Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro

Programa de Pós-Graduação de Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade

Revista IDeAS, Rio de Janeiro, volume 17, 1-24, e023012, jan./dez. 2023 • ISSN 1984-9834

Artigo original • Revisão por pares • Acesso aberto

Alimento para o pensamento – Um ensaio sobre o pensamento crítico em torno do sistema agroalimentar

Food for thought – An essay on critical thinking around the agri-food system

Maiz Bortolomiol Dias, Paulo Niederle

Resumo

Vivenciamos uma sindemia global de obesidade, desnutrição e mudanças climáticas que têm em comum os sistemas alimentares hegemônicos como impulsionadores. A forma monótona como os alimentos são produzidos, processados, transportados e consumidos tem gerado uma série de impactos socioambientais que afetam a população de maneira desigual, injusta e estratificada por marcadores sociais como gênero, raça e classe. Diante disso, emergem movimentos de “relocalização” das práticas alimentares e novos mercados baseados em circuitos curtos de abastecimento, configurando redes alimentares alternativas. No entanto, chama-se a atenção para o fato de que esses mercados podem, ainda assim, ser excludentes, principalmente porque são limitados, em geral, a consumidores que detêm elevado capital econômico. Sendo assim, não basta ser local, orgânico ou alternativo, é preciso que haja justiça, cidadania e democracia alimentar na reconfiguração dos sistemas agroalimentares. Objetivou-se realizar um ensaio teórico reflexivo e analítico sobre a evolução do pensamento crítico em torno do sistema agroalimentar.

Palavras-chave: sindemia global; justiça alimentar; democracia alimentar; desigualdade alimentar; cidadania alimentar.

Abstract

We are experiencing a global syndemic of obesity, malnutrition and climate change that have in common the hegemonic food systems as drivers. The monotonous way in which food is produced, processed, transported and consumed has generated a series of socio-environmental impacts that affect the population in an unequal, unfair and stratified way by social markers such as gender, race and class. In view of this, movements to “relocate” food practices and new markets based on short supply circuits emerge, configuring alternative food networks. However, attention is drawn to the fact that these markets can still be exclusive, mainly because they are limited, in general, to consumers who hold high economic capital. Therefore, it is not enough to be local, organic or alternative, there must be justice, citizenship and food democracy in the reconfiguration of agrifood systems. The objective was to carry out a reflective and analytical theoretical essay on the evolution of critical thinking around the agrifood system.

Keywords: global syndemic; food justice; food democracy; food inequality; food citizenship.


Submissão:
11 jun. 2023

Aceite:
05  dez. 2023

Publicação:
12 dez. 2023

Citação sugerida

DIAS, Maiz; NIEDERLE, Paulo. Alimento para o pensamento – Um ensaio sobre o pensamento crítico em torno do sistema agroalimentar. Revista IDeAS, Rio de Janeiro, v. 17, p. 1-24, e023012, jan./dez. 2023.

Licença: Creative Commons - Atribuição/Attribution 4.0 International (CC BY 4.0).


Introdução

O sistema agroalimentar global passou por diversas mudanças ao longo da história, tornando-se um importante objeto de análise no campo dos estudos sobre desenvolvimento e economia, o que se mantém até os dias atuais. Em um contexto de globalização e aumento demográfico, os processos de industrialização e modernização agrícola se consolidaram como paradigmas dominantes e passaram a orientar o sistema agroalimentar, que se organizou de forma corporativa, de ponta a ponta, desde as etapas envolvidas na produção, influenciando na definição do que e como será produzido, bem como no transporte, distribuição, acesso e no consumo. Essa conformação não demorou muito para mostrar seus limites e problemas, que são, sobretudo, de ordem ecológica e social. Em decorrência disso, vivemos atualmente o que muitos autores têm chamado de sindemia global, ou seja, uma sinergia de pandemias que coexistem no tempo e no espaço, interagem entre si e compartilham fatores fundamentais comuns, consistindo em um conceito que trata sistematicamente da alimentação e seus impactos na saúde e no meio ambiente (SWINBURN et al., 2019).

O sistema agroalimentar foi e continua sendo um terreno contestado, caracterizado como um espaço importante para a agência individual e coletiva da qual emergem múltiplas e diversas formas de resistência, seja por parte de organizações e movimentos sociais ou de cidadãos da sociedade civil que passam a desenvolver práticas de consumo consciente e responsável. A alimentação e o consumo alimentar configuram-se então como objetos de análise social e de compreensão do viver em sociedade. Além disso, tornaram-se motores de interação social e, consequentemente, fonte de distinção social e construção de identidade (SCHNEIDER; PREISS; MARSDEN, 2022). Em contraposição às cadeias agroalimentares longas surgem as cadeias curtas de abastecimento e redes agroalimentares alternativas, que vêm atreladas a uma politização dos alimentos e do consumo, em que, por meio de suas escolhas alimentares, os consumidores – apenas aqueles que podem pagar – deteriam poder político (GAZOLLA; SCHNEIDER, 2017).

A procedência local ou territorial de um alimento passa a ser sinônimo de qualidade e preocupações sociais com os impactos sobre a saúde e o meio ambiente passam a prevalecer nas escolhas alimentares daqueles consumidores de classes sociais mais elevadas (GOODMAN, 2003, 2004). Conforma-se então uma concepção dualista que opõe dinâmicas globais e locais, a qual rapidamente passa a ser alvo de diversas críticas, sobretudo pelo caráter elitista e excludente encontrado também nas dinâmicas locais. Estudos têm demonstrado como os impactos sociais, ambientais e econômicos atingem de maneira muito diferente a população, dependendo de marcadores sociais como classe, raça e gênero. O sistema alimentar global é, portanto, caracterizado por racismo institucional, macrodinâmica de desigualdades de gênero e uma colonialidade de poder (ALKON; AGYEMAN, 2011; PATEL, 2012).

Produzimos alimentos suficientes para alimentar o mundo. No entanto, temos cerca de 828 milhões de pessoas passando fome, número que vem aumentando nos últimos anos (FAO, 2022). O contexto da fome não poupa nem mesmo os moradores do campo. No Brasil, enquanto nas cidades 57,8% das pessoas apresentam algum grau de insegurança alimentar, no campo, esse percentual sobe para 63,8% dos habitantes rurais e, destes, 18,6% passam fome (REDE PENSSAN, 2022). Algo que merece destaque é a desigualdade brutal entre aqueles em situação de fome e/ou insegurança alimentar. Marcadores sociais como gênero, raça e classe determinam quem tem acesso à alimentação, sobretudo à alimentação saudável.

