Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro
Programa de Pós-Graduação de Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade
Revista IDeAS, Rio de Janeiro, volume 17, 1-31, e023002, jan./dez. 2023 • ISSN 1984-9834
Artigo original • Revisão por pares • Acesso aberto
Os “Cadernos de Dona Cora” como fonte sobre a formação de lideranças: cursos, anotações e sentidos dos movimentos “igrejeiros” na Zona da Mata de Minas Gerais
The Cadernos de Dona Cora as a source on leadership training: courses, notes and meanings of “church” movements in the Zona da Mata of Minas Gerais
Fabrício Roberto Costa Oliveira, Ramon da Silva Teixeira
Resumo Objetiva-se refletir sobre os Cadernos de Dona Cora – um compilado de manuscritos e materiais impressos – como fonte de primeira mão sobre os cursos do Movimento da Boa Nova (Mobon) que, direta ou indiretamente, formaram muitas lideranças religiosas e políticas em Minas Gerais. Após reflexão sobre os cursos do Mobon, buscar-se-á descrever a trajetória dos Cadernos até sua chegada no NMSPP-CPDA/UFRRJ e analisar o uso deles em três diferentes pesquisas. Será jogado luz à questão da importância da pesquisa documental e da existência (e preservação) de documentos tais como esses cadernos para investigações sobre as lutas e a memória de trabalhadores do campo. Os Cadernos possibilitaram acesso aos discursos, temas, questões e valores que circulam e são (re)produzidos nas Comunidades de Base na Zona da Mata mineira desde o final da década de 1960, que, por sua vez, são sentidos vistos também nos movimentos sociais “igrejeiros” da região e além. Palavras-chave: fonte de pesquisa, pesquisa documental, formação político-religiosa, saber registrar, memorabilia. Abstract The aim is to reflect on the Cadernos de Dona Cora – a compilation of manuscripts and printed materials – as first-hand source on the courses of the Movimento da Boa Nova (Mobon) that, directly or indirectly, formed many religious and political leaders in Minas Gerais. After reflecting on the Mobon courses, will seek to describe the trajectory of the Cadernos until its arrival at the NMSPP-CPDA/UFRRJ analyzing their use in three different studies. It will shed light on the question of the importance of documentary research and the existence of documents such as these notebooks for investigations into the struggles and memory of rural workers. The Cadernos made it possible to access the discourses, themes, questions and values that circulate and are (re)produced in the Basic Communities in the Zona da Mata of Minas Gerais since the end of the 1960s, which are also seen in “church” social movements of the region and beyond. Keywords: source of research, documentary research, political-religious formation, knowing how to register, memorabilia. | Submissão: Aceite: Publicação: |
Citação sugerida OLIVEIRA, Fabrício Roberto Costa; TEIXEIRA, Ramon da Silva. Os “Cadernos de Dona Cora” como fonte sobre a formação de lideranças: cursos, anotações e sentidos dos movimentos “igrejeiros” na Zona da Mata de Minas Gerais. Revista IDeAS, Rio de Janeiro, v. 17, p. 1-31, e023002, jan./dez. 2022. Licença: Creative Commons - Atribuição/Attribution 4.0 International (CC BY 4.0). |
“[...] precisamos ter pelo menos um pouco de
conhecimento sobre o que ‘descobrimos’ para que o
feliz momento de serendipidade não passe por nós
sem que sequer o notemos”.
Ana Maria Gonçalves[1]
Introdução[2]
Sem hierarquizar uma fonte (escrita) em detrimento da outra (oral), ou melhor, sem desconsiderar o poder da oralidade como fonte de pesquisa, durante o Seminário de 25 anos do Núcleo de Pesquisa, Documentação e Referência sobre Movimentos Sociais e Políticas Públicas no Campo (NMSPP) do CPDA/UFRRJ se refletiu muito sobre a memória das lutas e dos processos sociais que marcam o campo brasileiro e a importância que todo tipo de papel – ou, nos dizeres de Kopenawa e Albert (2015), as “peles de imagens” com seus “desenhos de escrita” – produzidos pelos agentes sindicais, membros de movimentos sociais, lideranças políticas e comunitárias possuem para a pesquisa em ciências humanas e sociais. São cadernos, notas, atas, relatorias e relatórios, cartas, bilhetes, agendas, rabiscos em cartilhas, livros e cancioneiros, enfim, uma infinidade de documentos que nos fornecem sinais (GINZBURG, 1989) e impedem que as memórias fujam de nosso horizonte de análise na reconstrução da trajetória e do entendimento da transformação histórico-social de determinadas lutas.
Em muitos casos, esses papéis estão perdidos por aí, ou “arquivados” aos montes em “quartinhos nos fundos”, sem o devido cuidado com a preservação, podendo chegar ao “cúmulo” de serem vendidos por quilo para a reciclagem ou utilizados como papel para rascunho[3] ou, em alguns casos, serem usados para acender fogão a lenha – como em situações vistas durante pesquisa de campo realizada entre 2017 e 2019 pelo segundo autor, bem como, no período em que trabalhou com camponeses atingidos pela mineração. Apesar do cuidado com a memória material de alguns interlocutores com quem tivemos contato, esses casos emblemáticos chamam a atenção por evidenciarem que nem todas as pessoas possuem uma noção do valor documental dos seus e dos escritos dos outros e/ou de documentos adquiridos ao longo de sua vivência e formação junto a processos sociais diversos – análise que vale também para atores coletivos (sindicatos, ONGs, associações, movimentos, etc.).
Nesse contexto, é importante refletir e apresentar aos leitores e pesquisadores interessados – sobretudo àqueles dedicados às relações entre religião e política, práticas de formação de trabalhadores e trabalhadoras, sobretudo, advindos do campo – um importante documento resultante de um trabalho cuidadoso e duradouro de registro de um curso que formou e ainda forma lideranças comunitárias e políticas católicas em Minas Gerais. Estamos falando dos intitulados “Cadernos de Dona Cora” que, em seus três volumes elaborados ao longo de 40 anos, reúnem o conteúdo dos cursos do Movimento da Boa Nova (Mobon), “as respostas construídas pelos grupos formados durantes os cursos e, algumas vezes, seus sentimentos em relação ao curso” (OLIVEIRA, 2012, p. 35).
Assim, o objetivo deste artigo é apresentar uma análise sobre a maneira com que os referidos Cadernos foram metodologicamente apropriados nas monografias de final de curso sobre o Mobon, o “trabalho de base” e os saberes-fazeres de lideranças “igrejeiras” (TEIXEIRA, 2020a), sobre o sindicalismo rural em um município da Zona da Mata mineira (TEIXEIRA, 2017) e, principalmente, na tese de doutorado sobre a trajetória e politização do Boa Nova (OLIVEIRA, 2012). Além disso, ressalta a relevância do uso de documentos para estudos a respeito da formação de lideranças católicas e políticas de comunidades rurais do interior de Minas Gerais.
Como foi notado anos mais tarde da primeira apropriação do material de Dona Cora (para a tese), o saber registrar é uma das técnicas que adquirem leigos e leigas[4] que tiveram contato, direta ou indiretamente, com os cursos do Mobon (TEIXEIRA, 2020a, p. 127-140). Nesse caso, registrar por escrito o que se ouve e, especialmente, o que o mediador do curso escreve no quadro se torna importante, para possibilitar a reprodução de seu conteúdo nos cursos “de base” nas comunidades. Os cadernos figuram como uma espécie de “roteiros” que irão guiar as lideranças leigas em seu trabalho comunitário.
Todavia, apesar de hoje já se ter conhecimento de outros cadernos, à época da pesquisa de doutoramento, o “Caderno de Dona Cora” figurava como única fonte conhecida – ou, que se deu a conhecer – para acesso ao conteúdo dos cursos. E ainda hoje figura como único material sistematizado e digitalizado[5] que melhor documenta um longo período de tempo de realização dos cursos do Mobon.
Cora Furtado de Melo, conhecida como Dona Cora, é uma leiga católica que participou de quase todos os cursos do Mobon entre fins da década de 1960 até meados da década de 1990. Nesse período registrou o que viu e ouviu e arquivou todos os materiais impressos utilizados nesse processo de evangelização dos leigos e leigas – uma espécie de “catequese de adultos” –, sobretudo, advindos/as do meio rural. Em outros termos, ela anotava todos os escritos nos quadros das “salas de aula” e espaços formativos, bem como arquivava todos os livros, cartilhas e materiais utilizados durante os cursos.
