulamentada pelo Decreto no 9.04/2017, que mudou a forma de classificar o estabelecimento, principalmente em relação à renda do produtor, com a nova exigência de ser predominantemente obtida no domicílio. Em 2017, dos 4,6 milhões de estabelecimentos de pequeno porte que poderiam ser classificados como de agricultura familiar, apenas 3,9 milhões atenderam a todos os critérios” (Censos IBGE, s/d).
[5] Com população de cerca de 2 milhões de habitantes e localizada a leste do estado de São Paulo e sul do estado do Rio de Janeiro, recebe esse nome, pois a região forma a bacia hidrográfica do rio Paraíba do Sul.
[6] Angra dos Reis, Araruama, Armação dos Búzios, Barra do Piraí, Cabo Frio, Campo dos Goytacazes, Duque de Caxias, Iguaúba Grande, Itaboraí, Niterói, Nova Friburgo, Nova Iguaçu, Paraty, Queimados, Quissamã, Rio da Flores, Rio da Ostras, São Fidélis, São Gonçalo, São Pedro da Aldeia, Sumidouro, Teresópolis e Valença.
[7] Segundo Oliveira (2004), há uma variedade de versões e disputas no que diz respeito à definição de agroecologia. Existem correntes que a defendem como uma referência alternativa tecnológica e processual, outras que a definem a partir de uma noção mais genérica de desenvolvimento, levando a definição para um espaço mais amplo que extrapola o campo da agricultura. No entanto, podemos encontrar três vertentes principais que compõem a agroecologia como algo que se refere a: uma prática, um campo científico e um movimento social (ALTIERI, 2012). De modo geral, a agroecologia surge como um espaço aglutinador de formas de agricultura que emergiram como resistência ao modelo de agricultura imposto a partir da Revolução Verde (OLIVEIRA, 2004). Em seus princípios são encontradas desde formas ecológicas de plantio, até questões sobre a relação homem e natureza.
[8] Segundo Castro, Ferreira, Serradourada e Carvalho (2017), há uma geração de jovens organizados em movimentos sociais sindicais, extrativistas, camponeses, indígenas, quilombolas, ribeirinhos e pescadores, que despontou nos últimos 15 anos, implementando ações de mobilização em prol de um desenvolvimento rural justo, inclusivo e sustentável. Foi a partir desse contexto que a agroecologia e a produção orgânica passaram a integrar a agenda dessa juventude que começou a lutar pelo avanço da produção agroecológica e orgânica, disputar seus significados e fortalecer a participação da própria juventude. Segundo Drebes e Wizniewsky (2015), no campo acadêmico, em 2009, foi a primeira vez que um periódico da Associação Brasileira de Agroecologia (ABA) recebeu um trabalho que relacionava agroecologia e juventude, abrindo caminhos para que essa temática se tornasse um campo de investigação. A relação entre juventude e agroecologia está presente também na esfera artística, com destaque para uma canção intitulada “Juventude agroecológica”, da banda Zafenate, cujos versos falam sobre pintar o mundo de outra cor a partir dessa juventude (DREBES; WIZNIEWSKY 2015).
[9] A frase de ordem “sem feminismo não há agroecologia” representa o grito das mulheres organizadas em diversos movimentos camponeses, como forma de defender a luta feminista e a sua emancipação. Como mostram as autoras Lima e Jesus (2016), surgiram conflitos no campo agroecológico que apontavam para a reprodução da desigualdade de gênero. Muitas reflexões acerca da agroecologia defendem que ela não deveria se preocupar com as questões de desigualdade e opressão de gênero, no entanto, existem diversos trabalhos, como o de Lima e Jesus (2016), que defendem, também no campo acadêmico, a legitimidade da agroecologia, e de forma mais ampla, da Agricultura Familiar, em se debruçar sobre as questões de gênero para que a contribuição feminina no campo não seja invisibilizada.
[10] Desempenho de mais de uma atividade.