Em tempos de múltiplas desigualdades e crises socioecológicas e econômicas, há um crescente entendimento sobre a necessidade de redirecionar e/ou transformar, com urgência, o sistema alimentar global, adotando uma abordagem que considere a prosperidade social para todos e sustentabilidade ambiental para o planeta (SCHNEIDER; PREISS; MARSDEN, 2022). No contexto atual é fundamental refletir sobre quem não tem acesso aos alimentos e sobre as desigualdades alimentares. A interseccionalidade em torno da alimentação não pode mais ficar de fora das discussões e conceitos como justiça alimentar, cidadania e democracia alimentar, que emergem como importantes referenciais para abordar o tema.

O presente artigo tem por objetivo realizar um ensaio teórico analítico sobre a evolução do pensamento crítico em torno do sistema agroalimentar, buscando entender como vão se produzindo e se relacionando os conceitos que situam e orientam os movimentos alimentares contra-hegemônicos em suas lutas por mudanças. O trabalho está organizado em quatro seções, além desta introdução. A próxima seção, intitulada O sistema agroalimentar dominante em questão, trata de forma crítica sobre o sistema agroalimentar corporativo dominante. A seção subsequente, A emergência dos movimentos alimentares: uma análise crítica, aborda a emergência dos movimentos alimentares contra-hegemônicos, bem como as críticas em torno disso. A seguir, a seção Redes cívicas alimentares trata do engajamento da sociedade civil organizada nas redes agroalimentares, onde conceitos como cidadania e democracia alimentar se sobressaem. E, por fim, as considerações finais.

O sistema agroalimentar dominante em questão

A partir da segunda metade do século XX, os países capitalistas centrais, em particular os Estados Unidos, potência hegemônica recém-consolidada no período pós-Segunda Guerra, instauram um processo de industrialização acelerada. Atrelado ao paradigma dominante da industrialização como “motor” de desenvolvimento econômico, esteve o processo de modernização tecnológica da agricultura, conhecido como “Revolução Verde” que, por um lado, visava à substituição das importações e liberação de mão de obra do campo para o setor industrial na cidade e, por outro, apresentava-se como solução para o problema da fome no mundo, ao produzir alimentos baratos com alto valor energético, porém de baixo valor nutricional. A partir de então, a superação da agricultura dita “tradicional” converteu-se em um poderoso mantra (NIEDERLE; ALMEIDA; VEZZANI, 2013).

A produção agrícola integrou-se então, de maneira compulsória, ao setor industrial e o paradigma da modernização agrícola se impôs dominando a prática, a teoria e a política (PLOEG et al., 2000). No âmbito deste projeto político-ideológico de modernização, que foi legitimado e dirigido pelo Estado brasileiro, e teve como valor intrínseco a produtividade, foram criados centros de pesquisa mundo afora, desenvolvidos pacotes tecnológicos (insumos para agricultura, tais como sementes, agroquímicos e maquinários) e formados recursos humanos aptos a difundi-los. Nesse cenário, cabe aqui citar a criação, no Brasil, da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), em 1973, e da Embrater (Empresa Brasileira de Assistência Técnica e Extensão Rural), em 1974. Esse processo é teorizado por diversos autores que mobilizam diferentes conceitos para caracterizá-lo, como a noção de Ordem Industrial, oriunda da abordagem de Ordens Alimentares, de Niederle e Wesz Jr. (2018).

A produção de commodities ou bens do setor primário envolve uma complexa e extensa série de etapas, fases e processos, que são denominados, de maneira genérica, cadeia agroalimentar/agroindustrial, ou então, cadeia de valor. É justamente por sua complexidade e extensão, bem como pelo grande número de intermediários envolvidos, de ponta a ponta, que as cadeias agroalimentares são longas. Uma das principais características das cadeias longas é a inexistência, total ou parcial, de interação entre produtores e consumidores. Diante dessa impessoalidade, para satisfazer os receios dos consumidores quanto à qualidade e sanidade dos produtos, foram desenvolvidos mecanismos como a certificação, o uso de selos e a rastreabilidade (GAZOLLA; SCHNEIDER, 2017).

Todo esse processo relacionado à produção de alimentos também gerou impactos nas práticas de consumo. A indústria alimentícia ganhou força e poder e expandiu a produção de alimentos ultraprocessados, repletos de aditivos químicos e sintéticos, que possibilitaram sua distribuição a longas distâncias, por meio de inúmeros intermediários, para o abastecimento de grandes redes varejistas. A difusão da ideia de que a industrialização é o caminho para a modernidade perdurou fortemente até o final da década de 1970, quando este modelo “fordista” passou a apresentar sinais de crise e contradições sendo contraposto e criticado por seus efeitos sociais e ecológicos. Apesar disso, esta ordem industrial segue sendo uma das principais expressões dos sistemas agroalimentares contemporâneos, na qual destaca-se o Brasil, “celeiro do mundo – ou da China”, com suas isenções fiscais e subsídios à exportação de commodities. A resposta às críticas ainda é mais “tecnologia” e “modernização”, o que corroborou os resultados da primeira Cúpula dos Sistemas Alimentares da ONU, que baseiam-se fortemente no aumento da produtividade e em soluções tecnológicas e privadas. Cabe destacar que, apesar da elevada produção de alimentos no mundo, cerca de 828 milhões de pessoas passam fome (FAO, 2022).

Como Abramovay (2020) vem pontuando ultimamente, a estonteante variação nas prateleiras dos supermercados engana. A palavra mais marcante do padrão alimentar contemporâneo é “monotonia”. Diante da espetacular biodiversidade global, cerca de 90% do que a humanidade ingere vem de apenas 15 produtos plantados. A monotonia está presente em todos os setores agroalimentares, desde a produção de poucas espécies vegetais e animais, até o processamento e distribuição desses alimentos por poucos e gigantes conglomerados no setor alimentar. Isso representa uma séria ameaça à saúde humana, à segurança alimentar e nutricional da população e ao meio ambiente e seus serviços ecossistêmicos dos quais todos dependemos.