Estes cadernos estão arquivados no NMSPP-CPDA/UFRRJ. Destarte, O caderno de Dona Cora é uma fonte importante. Sua formação em história contribuiu muito para que valorizasse o arquivamento de tantas informações” (OLIVEIRA, 2012, p. 35). Deste modo, considerando a especificidade e o valor documental sui generis dos Cadernos, este texto revelará características gerais e singularidades desse compilado de “dados” manuscritos.
Os Cadernos são um material vasto e de enorme potencial para pesquisas sobre a formação e atuação de agentes de Comunidades Eclesiais no meio rural. São documentos que falam sobre um perfil de catolicismo que foi relevante para atuação de lideranças de uma vertente “igrejeira” dos movimentos sociais (SANCHIS, 1990), isto é, lideranças católicas em diversos Sindicatos de Trabalhadores Rurais (STRs) e diretórios municipais de partidos de esquerda, sobretudo, do Partido dos Trabalhadores (PT), do Vale do Rio Doce e da Zona da Mata mineira.
O artigo se divide em duas partes. Na primeira vamos caracterizar o Mobon e seus cursos, ressaltando o contexto de emergência desse movimento religioso e o propósito de seus cursos de formação de lideranças. Na segunda parte abordaremos como foi o “encontro” dos Cadernos com o pesquisador e como se deu a chegada deles ao NMSPP-CPDA/UFRRJ, bem como a maneira com que foram apropriados como fonte importante em três trabalhos, sobretudo, em uma tese de doutorado. Por fim, nas considerações finais retomaremos as problemáticas trabalhadas ao longo do artigo e aprofundaremos a reflexão sobre a importância dos Cadernos como fontes de pesquisa de primeira mão (GIL, 1991, p. 51).
O Mobon, seus cursos e a formação de lideranças religiosas
O Mobon, organização católica fundada pelos missionários sacramentinos de Nossa Senhora no interior da Diocese de Caratinga, Minas Gerais, que se auto intitula um movimento religioso, foi formado no final da década de 1960 e continua atuante até os dias atuais. Sua dinâmica se centra na promoção de cursos católicos para leigos com o objetivo de fornecer conhecimentos bíblico-religiosos, estimulando-os a viverem organizados em “pequenas comunidades religiosas, em torno da reflexão da Palavra de Deus” (ARAÚJO, 1999, p. 20). Suas características se assemelham às Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), formadas por agentes católicos, sobretudo, a partir da década de 1960, em decorrência do aggiornamento da eclesiologia católica pós-Concílio Vaticano II (1962-1965) empreendido por alguns setores da instituição.
Os leigos que participam dos cursos do Mobon são estimulados a reproduzirem as concepções aprendidas, tornando-se assim membros do movimento com capacidade de potencializar a divulgação dos cursos para novos contingentes de católicos em suas “bases” ou, em missão, em outras comunidades. De outro modo, os cursos:
[...] devem ser replicados em massa, isto é, quem participa deles torna-se responsável por reproduzi-los nas comunidades. Geralmente esse repasse é feito numa espécie de “mutirão missionário” (GOMES; ANDRADE, 2011, p. 59), ou seja, os missionários, em duplas (geralmente, 1 homem e 1 mulher) ou trios, reproduzem o que aprenderam em suas ou em outras comunidades da paróquia a qual pertencem e/ou outras paróquias. Esses cursos replicados acontecem nas casas de cursos ou salões paroquiais, com duração entre 1 a 3 dias, geralmente nos finais de semana e reúnem em média 20 pessoas. [...] (TEIXEIRA, 2020a, p. 100, destaque do autor).
Esses cursos têm como títulos “Preparação para Semana Santa”; “Curso de Natal”; “Religião e Política”; “Campanha da Fraternidade”, dentre outros. A viabilização dos cursos sempre passa pelo interesse do padre e os temas podem variar em função da demanda dos leigos, dos interesses dos missionários, de um pedido do bispo etc. Enfim, há processos sociais de negociação entre os grupos católicos, que tanto podem promover novos cursos como decidir que alguns cursos não sejam mais ministrados.
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Na década de 1970, na Zona da Mata mineira, os párocos encontravam dificuldades em atender ao público católico. Esta era uma questão muito geral do catolicismo no Brasil. Escrevendo nesta mesma década, Della Cava (1975) afirma que muito desta dificuldade se devia ao número pequeno de padres em relação ao número total de habitantes. Como escreveu:
[...] para 100 milhões de habitantes existem cerca de 12.500 padres, dos quais quase 50% são de estrangeiros (em 1946 só um terço era de estrangeiros). A paróquia típica de um padre brasileiro é oito vezes maior do que a de um americano ou um alemão ocidental e doze vezes maior que a de um espanhol. O atual déficit de 20.000 clérigos não pode ser preenchido nem pela ordenação anual de 86 clérigos, nem pela importação de padres estrangeiros, que também está em declínio. Enquanto isso, a única estatística a aumentar é a da média de idade dos padres (DELLA CAVA, 1975, p. 22).
Como havia dificuldades de atender ao público, acreditava-se que era importante contar com lideranças bem formadas, por meio de orientações católicas, que pudessem reproduzir as concepções dos párocos e potencializar a presença do catolicismo em diferentes regiões das paróquias. Essa concepção favorecia a expansão do trabalho de formação de leigos do Mobon para grupos rurais. Padre Gwenael Kerandel, que trabalhava na Zona da Mata mineira, contribuiu com este processo e deixou sua visão registrada.
Ele queria trabalhar com os grupos leigos e instruí-los como forma de se fazer representado nas diversas regiões da paróquia. Alípio Jacinto da Costa e João da Silva Resende, fundadores do Mobon, eram (e continuam sendo) responsáveis pela formação do movimento e ministravam os cursos. Um destes cursos foi acompanhado pelo padre Gwenael e lhe chamou atenção o fato de ter se deparado com “camponeses humildes” discutindo religião e seus problemas (KERANDEL; DEL CANTO, 1977). Esses “camponeses humildes” eram pequenos proprietários de terras que trabalhavam pelo sustento junto de suas famílias que, em geral, eram numerosas. Por vezes, trabalhavam como “meeiros”[6] ou diaristas para proprietários que possuíam maiores quantidades de terras e poder aquisitivo.
Na paróquia em que Gwenael trabalhava (Eugenópolis-MG), treze dos quinze mil habitantes viviam na zona rural. O público de suas paróquias era muito parecido com os “camponeses humildes” que viu discutindo problemas de evangelização no curso do Mobon. Padre Gwenael acreditava que o Boa Nova “atuava exclusivamente no campo da pastoral rural e se percebia claramente que conhecia a mensagem e a linguagem camponesa: acreditava no povo” (KERANDEL; DEL CANTO, 1977, p. 26).
Sem querer apontar com isso uma necessária exclusividade, o Mobon tem atuação destacada em pequenas cidades, com ampla participação da população rural em seus cursos. A aproximação com o meio rural foi facilitada pela forma popular de comunicação que busca dialogar com a realidade imediata e concreta de seus participantes (OLIVEIRA, 2010, 2015; TEIXEIRA, 2020b), abordagem que foi potencializada pelas transformações capitaneadas pelo Concílio Vaticano II.
Alípio Jacinto, ressalta que a marca do Mobon é não fazer palestra, mas, realizar um “trabalho explicando e conversando com o povo e pedindo a opinião do povo” (informação verbal)[7]. Tudo isso, na época era “uma novidade [...]. As comunidades discutindo a religião com a Bíblia na mão” (COSTA, 2009, p. 3).
Esta prática social era formativa de uma camada de lideranças religiosas socialmente engajadas. A utilização de uma linguagem popular, geralmente, envolvia pessoas com poucos anos de escolarização formal, ou mesmo que nunca haviam frequentado escolas. Nesse cenário, é necessário pensar criticamente os contextos socioculturais e comunicativos, levando-se em conta a desigualdade de distribuição dos bens culturais (HANKS, 2008). Neste sentido, “a competência textual reproduz assimetrias sociais e econômicas, tornando-se uma forma de capital simbólico controlado, acumulado e distribuído hierarquicamente” (HANKS, 2008, p. 192).
Dito isso, os missionários do Mobon propõem uma formação que poucas escolas e grupos sociais se dispõem a realizar, tendo em vista que esses mediadores para organizar o conteúdo dos cursos do Mobon levam em conta a necessidade e o interesse do público receptor na busca pela adequação do discurso sobre determinado tema a ser discutido em seus cursos. Ditame esse que se fundamenta em uma pedagogia dialógica, tal como orientada por Freire (2017 [1968]). Como se expressou João Resende, a noção de que “antes de ensinar matemática ao Pedro, conheça o Pedro” marcou muito os missionários envolvidos com o Boa Nova (informação verbal)[8]. Maneira de proceder que pressupõe, portanto, “a escuta do povo” e a observação atenta e sistematizada dos “relacionamentos homem-mato” (BRANDÃO, 1999, p. 81) dos “pequenos” (pequenos proprietários, meeiros e sitiantes), em sua relação produtiva e afetiva com a/“na natureza”.