Vivemos atualmente o que muitos autores têm chamado de Sindemia Global de obesidade, desnutrição e mudanças climáticas. Esse conceito trata sistematicamente da alimentação e seus impactos na saúde e no meio ambiente, relacionando a má nutrição – em todas as suas formas – às mudanças climáticas. Swinburn et al. (2019) argumentam que, além da obesidade, da desnutrição e das mudanças climáticas coexistirem e interagirem entre si, elas têm em comum os sistemas alimentares hegemônicos como impulsionadores, bem como governança política inadequada para responder a eles. A forma como os alimentos são produzidos, processados, transportados e consumidos impacta o solo, a água e a biodiversidade e, apesar disso, não tem conseguido gerar mais segurança alimentar para a humanidade (SCHNEIDER; PREISS; MARSDEN, 2022).  

A emergência do movimento alimentar: uma análise crítica

No que tange ao movimento contra-hegemônico, as críticas ao modelo homogeneizante da modernização afloram por parte de diferentes setores, o de consumidores, acadêmicos e dos movimentos sociais do campo, onde estavam muitos daqueles agricultores excluídos ou contrários ao modelo de produção a eles imposto. A procura por mercados alternativos, ecológicos e solidários demonstra a insatisfação dos consumidores e agricultores com as estruturas de mercado dominantes e com os escândalos em torno da segurança alimentar. Por um lado, os consumidores desejam adquirir produtos mais saudáveis, cultivados de forma harmoniosa com o ambiente, a preços justos, conhecendo sua origem; por outro, agricultores familiares se encontram insatisfeitos com as estruturas de mercado que privilegiam grandes varejistas (NIEDERLE; ALMEIDA; VEZZANI, 2013).

Os anos 1980 e 1990 marcaram o início da contestação ao sistema agroalimentar dominante e o forte apelo à qualidade. Entraram em cena as preocupações sociais e políticas em torno da saúde e do meio ambiente (WILKINSON, 2022). A sociologia da agricultura e da alimentação reorienta seus interesses para a qualidade, movimento que ficou conhecido como quality turn (GOODMAN, 2003), em que é feita uma crítica ética e estética à padronização e à artificialização da produção e do consumo alimentar. Nesse contexto, emergem outros modelos de comercialização, as chamadas redes alimentares alternativas, que passam a ser vistas como precursoras de um “novo” modelo de desenvolvimento rural (PLOEG et al., 2000). Proliferam novos mercados baseados em circuitos curtos de comercialização, feiras livres, grupos de consumo, experiências de agricultura urbana, de consumo local, nos quais mais do que mercadorias com qualidades diferenciadas (orgânicos, artesanais, locais) circulam valores sociopolíticos associados a demandas sociais por equidade, justiça, participação social e sustentabilidade (GOODMAN; DUPUIS; GOODMAN, 2012; GAZOLLA; SCHNEIDER, 2017; NIEDERLE; WESZ JR., 2018).

Em contraposição às cadeias agroalimentares longas e tudo o que elas representam está o conceito de cadeias curtas de abastecimento (CCA) e redes alimentares alternativas (RAA) (alternativa em relação às cadeias longas e à sua lógica organizativa dominante). As CCA e as RAA são utilizadas muitas vezes como sinônimos. A diferença entre esses conceitos está relacionada a distintas perspectivas teóricas de análise. Enquanto alguns autores mobilizam a abordagem das cadeias de valor, outros mobilizam a análise de redes sociais. Ao passo que a primeira foca na interação entre produtores e consumidores, nas RAA o consumo como ato político é realçado. Cabe destacar aqui que a alimentação é política no sentido de que “relações de poder, assimetrias e disputas estão inseridos em práticas de produção, distribuição, preparação, consumo e desperdício de comida” (MOTTA, 2021).

Segundo Gazolla e Schneider (2017), a discussão sobre cadeias curtas se insere no debate mais amplo sobre cadeias de valor, em  que os atores envolvidos passam a construir novas formas de interação entre produção e consumo por meio do encurtamento das distâncias, sejam elas físicas, sociais, culturais e/ou econômicas, e do resgate da origem e da identidade dos alimentos, em que passam a prevalecer, para além do preço, critérios baseados em valores, princípios e significados simbólicos, éticos, culturais e socioambientais. As cadeias curtas de abastecimento podem ser de três tipos, de acordo com a tipologia proposta por Renting, Marsden e Banks (2003), sendo elas: (a) face a face – em que os agricultores interagem diretamente com os consumidores; (b) de proximidade espacial – aquelas em que os produtos são produzidos e distribuídos em uma região específica; e (c) as cadeias espacialmente estendidas – nas quais os consumidores estão fora da região de produção e é necessária a tradução e transmissão das informações e valores sobre o produto (selos, certificações, entre outros). Uma das principais expressões das cadeias curtas é a venda direta, na qual os consumidores interagem diretamente com os pequenos produtores, sem intermediários.

A literatura acerca das redes agroalimentares alternativas é vasta e, assim como outros conceitos, não há um consenso sobre sua definição. Esta abordagem ganhou impulso a partir da formulação da noção de quality turn, que mudou o enfoque das análises das cadeias e redes agroalimentares para os consumidores, levando a uma politização dos alimentos e do consumo, em que, mediante suas escolhas alimentares, os consumidores – apenas aqueles que podem pagar – deteriam poder político (GAZOLLA; SCHNEIDER, 2017). A abordagem das redes alternativas foi alvo de críticas, e o próprio termo “alternativo” veio a ser questionado, tendo em vista a atuação de agricultores e consumidores em ambos os sistemas agroalimentares, convencionais e alternativos. Mais do que um dualismo, as práticas dos atores tendem a ser interdependentes e permeáveis (LAMINE, 2015), o que demonstra a existência de um hibridismo e reforça a ideia de coexistência entre ambos os sistemas.

A emergência dos movimentos alimentares de “relocalização” das práticas alimentares, como sendo uma reação ao processo de deslocalização e desconexão entre o alimento e sua origem, acelerado pela globalização do sistema agroalimentar industrial, passa a ser foco de diversos estudos na sociologia da agricultura e da alimentação (GOODMAN, DUPUIS; GOODMAN, 2012; MORGAN; MARSDEN; MURDOCH, 2006; HEBINCK; PLOEG; SCHNEIDER, 2015; NIEDERLE; WILKINSON; MASCARENHAS, 2016; PORTILHO, 2009). A lógica da relocalização incorpora as ideias de food from somewhere (MCMICHAEL, 2009; CAMPBELL, 2009) e food from here (SCHERMER, 2015), em detrimento da food from nowhere (MCMICHAEL, 2009). A procedência local ou territorial de um alimento passa a ser quase um sinônimo de qualidade, o que é traduzido pelo conceito de re-embeddedness, desenvolvido por Murdoch et al., (2000), e trata do resgate cultural e tradicional no que tange à produção, ao preparo e consumo de alimentos (HINRICHS, 2000; WINTER, 2003).