As pessoas que se adequavam melhor à linguagem e às práticas do Mobon se tornaram lideranças. Como relatou padre Gwenael:
Depois de um certo tempo, observando os que participam das reuniões e celebrações se nota que em cada pequena comunidade surgiam alguns com qualidades de líderes: saber relacionar com o povo, são aceitos, compreensivos, pacientes, perseverantes e demonstram interesses pela comunidade (KERANDEL; DEL CANTO, 1977, p. 28).
Essas características das lideranças locais podem ser pensadas a partir das concepções de Melucci (1996). Segundo o sociólogo, há a necessidade de uma identificação do grupo com o líder que precisa ser habilidoso para garantir a coesão e interação entre os membros. De acordo com esse ponto de vista, o pré-requisito para se tornar um líder é internalizar e valorizar as normas do grupo. Em outros termos, “lideranças precisam representar e defender [...] valores normativos” do grupo (MELUCCI, 1996, p. 342).
No processo de formação de lideranças leigas dois cursos eram fundamentais: o pré-Boa Nova e o Boa Nova. Esses dois cursos, possuem o objetivo de aprofundar a formação dos “leigos que despontam, por sua atuação, como líderes comunitários” (ARAÚJO, 1999, p. 36). Isto é, considerando o que foi apontado por Hanks (2008) e Melucci (1996), qualificar a formação daqueles que “participaram do cursinho de base em suas comunidades e deram mostras de um bom aproveitamento” (Ibid.).
[...]. Os cursos de pré-Boa Nova e Boa Nova têm lugar num centro de formação e são ministrados por religiosos ou missionárias consagradas. O conteúdo do curso de pré-Boa Nova é catequético: são abordadas as questões básicas da fé e fornecidos esclarecimentos gerais. Já o curso de Boa Nova procura despertar o leigo para a liderança, levando-o a assumir responsabilidades pastorais na sua comunidade. Assim, nascem os coordenadores de comunidade, os catequistas, os plenaristas, etc. Vale dizer que há também cursos de aprofundamento específicos para os vários ministérios leigos existentes. É importante ressaltar que não se trata, aqui, de cursos que dêem diplomas ou que “qualifiquem” no sentido usual da palavra. Naturalmente, há transmissão de conteúdos, há comunicação de informações. Mas, sobretudo, o que se transmite é este espírito do Boa Nova, este jeito novo de ser Igreja, que temos tentado desenhar (ARAÚJO, 1999, p. 36-37).
Apesar dos cursos não renderem diplomas aos participantes, é possível observar uma diferenciação entre as pessoas “dos cursos” e os outros, não participantes. As diferenciações dos principais líderes frente aos demais membros das comunidades são construídas ao longo do processo de formação. Os que participam dos cursos se tornam “plenaristas” (ARAÚJO, 1999), sendo responsáveis por coordenarem os plenários dos grupos de reflexão e ministrarem os cursinhos de base em sua e em outras comunidades.
Assim, passam não só a ter contato, mas a difundirem a “pedagogia de Jesus” – a pedagogia dialógica do Mobon – que deve “tocar o coração para abrir a mente” (TEIXEIRA, 2020a, p. 149-150). Ao terem contato e exercitarem um conjunto de saberes (como reunir, falar, escutar, ler, estudar, celebrar, fazer mística e, o que mais nos interessa neste artigo, registrar) (TEIXEIRA, 2021a) se tornam lideranças, alcançam novos conhecimentos, circulam mais ao participarem de um número maior de cursos, adquirem maior habilidade de argumentação, constroem relações de amizade e cooperação com pessoas de fora da comunidade, dispondo desse modo de mais contatos, poder de mobilização e informações de localidades distantes.
Nos cursos acontece uma mediação que procura anunciar decisões e motivações “pré-proclamadas” que pode levar as leigas e os leigos a pensarem de acordo com pressupostos dos missionários. Situação que nos remete à concepção de Neves (2008), segundo a qual os agentes de desenvolvimento que agem como mediadores políticos “desenham comportamentos sociais correspondentes a uma almejada sociedade (pré-proclamada)” (NEVES, 2008, p. 35). No caso do Mobon, os cursos podem ser vistos como principais “veículos para a mensagem” (THEIJE, 2002, p. 310) “da libertação” dos missionários sacramentinos de Nossa Senhora – sintetizada no fragmento do livro utilizado no Curso de Preparação para o Natal de 1986, “A Caminhada de Jesus” (1985):
[...] Fé sem obras é morta (Tiago 2, 14). [...] A oração é assumir a vida que estou levando. É ver se essa vida está de acordo com o projeto de Deus. Oração é contemplar Deus na realidade. Não podemos reduzir a oração a uma simples conscientização. Fé e vida devem se misturar. Não podemos cair na tentação de batizar o ativismo como oração. O animador de comunidade e a própria comunidade que não fertilizarem seus trabalhos na intimidade com o Pai, não terão forças para fazer a libertação. (MOVIMENTO DE EVANGELIZAÇÃO DA DIOCESE DE CARATINGA [MEDC], 1985, p. 8).
O formato do curso é como uma “aula”, em que o mediador explica o texto do “caderninho com o roteiro do curso”, provoca e faz perguntas aos cursistas. É nesse momento que leigos e leigas, em geral, utilizam pela primeira vez o roteiro, aprendem ou reforçam o saber falar e escutar e ouvem sobre a importância de darem “testemunho” em suas comunidades sobre o que aprenderam durante os dias nos centros de formação.
Figura 1 – Os cursos do Mobon ontem e hoje: à esquerda, João Resende, de pé, em frente ao quadro negro em 1970. Á direita, o missionário ministra sua “aula” durante um curso em 2018.
Fonte: Respectivamente, Araújo (1999, p. 46) e Teixeira (2020a, p. 124).
O depoimento a Rudá Ricci (2002) de José Maria Pinto da Silva, uma destacada liderança da Zona da Mata de Minas Gerais, é interessante para ajudar a refletir sobre a influência dos cursos e o trabalho Mobon na região:
Esse processo teve uma grande transformação cultural com a formação das comunidades. Até nesse momento, existiam as comunidades de uma outra maneira. Nesse trabalho das Cebs com o Mobon, cada vizinhança do meio rural construiu sua capelinha, fundando uma comunidade. Foi a época que saiu do terço, da reza tradicional que era o terço, ladainha, fazia promessa ao pé do Cruzeiro para carregar a pedra, molhar o pé do Cruzeiro para chover. Era esse tipo de religiosidade que tinha: Folia de Reis, Congado. [...] Uma grande novidade foi a leitura da Bíblia. Começou a popularizar a leitura da Bíblia, até nesse momento quem comandava a região era um fazendeiro, uma professora. Naturalmente um padre e um professor quando tinha. E era proibido ler a Bíblia (RICCI, 2002, p. 116-117).
Esse depoimento aponta para uma mudança cultural de grande alcance na vivência religiosa e social, ressaltando que a leitura da Bíblia pelos leigos era uma novidade naquela região. Esse processo de formação de leigos mediado por leituras da Bíblia, que se expandiu com a atuação do Mobon, iniciou-se com o Movimento de Apostolado dos Pioneiros do Evangelho (Mape) fundado pelos missionários sacramentinos no final da decáda de 1950, em uma época em que prevaleciam na região os confrontos apologéticos entre protestantes e católicos. De outro modo:
O movimento de formação bíblica dos leigos na diocese de Caratinga (MG) no período pós-conciliar surgiu como reação ao hábito dos protestantes lerem Bíblia e frequentemente debaterem com católicos, especificamente nas cidades de Alto Jequitibá e de Manhumirim. As interações entre católicos e presbiterianos foram causas do surgimento do Mape (Movimento Apostólico Pioneiros do Evangelho). Este movimento católico [...]. [...] tem como marca a antecipação do movimento bíblico que se formaria na Igreja Católica no período após o Concílio Vaticano II (GAMITO, 2017, p. 66).
Em detrimento das investidas protestantes contra a doutrina católica, o objetivo do Mape era estimular entre os leigos a leitura da Bíblia para que obtivessem argumentos para defender “com versículos” o catolicismo. Esse processo deu origem ao movimento de formação bíblica de leigos e leigas que, em consonância com o Concílio Vaticano II, que estimulava a formação e acesso dos leigos à Bíblia (OLIVEIRA, 2010), “num desdobramento da dinâmica do MAPE” (ARAÚJO, 1999, p. 64), fez surgir o Mobon e essa “grande novidade” entre os católicos das comunidades rurais.
Outra novidade eram as lideranças das comunidades viajarem para participarem e ministrarem cursos, oportunidade que construiu relações sociais para além da comunidade, possibilitou o conhecimento de outras realidades e vem construindo relações de confiança dos padres para com os leigos e vice-versa, e das lideranças com sua e as demais comunidades da paróquia de que fazem parte. Estas habilidades do líder são sempre colocadas à prova, os líderes dependem disso para manterem essa função (MELUCCI, 1996).
Uma assertiva que ajuda muito a pensar estes contextos de formação e consolidação de líderes é uma rede de pessoas articuladas. Ou seja,
[...] a existência de uma rede de associações ou comunidade facilita a emergência de uma liderança. Porque uma rede de filiações e socialização pode prover um treinamento onde as habilidades necessárias para a emergência de uma liderança podem ser aprendidas, e porque essa rede pode lhe fornecer recompensas na forma de solidariedade e valores, o que encoraja o líder a assumir os riscos associados com sua posição (MELUCCI, 1996, p. 335).
Os debates nos cursos, as vivências comunitárias e os estímulos religiosos são elementos importantes no processo de formação e encorajamento das lideranças religiosas do Mobon para adquirirem maiores capacidades de argumentação e convencimento e se posicionarem socialmente. Nos cursos as lideranças em formação são estimuladas a falarem e exporem suas ideias:
Procuramos todos os meios de provocar o diálogo entre os nossos participantes. Procurávamos levar o grupo a discutir questões religiosas entre si para nascer daí maior interesse pela religião. Fazíamos perguntas como esta: Você é católico por quê? Isto provocava muita reflexão e tomada de consciência de nossa responsabilidade pessoal pela nossa entrada na Igreja, por um batismo que recebemos, mas não assumimos (COSTA, 2009, p. 4).
Os diálogos são momentos importantes de formação de uma pessoa que passa a ter acesso a novas ideias e formas de ver o mundo. No fim, o objetivo é que este debate gere interesse pela religião e maior compromisso com o catolicismo e a comunidade “de irmãos e irmãs na fé”. Estes momentos coletivos são fundamentais para que as lideranças se sintam engajadas no movimento e sejam capazes de tomar decisões públicas:
E na conversa vão surgindo outras idas e é aí que a coisa vai crescendo. Eu acho muito forte esse trabalho do Boa Nova – e é mais uma pedagogia de levar o pessoal a abrir a boca. Vai criando uma consciência crítica e ele vai abrindo a boca e se comprometendo. E são importantes então aqueles pequenos debates no Plenário, porque quem fala, quem debate, já é qualquer coisa importante, né? A pessoa se sente gente, se sente mais capaz. E a partir daí criando outras coisas, vai partindo para outras organizações mais concretas – uns caminham menos, outros caminham mais, é aquele vai e vem de comunidade que todo mundo conhece (informação verbal)[9].
Nos momentos de debate, as pessoas acabam hierarquizando o que devem e o que não devem falar. Esta prática de seleção do que dizer e não dizer, ou melhor, de refletir sobre o momento certo de manifestar opiniões, é característica de um processo de seletividade que reflete nas práticas cotidianas dos agentes. Os cursos promoviam reflexões que poderiam levar os leigos a relativizarem ideias pré-concebidas, o que favorecia o aprimoramento da habilidade argumentativa e a apreensão de uma nova visão de mundo. Padre Gwenael afirmou que:
O importante nesse curso não são tanto os temas. O importante é a reflexão que ele pretende proporcionar. Nesse curso, o debate é importante. Quem vai chegar às conclusões são os próprios participantes e não os dirigentes. Por isso a participação ativa é indispensável. Todos têm que participar do diálogo, tanto nos grupos como no plenário (KERANDEL; DEL CANTO, 1977, p. 39).
Enfim, as reflexões e os debates eram estratégias para fazer os leigos falarem em público, expondo sua forma de pensar e participando mais ativamente da vida religiosa. Seria uma forma de “forçar o leigo” a falar, pois, na visão dos fundadores, a “participação ativa é indispensável”. As pessoas discutem os temas nos grupos e depois suas opiniões em plenário. Neste caso, os grupos se esforçam para darem melhores respostas e defender com afinco seus pontos de vista. É uma atividade que promove o desenvolvimento de argumentos, o poder de convencimento e a visada em possíveis soluções para problemas vividos pelas comunidades rurais e pela sociedade de modo geral.
Ao longo do tempo, do ponto de vista de um movimento pretensamente de cunho religioso, gerou-se uma série de resultados inesperados, isto é, empreendimentos comunitários e/ou associativistas com vistas a “ajudar o outro” (THEIJE, 2002, p. 270-271). Além dos sindicatos e da atuação político-partidária, direta ou indiretamente, a ação do Mobon, ajustada situacionalmente por aqueles que “fazem a luta”, deu origem a cooperativas (cf. SILVA, M. G., 2010; FREITAS, FREITAS, 2013); motivou a “conquista de terras em conjunto” (cf. VILLAR, 2014; CAMPOS, 2006); serviu como uma das bases para a construção do ‘Movimento Agroecológico’ (cf. CINTRÃO, 1996; VILLAR et. al, 2013; SILVA, M. G., SANTOS, 2016; SILVA, M. G. 2017b) bem como, contribuiu para o desenvolvimento da Pastoral da Saúde e da Homeopatia na Zona da Mata (cf. RIBEIRO; COELHO; TEIXEIRA, T. H., 2015); foi parte importante para o desenvolvimento do Movimento dos Atingidos por barragens (MAB) no Alto Rio Doce (OLIVEIRA; ROTHMAN, 2008); entre outros resultados. (TEIXEIRA, 2020a, p. 93).
Lendo, interpretando e socializando a leitura da Bíblia associada às questões sobre os “fatos da vida”, as lideranças aprenderam a falar em público, defender um ponto de vista, além de avaliar e agir em busca de uma solução para os problemas sociais. Esses processos de formação foram e são estímulos à leitura e ao estudo bíblico, e implicam no comprometimento dos agentes sociais – baseado na crença “na autonomia para a resolução de problemas” (THEIJE, 2002, p. 26) – com o futuro da sociedade em que estão inseridos.
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Além dos saberes reunir, falar, escutar, ler e estudar analisados acima, tendo em vista que neste artigo interessa-nos evidenciar as formas de utilização de um material manuscrito que documenta a memória destes cursos e, consequentemente, os processos de formação de lideranças em Minas Gerais, vale ressaltar a importância de um saber-fazer específico que os leigos e leigas adquirem ou aperfeiçoam em contato com o Mobon, e que se torna essencial para se tornarem lideranças e exercerem seu trabalho de “plenaristas”: o saber registrar.
Referimo-nos ao ato de registrar por escrito o que se ouve, se discute nos grupos e na frente da “sala de aula” e, principalmente, o que o mediador do curso escreve no quadro. De outro modo, durante os cursos, alguns leigos ficam atentos ao que está sendo dito pelo mediador (comparações, orientações, exemplos da vida) e/ou pelos demais cursistas nos momentos de trabalho de grupo e de discussão em plenário (respostas às perguntas da “chave de leitura”, por exemplo). Como escreveu padre Gwenael, “Muitas vezes a exposição de um tema termina ilustrada por um desenho idealizado a fim de sintetizar as ideias mais importantes” (KERANDEL; DEL CANTO, 1977, p. 39), assim, a maioria dos/as cursistas anotam o conteúdo das conversas, bem como reproduzem os desenhos que são feitos por João Resende no quadro em seus cadernos, agendas e no próprio livrinho do curso.
Figura 2 – Os cursos do Mobon e o saber registrar: escrevendo e gestando cadernos de cursos.
Fonte: Os autores (2022).
Esse saber é fundamental para possibilitar a reprodução, durante os cursos “de base” nas comunidades, do conteúdo básico dos cursos de aprofundamento que as lideranças participam nos centros de formação. Junto com o livrinho de curso, as anotações figuram como uma espécie de “roteiro” que os guia em seu trabalho comunitário. Seguindo a trilha de Comerford (1999), pode-se dizer que as notas geradas durante os cursos, em momento posterior (“pós-reunião”) circulam em determinados espaços (como em reuniões de grupo de reflexão, de conselho pastoral e nos cursos de base) gerando “novas interpretações e efeitos a partir das reuniões”, ou atuando ainda “como uma espécie de ‘comprovação’ ou registro oficial, cuja simples existência pode ser invocada em determinadas circunstâncias” (COMERFORD, 1999, p. 57).