Azevedo (2015) trata do ativismo alimentar segundo a perspectiva do locavorismo, um movimento alimentar baseado no consumo de alimentos produzidos localmente que incorpora fortemente a noção de food miles[1]  proposta por Tim Lang. A preocupação aqui vai além do local onde o alimento é produzido, inserindo também no debate quem produz, como produz e quem comercializa tal alimento, ou seja, é o que Portilho e Castañeda (2012) chamam de “confiança face a face” e a preocupação com a “história por trás da comida” (THOMPSON; HARPER; KRAUS, 2008). O conceito de local é amplamente mobilizado em estudos das mais diversas áreas do conhecimento. No entanto, a definição de alimento local não é consensual e varia entre autores. Conforme aponta Azevedo (2015), para facilitar as análises destes produtos se trabalha com definições dos tipos de mercados em que estão inseridos os alimentos locais, por mais que estas também sejam variadas. No que tange ao ativismo alimentar, ele revela-se como uma vertente do ativismo político que emergiu na década de 1960, como uma perspectiva mais “porosa, comprometida e criativa” de fazer política, em que a comida aparece como elemento central e transversal (AZEVEDO, 2017).

O relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, 2022) garante que as escolhas alimentares podem ajudar a reduzir as emissões de gases e a pressão sobre a Terra. Em seu trabalho, Schneider, Preiss e Marsden (2022, p. 15) enfatizam a importância das atitudes individuais em relação à alimentação. Os autores afirmam que “as opções e possibilidades de decisão sobre o quê, quando e onde comer estão confinadas à esfera das individualidades, das práticas individuais, mas, no entanto, elas têm um significado mais amplo, que afeta a sociedade, o meio ambiente e o regime climático.” Tal concepção tem sido cada vez mais questionada pelos movimentos alimentares, o que será abordado adiante. Eles ainda alegam que a alimentação, os hábitos de consumo e o ato de comer tornaram-se motores de interação social e, consequentemente, fonte de distinção social e construção de identidade (SCHNEIDER; PREISS; MARSDEN, 2022). Na mesma direção, a alimentação passa a ser percebida como construtora da identidade individual na perspectiva do cientista social Fischler (1988), e serve de análise do comportamento e da diferenciação social para Bourdieu (1984).

 O cenário em que se encontram os debates contemporâneos acerca da transição para uma “agricultura sustentável”, ou para um sistema agroalimentar sustentável e saudável, é marcado por tendências contraditórias. Conforme apontam Niederle, Almeida e Vezzani (2013), a emergência de um movimento de crítica ao paradigma produtivista coincidiu com um crescente domínio das grandes corporações sobre o setor agrícola e a produção de alimentos. Portanto, há uma coexistência entre as cadeias produtivas estandardizadas que operam no âmbito mundial e as dinâmicas ditas “alternativas” e locais de mercado, em que prevalecem as preocupações sociais com os impactos sobre a saúde e o meio ambiente por parte de atores sociais engajados em torno de novos conceitos de qualidade (NIEDERLE; ALMEIDA; VEZZANI, 2013).

Como argumentam Niederle e Wesz Jr, (2018), a contraposição entre essas diferentes perspectivas acerca do funcionamento do sistema agroalimentar tem favorecido a reprodução de concepções dualistas que opõem dinâmicas globais e locais, em que o “local” é geralmente positivado por um conjunto de atributos éticos, ecológicos e estéticos, enquanto o “global” é o espaço das desigualdades, dos poderes assimétricos, das relações de dominação e da degradação dos recursos (NIEDERLE; WESZ JR, 2018). No entanto, essa visão dualista, amplamente propagada pelos movimentos sociais e também pela academia, foi questionada e se tornou alvo de diversas críticas, sobretudo por parte de Hinrichs (2003), Goodman, Dupuis e Goodman (2012) e Wilkinson e Goodman (2017). Estes autores alertam para os problemas do “localismo defensivo” ou “localismo não reflexivo” (HINRICHS, 2003), que podem ser ainda mais excludentes, injustos e desiguais do que as próprias dinâmicas ditas globais de mercado. Inúmeros autores chamam a atenção para o equívoco de confundir mercados locais e diretos com “democracia alimentar” (HINRICHS, 2000; WINTER, 2003). Winter (2003), Goodman, Dupuis e Goodman (2012, p. 18) defendem que é necessário “abandonar um local que é fetichizado como intrinsecamente moral e mais justo”.

Apesar do termo “local” remeter a algo positivo e inclusivo, o locavorismo tende a homogeneizar o conceito de “alimento local”, contrapondo esferas de “local próprio” e “local alheio” ou “local do outro”. Heise (2008) demonstra como a ênfase no “local” pode revelar e apoiar conservadorismos, provincianismos, xenofobia e sentimentos anti-imigrante. De maneira similar, Stănescu (2010, p. 29) alerta para o potencial sentimento nacionalista anti-imigrante do movimento, afirmando que “causas inicialmente progressistas que, no entanto, não consideram as interseções de gênero, raça, classe e cidadania podem evoluir para nacionalismo ou localismo xenófobo”. Ele também inclui em sua crítica a dimensão do movimento feminista, ao defender que o locavorismo pode representar um retrocesso no campo dos direitos das mulheres, o que é corroborado em outros trabalhos, como o de Motta (2021), no qual a autora afirma que as desigualdades de gênero presentes no sistema alimentar têm sido amplamente documentadas, bem como “o paradoxo entre a responsabilidade das mulheres nos processos de produção e preparo de alimentos versus sua falta de poder nas decisões da política alimentar”. Ela ainda reitera que a romantização do local pode ser evitada justamente olhando para o núcleo familiar, no qual “se evidenciam as desigualdades de gênero envolvidas na divisão do trabalho ou nas desigualdades nutricionais entre gênero e gerações” (MOTTA, 2021).

 A valorização, para não dizer obsessão, por alimentos locais pode gerar impactos socioambientais e consequências desastrosas para o local de onde estes provêm. Exemplo disso é o caso da quinoa, apresentado por Blytman (2013). Após a crescente demanda pelo alimento por parte de consumidores do mundo todo, o preço do alimento subiu tanto que as pessoas que o consumiam tradicionalmente na Bolívia e no Peru não puderam mais comprá-lo, substituindo-o, inclusive, por alimentos ultraprocessados baratos. Essa pressão levou à formação de monoculturas do grão em detrimento dos diversos alimentos produzidos para o autoconsumo e abastecimento local. Por outro lado, consumidores preocupados com a saúde pessoal, o bem-estar animal e o efeito estufa comem quinoa proveniente do local alheio. Isso também aconteceu de maneira similar com diversos outros produtos no Brasil, como o fumo, a soja, a castanha-do-pará e o açaí (AZEVEDO, 2015).

Goodman aponta para uma das questões mais polêmicas em torno do localismo: o fato de que o abastecimento de produtos alimentícios de “qualidade”, via cadeias curtas e redes alternativas, é limitado, em geral, a consumidores que detêm capital econômico. Há uma forte dimensão de classe nas relações sociais de consumo de alimentos locais, orgânicos e alternativos. Goodman (2009) faz uma análise crítica sobre o tema e chama a atenção para aspectos desiguais do consumo e do varejo desses alimentos, incorporando na discussão as dimensões de classe, gênero, raça e etnia. Diferente da promessa de acesso mais democrático aos produtos locais, as relações sociais de consumo mostram-se desiguais, na medida em que, conforme argumenta Goodman (2004), o que se vê na prática, é a exigência de níveis altos de capital econômico e cultural para acessá-los, o que configura um “novo” sistema alimentar excludente, hierarquizado, estratificado por renda e por outros marcadores sociais.

Goodman e Dupuis (2002), ao analisarem diferentes formas de agência, em que o político é determinado como “capacidade de agir” e incorporado nas práticas sociais cotidianas, mobilizam a polêmica noção de “consumidor reflexivo”, na qual os consumidores são imbuídos de um processo reflexivo de consumo alimentar por entender que, para além de uma simples ação cotidiana, o ato de consumo envolve uma tomada de decisão política e moral. Guthman (2002) constata uma séria concepção elitista da reflexividade, segundo a qual o gosto popular seria predeterminado e automatizado, ao passo que apenas os consumidores de alimentos ecológicos seriam reflexivos. Fica muito evidente que o poder de escolha sobre do que se alimentar está claramente subordinado à renda da população, que é desigualmente distribuída. Essa desigualdade, além de social, é espacial. As “geografias desiguais” de varejo são destacadas por Goodman (2009) em dois casos exemplares de “aburguesamento foodie” em Londres/Inglaterra, o que é corroborado pelo estudo de Motta (2021, p. 19), que afirma que “as desigualdades resultam de uma distribuição estrutural desigual de ambientes alimentares, pois os bairros pobres muitas vezes não têm acesso a alimentos de qualidade e acessíveis”. Neste sentido, questões antes esquecidas na discussão sobre localismo despontam, e temas como equidade e justiça social passam a pairar nas discussões sobre redes agroalimentares alternativas e cadeias curtas de abastecimento.

Pollan (2006) expressa uma das causas para os benefícios ambientais de um sistema alimentar “local” em um capítulo do seu livro, intitulado The ethics of eating meat. Sob o subtítulo The Vegan Utopia, o autor defende que comer animais abatidos localmente é a única maneira de prevenir o aquecimento global e que ser vegano é mais prejudicial ao meio ambiente do que comer animais abatidos localmente. Stănescu (2010), ao mobilizar a questão “violenta” da produção e do consumo de carne, questiona e critica o locavorismo com base no que diz Pollan (2006) e outros locavores[2] . O autor afirma que o movimento cria “uma pastoral literária idealizada, irrealista e, às vezes, dolorosamente sexista e xenófoba”. Além disso, contrapõe a ideia implícita na noção de food miles de que quanto mais longe uma mercadoria é transportada, mais prejudicial ela é para o meio ambiente, e também condena o fato de o movimento ter um foco restrito à comida, deixando de lado outras práticas de consumo e outros produtos não alimentares igualmente prejudiciais. Stănescu (2010) ainda movimenta estudos que questionam as afirmações e os “ataques aos veganos e vegetarianos” de Pollan e inclusive os refutaram, como no trabalho de Christopher L. Weber e H. Scott Matthews, que concluiu que “mudar de carne bovina para vegetais, mesmo que seja um único dia por semana, seria de fato mais útil para reduzir os gases de efeito estufa do que mudar toda a dieta de uma pessoa para fontes exclusivamente produzidas localmente”. Cabe destacar que ele não ignora os objetivos importantes que o locavorismo ajuda a promover (STĂNESCU, 2010).

Dentro desta temática, encontra-se, entre suas tantas dimensões, a discussão da democratização do ato de alimentar-se. Em seu trabalho, Azevedo (2015, p. 87) sustenta que, por um lado, “a compra direta de alimentos locais é percebida como um processo de democratização alimentar, uma declaração de independência do império mantido pelos supermercados”. No entanto, por outro lado, “a prática de consumir alimentos locais ainda é considerada excludente, elitizada e permitida apenas a uma parte da população que pode arcar com os custos do alimento local” (p. 88). A autora também salienta que “o locavorismo tende a ser ambicioso e suas interfaces aparecem, inevitavelmente, cercadas de controvérsias e polêmicas” (p. 85). Uma das críticas refere-se justamente à noção de food miles, tendo em vista que uma análise baseada na distância e no transporte por si só seria demasiadamente simplista, deixando de considerar o uso total de energia, principalmente durante a produção de alimentos.  