Esse saber é o principal canal para a transmissão da mensagem “da libertação” do Mobon. É por meio da memorização das conversas durante os cursos de aprofundamento – cujo registro de palavras e desenhos para alguns cursistas é de extrema importância – e de sua posterior discussão nas bases, que são (re)elaborados os mandamentos morais sobre o que representa “ser comunidade”, ser cristão “engajado” e “consciente” – valores que formaram lideranças comunitárias, sindicais e de movimentos sociais. Não só. Saber registrar irá se transmutar em um saber fazer relatório, relatorias e atas, tão importante em reuniões dos diversos movimentos, associações comunitárias, pastorais sociais da Igreja Católica e partidos políticos nos quais os camponeses se filiaram. Em síntese, esta é uma das formas pela qual se perpetuam as coisas. É a partir desse hábito que o movimento conta sua história, dissemina suas ideias e se abre à transformação constante (TEIXEIRA, 2020a). Nesse sentido, a seguir falaremos de um material exemplar, os intitulados “Cadernos de Dona Cora”.
A chegada dos “Cadernos de Dona Cora” ao NMSPP e sua apropriação em pesquisas em Ciências Sociais
Cora Furtado de Melo, a Dona Cora, da cidade de Iapu-MG, nascida em 1934, é uma liderança religiosa conhecida na cidade e foi uma das mais assíduas frequentadoras dos cursos do Mobon entre fins da década de 1960 à meados da década de 1990, período em que produziu seus cadernos. Ela estudou magistério, quando se chamava curso Normal, se graduou em história em 1974 e em seguida, pedagogia. Sempre foi conhecida pelos colegas e missionários do Mobon, pelo capricho nas anotações e cuidados com os materiais dos cursos. Como dito, os cursos do “Boa Nova” eram replicados nas comunidades, esse foi um dos fatores que a estimulava a anotar e guardar os materiais. O fato de ser professora, com formação em história, foi importante para que tivesse sensibilidade com os documentos. Frequentemente, ela era procurada por outras pessoas a respeito de dúvidas sobre os materiais dos cursos e sobre o que tinha se passado na Casa do Mobon, o principal centro de formação do movimento em Dom Cavati, o que retroalimentava os cuidados com os materiais.
Esse reconhecimento coletivo de que era cuidadosa com os materiais dos cursos foi fundamental para que tivéssemos o primeiro contato com Dona Cora. Na Casa do Mobon informaram que se se quer estudar o Boa Nova, seria importante procurá-la. No primeiro encontro do primeiro autor com Dona Cora, ela buscou todos cadernos e os apresentou. Disse que era um material que ela guardava com muito carinho da sua atuação no Mobon, mas, que familiares viam aqueles cadernos de folhas amareladas como uma “tranqueira”. Na ocasião, o pesquisador em trabalho de campo explicou a ela que aquele material e todo o seu tempo de trabalho e de vida dedicados a escrevê-los e organizá-los teria um papel muito importante para a pesquisa sobre o Mobon e a politização do movimento que se estava desenvolvendo naquele período e, possivelmente, para muitos outros estudos.
A liderança entregou o material para que se pudesse estudá-lo e, posteriormente, fosse entregue na Casa do Mobon como doação para o acervo do movimento[10] e para que ficasse disponível para consulta pública. É um material que registra décadas de trabalho de evangelização do Mobon, movimento tão importante na formação milhares de pessoas, sobretudo, no Vale do Rio Doce e na Zona da Mata de Minas Gerais.
Trata-se de uma documentação com enorme riqueza de detalhes a respeito dos cursos e, por conseguinte, sobre a formação de lideranças religiosas, ou, “igrejeiras”. Hoje os cadernos físicos se encontram aos cuidados dos missionários sacramentinos na Casa do Mobon, em Dom Cavati-MG. Neles estão armazenados e datados dezenas de pequenos livros utilizados nos cursos e papeis impressos entregues durante os cursos – muitos deles que não eram encontrados nem mesmo no acervo do Mobon, que foi quem organizou e publicou os mesmos –e outras reuniões de que participou Dona Cora. Além de registradas as anotações, esquemas e desenhos feitos no quadro durantes os dias de cursos.
Figura 3 – Foto de dois volumes (de um total de três) dos “Cadernos de Dona Cora”.
Fonte: Os autores (2009).
Como se refletiu em outra oportunidade, os Cadernos podem ser classificados como “coisas-de-registro-escrito-da-memória”, isto é, uma classe de coisas “composta por cadernos, blocos, livretos de curso e agendas” (TEIXEIRA; RABELO, 2018, p. 632). Em outras palavras, tratam-se de artefatos materiais e afetivos (memorabilia)[11] de um saber registrar aprendido durante os cursos de formação de lideranças promovidos pelo Mobon.
Atentando-se para o valor documental dos Cadernos, avaliou-se ser muito interessante, para a conservação dos dados neles contidos e para a ampliação do acesso a um público maior, que eles fossem digitalizados e disponibilizados na internet para a pesquisa. Assim, na condição de estudante de doutorado do CPDA/UFRRJ, o pesquisador levou o material para que a professora Leonilde Sérvolo de Medeiros pudesse analisá-lo. Ela considerou o material muito rico e solicitou orçamentos para que se pudesse fazer a sua digitalização e hospedagem no site do NMSPP. Depois de muita procura, idas e vindas, foram encontrados profissionais interessados em digitalizar os Cadernos e Leonilde conseguiu recursos da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ) para arcar com as despesas.
Hoje os três “Cadernos de Dona Cora” se encontram hospedados no sítio do referido núcleo de pesquisa, documentação e referência do CPDA/UFRRJ (www.nmspp.net.br). Especificamente, os arquivos se encontram na aba “acervo”, no setor “documentação” e foram indexados no conjunto temático “Igrejas”, “composto por documentos que relacionam a temática dos movimentos sociais e políticas públicas no campo com a ação das Igreja”, conforme informado na página que abre essa sessão da busca.
Figura 4 – Os “Cadernos de Dona Cora” digitalizados e hospedados no site do NMSPP-CPDA/UFRRJ.
Fonte: Os autores (2022).
Os referidos Cadernos foram utilizados, em diálogo com outras fontes, para enriquecer as análises na pesquisa de doutorado do primeiro autor sobre o Mobon (como movimento religioso) e sua relação com a formação de comunidades e o engajamento político de lideranças religiosas (OLIVEIRA, 2012). Anos mais tarde, por meio de “uma dinâmica de transmissão de bens e conhecimentos concebidos como ‘heranças’” (MAIA, 2019 apud MENEZES, 2021, p. 570) esses Cadernos foram sugeridos pelo pesquisador – na condição de professor de uma universidade pública e membro de banca de defesa – ao segundo autor deste artigo como fonte de pesquisa incontornável para conferir uma melhor contextualização para uma pesquisa sobre a prática política de um STR de um município do interior da Mata mineira (TEIXEIRA, 2017). Em outra oportunidade, em meio a outras fontes, os Cadernos foram consultados para uma pesquisa sobre o Mobon, o “trabalho de base” e os saberes-fazeres acessados e reinventados por lideranças “igrejeiras” dos movimentos sociais na Zona da Mata e além (AUTOR, 2020).
Os “Cadernos de Dona Cora” contribuíram com subsídios que fundamentaram argumentos que tornaram os estudos mais abrangentes na descrição, explicação e aprofundamento das temáticas propostas. Dando maior ênfase à tese – que se valeu mais frontalmente dos Cadernos –, a seguir abordaremos as experiências de pesquisa mencionadas e discorreremos sobre como foram utilizados os arquivos de Dona Cora e como colaboraram para as análises realizadas por cada pesquisador. No contexto da tese nos amparamos na argumentação de Klandermans, Staggenborg e Tarrow (2002, p. 315) e Bernardo (1998) que aponta para a importância da utilização de múltiplos métodos em pesquisas. Assim, os relatos orais, os livros de tombo das paróquias que estudamos e outros documentos do Mobon estiveram em constante articulação naquele contexto. Como se demonstrará a seguir, os Cadernos enriqueceram a compreensão sobre a emergência e transformação do Movimento da Boa Nova em direção à sua politização.
Os cursos do Mobon, em fins da década de 1960, se tornaram efetivos no propósito de divulgar proposições advindas do Concílio Vaticano II. Neste sentido, os fundadores do Mobon, Alípio e João Resende, ministraram um curso chamado “Boa Nova ao Evangelho”, em 1970. Neste curso foram enfatizadas as seguintes questões norteadoras: “Com o trabalho dos leigos precisamos do padre como antigamente? Por que?”[12]. A resposta foi “Não, porque os leigos tomarão parte ativa na Igreja”[13]. As perguntas e respostas denotam a valorização do trabalho dos leigos e a necessidade de mudanças na forma de trabalhar dos párocos. Durante o trabalho de campo, por mais que os leigos com que se estabeleceu contato dissessem a respeito dessas transformações, sem essas anotações de Dona Cora dificilmente teríamos a efetiva dimensão de como o tema foi trabalhado à época de sua primeira aparição no mundo e como as pautas dos cursos foram se transformando.
No mesmo curso foi lançada outra pergunta: “a) O povo não conhece o Evangelho é por má vontade ou por falta de ensino? Por que?” e a resposta foi “a) Por falta de ensino; não havia quem ensinasse”[14]. Resposta que ressalta a necessidade de aprendizados dos leigos e deixa subtendida uma crítica ao período em que “não havia quem ensinasse”.
Os missionários estavam engajados no propósito de divulgar a concepção de que a Igreja Católica passava por uma renovação:
I a) Quem já está por dentro da Renovação precisa do Curso de Evangelização? Por que?
b) O nosso modo de praticar religião antigamente “cevava” os outros? Por que?
Respostas
I a) Sim; porque necessitamos de aprender mais.
b) Não, porque era ministrada pelos dirigentes, mas não era participada pelo povo[15].
A primeira questão reforçava que a Igreja Católica passava por transformações e que seria importante as pessoas de “dentro da Renovação”, continuarem participando dos cursos. Entende-se que havia católicos “de fora” da renovação e que no catolicismo pré-conciliar não havia participação “pelo povo”.
Neste curso, além das anotações feitas por Dona Cora, havia um livro com conteúdo dos cursos em que se destacava a importância fundamental das comunidades:
A vida comunitária é de importância capital
- O homem não vive isolado.
- O cristianismo exige vida comunitária
- Os convertidos precisam do apoio da comunidade
- A fé necessita de ambiente: de vida, de diálogo, de comunidade.
Vantagens de Comunidades Pequenas
- Conhecimentos profundos
- Todos tem sua vez.
- Amizade
- Valorização da pessoa
- Sentido mais profundo da vida
- A comunicação é mais autêntica.
- A comunidade é estímulo para o homem.
- Faz crescer em forças desconhecidas.
- Leva a se expandir.
- Dá-lhe disposição e otimismo para o trabalho.
- Na comunidade deve haver:
- Participação – Ambiente de família – Confiança – Liberdade –Aceitação – Muita solidariedade[16]
A comunidade é representada como o ambiente de apoio entre os cristãos “convertidos”, em um ambiente de otimismo, solidariedade e confiança coletiva. Esses estímulos foram importantes para a legitimação e estímulo da formação das CEBs. Nelas, haviam lideranças que se destacavam pelas capacidades de participação nos cursos e de mobilização e atuação junto às comunidades. Neste sentido, os cursos e a consolidação das comunidades redundavam na formação de lideranças.
Na Preparação para Semana Santa de 1975 são ressaltadas características que deveriam ser evitadas pelas lideranças comunitárias. Por meio de uma linguagem contendo elementos simbólicos do universo rural, os missionários que ministram o curso enfatizam as expectativas do Mobon. Assim foi utilizada a metáfora de uma galinha choca:
Líder Galinha Choca
- come pouco (da palavra)
- não serve para comer (não desenvolve)
- magra (não alimenta ninguém)
- piolho (solta problemas nos outros)
- bica (agressiva reage)
- choca as pernas (não produz nada)
- estraga o ovo (não valoriza nada)
- rebenta o balaio (estraga a comunidade)
- põe a outra pra correr (perde os ovos)
- anda pouco (não trabalha)
- suja o terreiro (é dominador)
- não põe ovos (comunidade pifa)
- febre (tudo está ruim)
Reflexão
Em 75, vamos desempirrilhar a galinha choca?[17]
O termo “galinha choca” é muito usado como crítica a pessoas de difícil convivência. Na fase de chocar, galinhas bicam pessoas, não engordam, não botam, enfim, elas têm todos os adjetivos propostos acima, que, nesse caso, foram transpostos para classificar pessoas e apontar a necessidade de melhorarem a convivência. Dessa forma, preza-se por uma linguagem didática e de fácil entendimento. Por fim, foi colocada uma reflexão convocando as lideranças para “desempirrilhar a galinha choca”, ou seja, levá-las a uma vida mais produtiva, o que seria um estímulo ao trabalho de líderes religiosos.
Na entrevista com João Rezende foi possível ouvir algumas metáforas e sobre sua relação com os leigos:
O Missionário não é o que despeja. A gente usava a comparação, que a gente não podia ser caminhão basculante, que ao chegar no monte de terra, dar as costas ou de banda e a cara fica pra lá e depois que encheu tan... tan... tan e vai embora. E chega lá no buraco, ele chega de ré, entorna. A gente foi percebendo que a pedagogia de Jesus, não é a pedagogia do despejo, mas chegar de frente e tocar o coração da pessoa, quando toca o coração a cabeça abre (informação verbal)[18].
O missionário afirmou que a relação com os leigos precisava ser de maior proximidade e, em outro momento da pesquisa, afirmou que o “fácil era falar difícil e o difícil é falar de maneira fácil”. Explicou que era importante uma linguagem que pudesse se aproximar mais da vida das pessoas “do rural”, público predominante dos cursos. Neste caso, os escritos sobre a “galinha choca” deram uma dimensão mais fidedigna da práxis comunicativa do Mobon.
Como vimos, o propósito dos cursos era preparar lideranças para atuarem nas suas comunidades. Aos poucos, à medida que foi se aproximando o período de redemocratização, a temática dos cursos foi incorporando as causas e demandas dos trabalhadores rurais, contribuindo com a reflexão sobre a realidade e a busca de direitos. Nesse processo, muitas das lideranças também se aproximaram do PT, filiando-se e/ou participando das ações dos diretórios do partido em suas localidades. Em cursos da década de 1980, como no Curso de Semana Santa de 1984, o estímulo à luta contra a opressão foi explícito:
a) Temos trabalhado pela nossa libertação, ou esperamos que ela venha pelos outros? O que fazer?
b) Temos confiado nas forças dos fracos, ou vamos na conversa e opressão dos grandes? Como resolver isso?
c) Quais os pontos que a Comunidade está mais escravizada? O que fazer?[19]
Infelizmente, o material da pesquisa não possuía as respostas dadas pelo grupo, mas fica explícita nas questões a provocação para que as pessoas se organizassem e refletissem sobre como resolver seus problemas – neste caso, lutar contra a “opressão dos grandes”. No curso de Semana de Santa de 1985 a necessidade da tomada de atitudes concretas dos cristãos para melhorar a vida coletiva, continuou a ser enfatizada nas questões: “1) Diante da exploração que vivemos, que atitude devemos tomar? Aceitamos tudo como está ou reivindicamos para melhorar? 2) Temos preocupado só com os enfeites da Igreja ou concentramos em atos que têm sentido? Por quê?”[20].
Nessas questões problematizadoras, os católicos são instigados a refletirem se “aceitam tudo como está” e são questionados, em tom provocativo, se a preocupação é maior com os enfeites ou com “atos que têm sentido”. Esse engajamento político suscitava preocupações que, por sua vez, eram tratadas nos cursos. Por exemplo, no curso de “Fidelidade ao Evangelho”, a temática política é explícita:
1. A política prejudica a Evangelização? Por quê?
O político pode pertencer ao movimento de Evangelização? Por quê?
2. O que tem a ver a Comunidade com os políticos?
Qual deve ser a atitude das comunidades? Por quê?
Respostas
1. Sim; leva as pessoas a tomar atitudes não cristãs.
É difícil; porque nem todos se controlam.
2. Influenciá-los para o bem.
Indicar bons candidatos. Só assim teremos uma política sadia[21].
Eles destacavam que a política poderia levar a atitudes “não cristãs”, mas deixavam registrada a necessidade de indicar bons candidatos e influenciá-los para o bem. Essa lógica de pensamento para a promoção de “uma política sadia” deixa subentendida a necessidade de transformações na política partidária.
No mesmo sentido, em 1991, foi localizado nos Cadernos um texto distribuído como parte dos conteúdos do Curso de Preparação para o Natal de nome “Formação de um Novo Cidadão”. No texto se lê:
Há muitos políticos de olho em nosso trabalho de conscientização. Muitos deles não gostam da Igreja. Eles nos querem ver desunidos e divididos. Eles sabem de nossas limitações. E uma das armas, que estão usando, é a de lançar muitos candidatos bons em nossa região, por exemplo. E incentivam essas candidaturas. Dizem que é preciso ampliar nosso trabalho[22].