É neste contexto de preocupações socioambientais em torno da alimentação saudável e local que emergem e destacam-se movimentos alimentares globais, como o fair trade e o Slow Food. O fair trade ou comércio justo, é um movimento social econômico que surgiu no final dos anos 1980 e tem a dimensão da justiça social como foco, embora não comercialize apenas alimentos. Segundo Wilkinson (2007), baseia-se na ação coletiva e no direcionamento de suas demandas prioritariamente ao mercado e não ao Estado. Portanto, como um movimento orientado para o mercado, o fair trade trata da politização da atividade de consumo, compreendendo não apenas “consumidores-ativistas”, mas também o Estado como consumidor (WILKINSON, 2007). Cabe aqui mencionar Niederle e Wesz Jr. (2018), que alegam que alguns mercados de longa distância, estruturados em torno da noção de comércio justo, podem ser tão ou mais relevantes que os próprios mercados locais, como espaços que promovem justiça social e ambiental. Já o movimento Slow Food, criado em 1986, na Itália, questiona a homogeneização e os efeitos do fast food. O movimento tem como princípio a defesa do “alimento bom, limpo e justo” e assume a proposta da “ecogastronomia”, que relaciona o prazer de comer com a consciência e a responsabilidade ambiental, redefinindo as relações entre quem consome e quem produz e estabelecendo conexões entre “o prato e o planeta”[3] (AZEVEDO, 2015; GAZOLLA; SCHNEIDER, 2017; NIEDERLE; WESZ JR., 2018).

Redes cívicas alimentares

Os conceitos de “redes alimentares cívicas” e “redes de cidadania agroalimentar” (RCA) vêm sendo propostos por pesquisadores dos sistemas agroalimentares como Renting, Schermer e Rossi, 2012, e Niederle e Wesz Jr., 2018, como uma nova abordagem analítica, construída a partir das contribuições teóricas sobre os circuitos curtos de comercialização e redes agroalimentares alternativas, podendo ser considerada como um passo adiante, tendo em vista que temas como solidariedade, cooperação, soberania e justiça alimentar ganham mais importância. As redes cívicas têm sido mobilizadas para caracterizar mercados que são, para além de “alternativos”, formados a partir do engajamento da sociedade civil organizada, em que as concepções de cidadania e democracia alimentar são centrais (RENTING; SCHERMER; ROSSI, 2012; NIEDERLE; WESZ JR., 2018). Em sua obra, Niederle e Wesz Jr. (2018) definem uma Ordem Cívica que tem a ação coletiva como princípio básico em prol da defesa de bens comuns, da democracia alimentar e do desenvolvimento sustentável. Os autores afirmam também que o que situa as práticas em uma ordem cívica não é o local onde elas se desenvolvem, mas os princípios que as orientam e os efeitos que produzem em termos de justiça social e ambiental (NIEDERLE; WESZ JR., 2018).  

Neste contexto, são mobilizados conceitos-chaves que situam e orientam as análises, discussões e práticas em torno dos movimentos críticos e contrários à organização do sistema agroalimentar corporativo globalizado. Primeiro, na década de 1970, surgiu o conceito de “segurança alimentar”, cujo foco é no acesso aos alimentos, independente de como, onde e por quem foi produzido. Nos anos 1990, novos conceitos entram em cena, tanto pela oposição ao aumento da dominação corporativa e injustiças mundo afora quanto pelo reconhecimento das limitações do conceito de segurança alimentar. São eles: soberania alimentar, justiça alimentar e democracia alimentar. Esses diferentes discursos são relacionais e se sobrepõem. Entretanto, não escapam das críticas, questionamentos e de disputas teóricas e empíricas, seja no âmbito acadêmico ou perante a sociedade civil organizada (THOMPSON; COCHRANE; HOPMA, 2020).

Operando no âmbito de organizações internacionais de desenvolvimento, o conceito de segurança alimentar surgiu em resposta ao aumento dos preços dos alimentos e do petróleo, em que a preocupação era apenas em relação à disponibilidade e à acessibilidade (alimentação como direito). A FAO, em 1996, definiu então que “existe segurança alimentar quando as pessoas têm, a todo momento, acesso físico e económico a alimentos seguros, nutritivos e suficientes para satisfazer as suas necessidades dietéticas e preferências alimentares, a fim de levarem uma vida ativa e sã” (FAO, 1996, n.p.).

Indo além da preocupação simplista de fornecer níveis suficientes de nutrição, surgiu, no Sul Global, no cerne dos movimentos sociais do campo, o conceito de “soberania alimentar”, fundamentado em discursos de redistribuição, justiça ambiental, equidade e direitos. O conceito foi introduzido no cenário global pela Via Campesina em 1996. Mais recentemente, a soberania alimentar foi definida como “um direito dos povos a alimentos nutritivos e culturalmente adequados, acessíveis, produzidos de forma sustentável e ecológica e o direito de decidir o seu próprio sistema alimentar e produtivo” (NYÉLÉNI, 2009, p. 1).

O conceito de “justiça alimentar” emergiu em grande parte dos movimentos de justiça ambiental e racial nos Estados Unidos, concentrando-se em injustiças que afetam desigualmente as pessoas dependendo da sua raça e classe. Gottlieb e Joshi (2010, p. 6) definem justiça alimentar como a “garantia que os benefícios e riscos de onde, o que e como os alimentos são cultivados e produzidos, transportados e distribuídos, acessados e consumidos são compartilhados de forma justa”.

A “democracia alimentar” se concentra explicitamente na participação cidadã na tomada de decisões sobre o sistema alimentar. O conceito emergente é atribuído à cunhagem do termo por Tim Lang, na década de 1990, como resposta ao controle das grandes corporações e à falta de participação dos consumidores no sistema agroalimentar (RENTING et al., 2012), no âmbito dos debates sobre sustentabilidade ambiental e nutrição social. Diz respeito ao “poder do cidadão” e à busca por “organizar o sistema alimentar” de forma que as pessoas possam se envolver diretamente com as decisões tomadas em seu próprio sistema alimentar (CARLSON; CHAPPELL, 2015). Cabe aqui destacar o termo “cidadania” que, segundo Dallari (1998), “expressa um conjunto de direitos que dá à pessoa a possibilidade de participar ativamente da vida e do governo de seu povo”. Ele ainda enfatiza que “quem não tem cidadania está marginalizado ou excluído da vida social e da tomada de decisões, ficando numa posição de inferioridade dentro do grupo social” (DALLARI, 1998, p. 14). A ideia de transformar os indivíduos em cidadãos ativos e não em consumidores passivos é, portanto, central para a democracia alimentar. “Cidadãos consumidores”, em colaboração com “cidadãos produtores”, reformulam suas relações nos diferentes estágios do sistema agroalimentar e ressignificam os alimentos para além da mera mercadoria como objeto de transação econômica (MIRANDA, 2020).