Tal texto demonstra grande habilidade para a problematização do campo político. Ele sinaliza que os conflitos políticos eram entre as próprias lideranças do Boa Nova que queriam se candidatar, estimulados por políticos. Assim, durante o curso, procurava-se demonstrar que seria um risco ter tantos candidatos. Ao mesmo tempo os missionários enfatizam que a Igreja Católica não tinha partido:
A PARTIR DA IGREJA:
Nosso trabalho é a partir da Igreja. No partido deve aparecer nossa posição de cristão. Na política, o cristão é mensageiro de sua comunidade. Nossa religião, deve estar acima do partido político. A Igreja não tem partido. Ela tem o cristão formado e enviado por ela para influenciar nos partidos para o bem comum da sociedade.
Enfim, entre outras coisas, os cursos tratavam de dilemas nas relações entre religião e política (em seu sentido mais amplo)[23] e, no início da década de 1990, da política partidária de maneira mais explícita, afirmando que a Igreja conta com o cristão formado para influenciar “para o bem comum da sociedade” nos partidos políticos. Como afirmou Dornelas (2019):
A partir do final da década de 1980, o MOBON foi se fortalecendo e se intensificando para a promoção e incentivo ao engajamento das lideranças de base nos movimentos sociais e políticos, assumindo-os como ferramentas necessárias para a transformação da sociedade. Assim, diversas lideranças vão se filiando a partidos políticos de base, candidatando e ocupando cargos públicos no Legislativo e Executivo. [...] (p. 131).
Muitos dos relatos que ouvimos durante o trabalho de campo, especialmente, durante as entrevistas com os agentes sociais envolvidos com o Mobon e que foram protagonistas nesta politização do movimento estavam embasados em memórias do que viram e ouviram nos cursos que haviam participado décadas atrás. Como demonstram os fragmentos utilizados, só foi possível acessar os conteúdos “originais” dos cursos apontados por essas lideranças através dos registros e materiais de curso encontrados nos “Cadernos de Dona Cora”. Assim, o que contaram sobre o que se discutia nos cursos pôde ser verificado nos manuscritos, e as lacunas e os silêncios (loquacidade-silêncio) dos Cadernos se preencheram pelos relatos do “cara a cara” com as lideranças. Esse imbricamento de fontes possibilitou a reconstituição e descrição mais detalhada e polifônica sobre o processo de formação de lideranças “igrejeiras”.
Nesse mesmo contexto de uso dos Cadernos, na iniciação científica do segundo autor, mesmo que não tenham sido centrais no conjunto de fontes da pesquisa, as páginas amareladas (digitalizadas) do material de Dona Cora contribuíram para o refinamento da análise sobre os eixos-articuladores (aprendizados conceituais construídos na experiência por trabalhadores e trabalhadoras) que orientam as práticas políticas em um estudo de caso sobre um STR da Zona da Mata mineira. Isto é, forneceram elementos para o entendimento sobre “o bom combate” ou o “combate ao mal” que devem travar os trabalhadores e trabalhadoras do campo.
Elucidando o que se ouviu e presenciou durante a vivência em campo sobre a importância da vida em comunidade e da solidariedade e organização dos trabalhadores e trabalhadoras rurais em busca de seus direitos, segundo lição extraída das anotações no “Caderno de Dona Cora” do Curso de Formação de Bíblia acontecido de 18 a 24 de julho de 1973 em Tarumirim-MG, o mal que se deve combater se refere à realidade concreta de injustiça e sofrimento, cuja solução se encontra na escolha do “bem”, representado pela saída do eu (individualismo, o “Pecado Original”) em direção a Deus, que se expressa na vida em comunidade. Isso porque como refletido durante o curso, “Pelo Batismo não lutamos sozinhos, pois somos unidos a Igreja, a Cristo e aos irmãos”[24].
Em outra ocasião, durante a pesquisa de mestrado, metáforas reproduzidas pelas lideranças “igrejeiras” em diversos contextos situacionais religiosos (ou não) com que se deparou o segundo autor durante o trabalho de campo, puderam ser “checadas” usando os “Caderno de Dona Cora” e seus anexos. Metáforas, parábolas e comparações que ouvia em campo puderam ser buscadas, nos livretos e anotações, em seus contextos primordiais, isto é, nos momentos em que foram apresentadas e debatidas pela primeira vez.
Um exemplo é o caso da comparação entre as diferentes maneiras de clérigos e leigos “serem Igreja” com as frutas caju, abacate e laranja. Nesta comparação, tão repetida pelos interlocutores da pesquisa, ser “Igreja Laranja” representa o único horizonte que deve ser buscado rumo à reconstrução do povo e da Igreja “pé no chão” que “o povo vai acreditar” (MEDC, 1984, p. 30). Como escreveu Rabelo (2019):
[...] O tema sobre os tipos de Igreja faz parte do conteúdo do livreto Reconstrução do Povo, em que se faz comparações entre as diferentes formas possíveis da Igreja Católica tratar o povo, como a Igreja Caju, a Igreja Abacate e a Igreja Laranja, sendo que nesta última, sementes e gomos estão misturados. Assim, há entrosamento, já que os membros da Igreja Laranja têm todos a mesma missão libertadora, não tendo tanta preocupação com cargos e títulos. [...]. A fraternidade, a solidariedade, e participação nas decisões comunitárias são marcas da Igreja Laranja, que se concretiza nas Ceb’s, onde os fiéis estão unidos pela fé e propósito. [...]. Esta metáfora emerge em diversos outros contextos, embora ressignificada pelas lideranças que aciona em momentos distintos para explicar atividades distintas, ora a laranja representando a Igreja enquanto instituição, ora representando a comunidade e seus setores ou mesmo o “caráter” de outras lideranças na prática de julgamento (p. 32-33).
Essa comparação discutida em 1985 durante o Curso de Semana Santa que Dona Cora participou em Dom Cavati-MG, foi fio condutor de uma oficina conduzida por lideranças da Diocese de Caratinga no interior do 7º Encontro Diocesano de Formação de Leigos e Leigas da Diocese de Itabira/Coronel Fabriciano, ocorrida em Ipatinga-MG em julho de 2018. A oficina ocorrida logo após as análises de conjuntura sócio-política e eclesial, tratou sobre o tema “Sujeitos na Igreja em Saída. Sal da terra e luz do mundo” (Mt 5, 13-14).
A reflexão sobre a metáfora de 1984 dinamizou a oficina e fez os cursistas refletirem, falarem e analisarem a conjuntura religiosa e política de seu tempo (Figura 6). As principais conversas foram registradas em painel de facilitação gráfica. Essas informações colhidas em um curso de formação de leigos e leigas em tempo real e traduzidas em palavras e desenhos interrelacionados organizadas em um painel (Figura 5) e puderam ser relembradas “no gabinete” quando da análise dos “dados” do trabalho de campo.
Figura 5 – Painel de Facilitação Gráfica do Encontro de formação de leigos e leigas em Ipatinga (2018)
Fonte: Os autores (2020).
Figura 6 – Velhas metáforas, novas reflexões: fotos da oficina “Sujeitos na Igreja em Saída”
Fonte: Os autores (2022).
Graças ao livreto de curso e às anotações de Dona Cora acessadas no site do NMSPP (Figura 7) o conteúdo específico da oficina sobre a “Igreja em Saída” pôde ser comparado com o conteúdo debatido no curso na década de 1980. Esse procedimento possibilitou uma análise mais criteriosa sobre os modos de apropriação e reinvenção pelas lideranças do discurso do Mobon. Assim, pôde-se melhor discorrer sobre as continuidades e descontinuidades de sentidos, e até mesmo sobre as reinvenções dos “trabalhos de base” e dos saberes-fazeres adquiridos ao longo da caminhada de formação das lideranças da Zona da Mata mineira, uma vez que lá, na década de 1980, o jeito de conversar sobre as questões conjunturais eram um (“salas de aula”) e cá, em 2018, as lideranças reinventaram essa forma realizando uma bricolagem dessa metodologia com outras que vão aprendendo ao longo da caminhada de luta.
Figura 6 – Prints das anotações do Curso de Semana Santa (1985) no Caderno de Dona Cora (volume 2) e da capa do livro de curso “Reconstrução do Povo de Deus” (1984)
Fonte: Os autores (2022).
Em síntese, em todas as pesquisas aqui apresentadas os Cadernos ajudaram a entender – através do registro dos desenhos, metáforas, parábolas, notas perguntas-respostas, etc. – alguns sentidos e valores (re)produzidos pelas Comunidades de Base na Zona da Mata mineira que, por sua vez, são vistos também em outros contextos, não necessariamente religiosos, como em reuniões de movimentos sociais, sindicatos e em alguns diretórios partidos políticos da região e além.
Considerações finais
O artigo apresentou e refletiu sobre os “Cadernos de Dona Cora”, importante fonte de primeira mão sobre o Movimento da Boa Nova (Mobon) e seus cursos de formação de lideranças religiosas de comunidades de base – especialmente, comunidades rurais – na Zona da Mata de Minas Gerais. Hospedados digitalmente no site do Núcleo de Pesquisa, Documentação e Referência sobre Movimentos Sociais e Políticas Públicas no Campo (NMSPP) do CPDA/UFRRJ, os Cadernos foram essenciais para a investigação em três diferentes pesquisas sobre os aprendizados e os sentidos das CEBs em sua interlocução com Mobon, o sindicalismo de trabalhadores e trabalhadoras rurais, o engajamento político partidário e em movimentos sociais da Zona da Mata mineira e além.
Apesar dos cursos do Mobon serem destacados por parcelas importantes de católicos que viveram essas experiências e as metáforas, parábolas aprendidas com os mediadores estarem na “boca do povo” os auxiliando na leitura do mundo, o registro escrito revelou sutilezas e detalhes que enriqueceram as diversas análises sobre a formação de lideranças. O acesso aos manuscritos de Dona Cora e aos materiais dos cursos anexos a eles foram fundamentais para que pudéssemos analisar como determinados assuntos eram tratados nos cursos em seus momentos primevos e, em conjunto a outras fontes, possibilitaram o preenchimento de lacunas e conferiram solidez às reflexões, os discursos, temas, questões e valores que circulam desde os cursos, elucidando como estes são apropriados, reproduzidos e ressignificados pelas lideranças “igrejeiras” em suas práticas políticos religiosas ao longo da história.
Em um cenário em que nem todas as pessoas que escrevem a história possuem uma noção do valor documental dos seus e dos registros dos outros e/ou de documentos diversos, ao evidenciar as formas de utilização dos Cadernos em pesquisas em Ciências Sociais, buscou-se jogar luz à questão da importância da existência (e preservação) de documentos tais como esses cadernos e da pesquisa documental para investigações sobre as lutas e a memória de trabalhadores e trabalhadoras do campo.
Em síntese, os “Cadernos de Dona Cora”, independentemente se centrais ou não no conjunto das fontes, contribuíram com subsídios para acesso a “normas, padrões, concepções morais e religiosas que, em determinadas conjunturas, podem alimentar resistências” (MEDEIROS, 1998, n. p.) possibilitando uma descrição mais abrangente, bem como uma explicação e aprofundamento das questões propostas em cada pesquisa apresentada. Esse material provavelmente interessará àqueles dedicados a pesquisas sobre as questões agrárias; estudos sobre religião, notadamente sobre as relações entre religião e política; movimentos de trabalhadores e suas práticas de formação de trabalhadores e trabalhadoras e outros objetos afins.
Agradecimentos
Os autores agradecem primeiramente à Cora Furtado de Melo pelo tempo dedicado ao registro e organização dos materiais dos cursos do Mobon e pela bondade da doação dos Cadernos para a consulta pública e a pesquisa. Agradecem também, na pessoa da professora e pesquisadora Leonilde Medeiros, ao NMSPP-CPDA-UFRRJ pelo interesse na digitalização e incorporação destes documentos em seu acervo, e à FAPERJ pelo financiamento desta ação.
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Fabrício Roberto Costa Oliveira Possui graduação em História pela Universidade Federal de Ouro Preto (2002), mestrado em Extensão Rural pela Universidade Federal de Viçosa (2005) e doutorado em Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (2012). É professor da Universidade do Estado de Minas Gerais. Tem experiência na área de Sociologia, com ênfase em Sociologia da Religião e Sociologia dos Movimentos Sociais, atuando principalmente nos seguintes temas: religião e política, história das religiões, história oral e movimentos sociais. E-mail: frcoliveira@yahoo.com.br ID Lattes: http://lattes.cnpq.br/2627971853595157 ORCID: Ramon da Silva Teixeira Mestre em Antropologia Social pelo Museu Nacional/UFRJ (2020), bacharel em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Viçosa (2017) e licenciado em Letras pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Carangola - FAFILE-UEMG (2011). Atualmente está se doutorando em Ciências Sociais pelo Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (CPDA-UFRRJ). E-mail: ramoneps2014@gmail.com ID Lattes: http://lattes.cnpq.br/6284425836635349 ORCID: https://orcid.org/0000-0002-9672-143X |
Revista IDeAS, Rio de Janeiro, volume 17, 1-31, e023002, jan./dez. 2023 • ISSN 1984-9834
[1] In: Gonçalves (2009, n. p.).
[2] Este texto é uma homenagem à Senhora Dona Cora Furtado de Melo que durante décadas construiu e cuidou de “Cadernos” que se constituíram como relevantes acervos de memória coletiva, fundamentais para estudos diversos de formação de lideranças católicas em Minas Gerais.
[3] Para um caso exemplar, vale a leitura do prólogo do livro “Um defeito de cor” (GONÇALVES, 2009, n. p.).
[4] A expressão “leigo”, “leiga” ou “liderança leiga” é recorrente tanto entre padres quanto entre os fiéis com que se teve contato. O termo é utilizado para designar aqueles que possuem o papel de missionário, mas que não fizeram votos religiosos. Embora o termo “leigo” no seu sentido comum seja um termo pejorativo – isto é, quem não possui conhecimento especializado em determinada área, visto como “ignorante” –, aparece no discurso tanto dos clérigos quando dos fiéis como uma qualidade, um status importante. Nas narrativas clericais, o termo “leigo” vinha sempre seguido da sua importância e dever, leigo é todo aquele que foi batizado e assume o compromisso de ser cristão.
[5] A trajetória dos Cadernos até chegarem ao NMSPP-CPDA/UFRRJ, o processo de digitalização e o link de acesso aos documentos serão especificados ao longo do texto.
[6] Meeiro é uma categoria que se refere a uma relação de parceria, em que o proprietário cede a terra e o trabalhador faz o trabalho de produção. Na colheita eles dividem o que foi produzido.
[7] Entrevista com Alípio Jacinto, concedida em outubro de 2004.
[8] Entrevista com João Resende, concedida em janeiro de 2018.
[9] Entrevista com João Resende, concedida em 1986. In: Gomes e Andrade (2011, p. 63).
[10] Que reúne, ainda de maneira não catalogada e ordenada, fotografias, banners, livretos de curso, um caderno com a História da Casa do Mobon, o caderno de registro de presença dos cursos entre outros documentos.
[11] No sentido de conjunto de coisas ou acontecimentos memoráveis, algo como um souvenir ou um recuerdo. Assim, memorabilia são entendidos como “agregados de vida, de relações e de atividade humana” (MENEZES, 2021, p. 571). Ao fim, são “objetos que têm história” e que, portanto, pode suscitar uma forte carga emotiva.
[12] Perguntas do Curso de Boa Nova ao Evangelho em Iapu-MG, em 29 de agosto de 1970. In: Caderno de Dona Cora.
[13] Quando peguei o material de Dona Cora, ela afirmou que as respostas dadas por seu grupo, em geral, eram aquelas esperadas pelos missionários e que já eram mais ou menos previsíveis pelas falas durante os cursos.
[14] Curso de Boa Nova ao Evangelho em Iapu-MG, em 29 de agosto de 1970. In: Caderno de Dona Cora.
[15] Curso de Boa Nova ao Evangelho em Iapu-MG, em 29 de agosto de 1970. In: Caderno de Dona Cora.
[16] Curso de Boa Nova ao Evangelho em Iapu-MG, em 29 de agosto de 1970. In: Caderno de Dona Cora.
[17] Curso de Preparação para Semana Santa, em 8 de março de 1975. In: Caderno de Dona Cora.
[18] Entrevista com João Resende, concedida em novembro de 2009.
[19] Curso de Semana Santa de 1984. In: Caderno de Dona Cora.
[20] Curso de Semana Santa de 1985. In: Caderno de Dona Cora.
[21] Curso “Fidelidade ao Evangelho”. In: Caderno de Dona Cora.
[22] Curso de Preparação de Natal de 1991. In: Caderno de Dona Cora.
[23] Isto é, não apenas em sua dimensão estritamente político-partidário, mas considerando também seu escopo institucional (se organizar em sindicatos, associações, cooperativas, partidos, etc.) e cotidiano: “fazer política” no próprio cotidiano, expresso por uma maneira sui generis de se relacionar com as pessoas e o mundo cotidianamente que pressupõe a coerência entre “oração e obras” e configura uma exemplaridade no nível da micropolítica, do agir coerentemente com uma conduta moral no mundo cotidiano (RABELO, 2019).
[24] Curso de Formação de Bíblia de 1973. In: Caderno de Dona Cora.