Wilkins (2005, p. 271) definiu cidadania agroalimentar como “a prática de engajar-se em comportamentos relacionados à alimentação que apoiam, em vez de ameaçar, o desenvolvimento de uma democracia socialmente e economicamente justa, e um sistema agroalimentar ambientalmente sustentável”. Nesse sentido, é importante tratar do tema da governança que, neste caso, é abordada como “governança alimentar” ou “governança cidadã”, em que se faz fundamental o exercício da cidadania agroalimentar. Miranda (2020) trata de uma “governança micro”, em virtude da ausência e/ou exiguidade do Estado.

Entende-se como governança a presença da diversidade de atores sociais em prol do exercício da cidadania agroalimentar, atuando como pilar fundamental para construção, expansão e consolidação das cadeias agroalimentares curtas. São ações coordenadas e desenvolvidas de forma equilibrada, desejavelmente por atores públicos e privados, em um processo de envolvimento efetivo destes para a construção de novos olhares e estratégias por meio de redes ou estruturas sociais pautadas na participação, cooperação, descentralização e soberania (p. 51).

O grupo de pesquisa intitulado Food for Justice: power, politics, and food inequalities in a bioeconomy[4] tem produzido importantes contribuições dentro das ciências sociais críticas se valendo da sociologia da alimentação e do campo interdisciplinar dos estudos alimentares, dadas suas pesquisas conceituais e empíricas sobre alimentos, mudança social e política alimentar, através das lentes dos movimentos alimentares, orientadas por uma postura epistemológica informada por perspectivas decoloniais e feministas. Recentemente, o Food for Justice se concentrou em desenvolver o conceito de “desigualdades alimentares”, as quais são multidimensionais, multiescalares, interseccionais e dinâmicas. O grupo aplica o conceito de “desigualdades sociais emaranhadas”[5] aos alimentos e incorpora mais quatro premissas: 1) múltiplas forças estruturais (socioeconômicas, sociopolíticas, socioecológicas, culturais e epistêmicas) produzindo ordenamentos hierárquicos na política alimentar; 2) uma perspectiva multiescalar e relacional, centrada nas interdependências entre fenômenos a diferentes níveis, desde as tendências históricas globais às negociações locais, fazendo a ponte entre as espacialidades urbanas e rurais; 3) desigualdades plurais e interseccionais, afetando grupos sociais categorizados em diferentes eixos de desigualdade; e 4) dinâmicas de transformação. Algo a se enfatizar é que o conceito de desigualdade alimentar descentraliza o sujeito abstrato dos sistemas alimentares e passa a entendê-los como sujeitos particularmente situados, ou seja, sujeitos marcados por classe, gênero, raça e outros eixos de diferença (MOTTA, 2021).

Motta faz um alerta em relação à noção de “justiça” que o grupo traz no nome. Tendo em vista os diferentes conceitos abordados neste trabalho, esta questão merece esclarecimento. Motta (2021, p. 9) afirma que “o nome do grupo Food for Justice não deve ser confundido com o discurso ativista sobre justiça alimentar, que está empiricamente situado nos movimentos negros e ativismo pela justiça ambiental nos EUA”. O alimento para a justiça, na verdade, brinca com a expressão food for thought ou “alimento para pensar”, em referência à máxima do antropólogo francês Lévi-Strauss “a comida é boa para pensar” (LÉVI-STRAUSS, 2004). Refere-se, portanto, a um convite para pensar a mudança social, levando em conta as desigualdades, por meio da alimentação. Para Motta, o termo justiça, neste caso, parte de teorias críticas e envolve demandas por redistribuição, reconhecimento, participação política e lutas por direitos e combate a injustiças que permeiam o sistema alimentar.

O Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA) é previsto pelo art. 25 da Declaração Universal dos Direitos Humanos adotada pela Organização das Nações Unidas em 1948. No Brasil, em 2010, a alimentação foi incluída no art. 6o da Constituição Federal como um dos direitos fundamentais. Como enfatizam Niederle e Wesz Jr. (2018), na medida em que a alimentação se torna um direito, cabe ao Estado garantir o acesso a ele por meio de políticas públicas voltadas à Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (SSAN). Conforme Niederle e Wesz Jr. (2018, p. 245), “os princípios cívicos que sustentam o direito à alimentação adequada orientaram a ação do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea) no desenho de políticas públicas”. Foi neste espaço, conformado por atores estatais e da sociedade civil, que se produziram algumas das práticas mais inovadoras em termos de promoção da democracia alimentar em que se desenvolveram políticas de mercados alimentares com forte potencial de inclusão social (NIEDERLE, 2017) que, para além da dimensão do acesso aos alimentos, se preocuparam com a sua qualidade, bem como com sua origem (NIEDERLE; WESZ JR., 2018). Cabe aqui destacar ainda que os conselhos de política alimentar são exemplos concretos de uma tentativa deliberada de desenvolver a prática da democracia alimentar (HASSANEIN, 2003).

Em um contexto de volta da fome no Brasil, uma pesquisa realizada em 2020 por Galindo et al. (2022), intitulada “Efeitos da pandemia na alimentação e na situação da segurança alimentar no Brasil”, mostrou que seis em cada dez casas brasileiras vivem em insegurança alimentar, em 59,9% dos domicílios entrevistados. Renata Motta, que participou da pesquisa, declarou em entrevista[6] que “a expressão mais grave e mais drástica das desigualdades sociais é a fome”, enfatizando ainda que “essa fome tem consequências irreversíveis para a saúde, pois há a redução de consumo de alimentos saudáveis e o aumento expressivo do consumo de alimentos industrializados” (MOTTA, 2021b, s.p.). Algo que merece destaque é a desigualdade brutal entre aqueles em situação de insegurança alimentar. Os principais marcadores sociais que aprofundam essa desigualdade são: local onde se mora (urbano x rural e regiões), gênero, raça ou cor da pele e idade. Dados da pesquisa demonstraram que a média nacional para as regiões urbanas é de 55,7% e, nas áreas rurais, 75%; se o único responsável pelo domicílio é uma mulher, o número em relação à média nacional sobe para 74%; se a pessoa se identificar racialmente como preta, sobe para 68% e, se parda, 67%; nos domicílios com crianças de até 4 anos esse número saltou para 71%, e em 63% dos domicílios com crianças entre 5 anos e adolescentes até 17 anos, há insegurança alimentar (GALINDO et al., 2022). Sendo assim, é possível afirmar que estes recortes têm impacto muito grande no que tange à segurança alimentar e nutricional da população, o que demonstra a interseccionalidade em torno da alimentação.

Algo muito realçado pelo trabalho de Galindo et al. (2022) é o fato de que esta situação vem de antes da pandemia, a qual, por sua vez, piorou um quadro que já era gravíssimo. Tal informação é corroborada pelo II Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil, o qual anunciou que, em 2022, 33,1 milhões de pessoas não tinham o que comer. Com a entrada de um governo de esquerda em 2003, foi implementada uma agenda política de combate à fome e de promoção do direito à alimentação que vinha gerando bons resultados como a saída do Brasil, em 2014, do Mapa da Fome das Nações Unidas e o reconhecimento internacional em relação a políticas públicas agroalimentares, como o PAA, o Pnae e a Pnapo. No entanto, houve uma reversão de agendas desde a polarização política e social após as manifestações de 2013. Desde o golpe contra a ex-presidente Dilma em 2016 ocorreu uma radical mudança de rumo no país, em que, para além do desmonte de políticas de proteção social e combate à fome, políticas agroalimentares robustas que garantam o direito humano à alimentação adequada deixaram de ser prioridade, ao mesmo tempo, o preço dos alimentos aumentava.

Em outubro de 2018, sob o lema “Sem democracia não há Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional”, os integrantes do Fórum Brasileiro de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (FBSSAN), Francisco Menezes, Renato Maluf e Maria Emília Pacheco, assinaram uma carta alertando sobre os riscos iminentes à democracia e declararam apoio ao então candidato de esquerda, Fernando Haddad. Em 2019, o Consea, um dos mais importantes órgãos no que concerne à garantia do direito à alimentação e ao exercício da cidadania alimentar, foi extinto. Em uma entrevista[7] concedida à BBC News Brasil, em junho de 2022, o representante da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e  Agricultura (FAO/ONU) no Brasil, Rafael Zavala, disse que “não se priorizou o combate à fome em nível nacional” (ZAVALA, 2022, s.p.). Percebeu-se as consequências de um Estado mínimo, inoperante e ausente que o “novo” governo eleito precisará recuperar.

Considerações finais

O sistema agroalimentar dominante e a forma monótona como os alimentos são produzidos, processados, transportados e consumidos impacta o solo, a água e a biodiversidade e, apesar disso, não tem conseguido gerar mais segurança alimentar e nutricional para a humanidade (SCHNEIDER; PREISS; MARSDEN, 2022). Estes impactos vêm afetando de maneira desigual e injusta a população de acordo com a classe, gênero e raça, entre outros marcadores sociais. Além da obesidade, da desnutrição e das mudanças climáticas coexistirem e interagirem entre si, elas têm em comum os sistemas alimentares hegemônicos como impulsionadores, bem como governança política inadequada para responder a eles. No entanto, a resposta às críticas segue sendo mais “modernização”, baseada fortemente no aumento da produtividade e em soluções tecnológicas e privadas.

Os anos 1980 e 1990 marcaram o início da contestação ao sistema agroalimentar dominante. A partir das preocupações sociais e políticas em torno da saúde e do meio ambiente, bem como da insatisfação dos consumidores e agricultores com as estruturas de mercado dominantes, emergiram novos mercados com base em circuitos curtos de abastecimento, configurando as redes alimentares alternativas. A emergência dos movimentos alimentares de “relocalização” das práticas alimentares, como sendo uma reação ao processo de deslocalização e desconexão entre o alimento e sua origem, acelerado pela globalização do sistema agroalimentar industrial, passou a ser foco de diversos estudos na sociologia da agricultura e da alimentação.

No entanto, muitos autores passaram a alertar para os problemas do “localismo defensivo” ou “localismo não reflexivo” (HINRICHS, 2003) que, facilmente, pode ser tão excludente, injusto e desigual quanto as próprias dinâmicas ditas globais de mercado. Chama-se a atenção para o equívoco de confundir mercados locais e diretos com “democracia alimentar”, tendo em vista que a ênfase no “local” pode revelar e apoiar conservadorismo, provincianismo, xenofobia e sentimento anti-imigrante. A principal crítica se refere ao fato de que o abastecimento de produtos alimentícios de “qualidade”, via cadeias curtas e redes alternativas, mostrou-se e é limitado, em geral, a consumidores que detêm capital econômico, o que configura um “novo” sistema alimentar excludente, hierarquizado, estratificado por renda e por outros marcadores sociais.

Os conceitos de “redes alimentares cívicas” ou “redes de cidadania agroalimentar (RCA)” vêm sendo propostos como uma nova abordagem analítica que vai além das redes agroalimentares alternativas, tendo em vista que temas como solidariedade, cooperação, soberania e justiça alimentar passam a ganhar mais importância. As redes cívicas têm sido mobilizadas para caracterizar mercados que são, para além de “alternativos”, formados a partir do engajamento da sociedade civil organizada, em que as concepções de cidadania e democracia alimentar são centrais (RENTING; SCHERMER; ROSSI, 2012; NIEDERLE; WESZ JR., 2018). O conceito de justiça alimentar concentra-se em injustiças que afetam desigualmente as pessoas dependendo da sua raça e classe. A democracia alimentar se concentra explicitamente na participação cidadã na tomada de decisões sobre o sistema alimentar, diz respeito ao “poder do cidadão” e a busca por organizar o sistema alimentar de forma que as pessoas possam “se envolver diretamente com as decisões tomadas em seu próprio sistema alimentar” (CARLSON; CHAPPELL, 2015). A ideia de transformar os indivíduos em cidadãos ativos e não em consumidores passivos é, portanto, central para a democracia alimentar. Wilkins (2005, p. 271) definiu cidadania agroalimentar como “a prática de engajar-se em comportamentos relacionados à alimentação que apoiam, em vez de ameaçar, o desenvolvimento de uma democracia socialmente e economicamente justa, e um sistema agroalimentar ambientalmente sustentável”.

A alimentação oferece uma série de pontos de entrada para entender os processos de mudança social, ao mesmo tempo que documenta os padrões persistentes de fenômenos estruturais, como desigualdades de classe, raça e gênero no consumo de alimentos (MOTTA, 2021). O reconhecimento de que o sistema agroalimentar foi e continua sendo um terreno contestado caracteriza um espaço importante para a agência individual e, sobretudo, coletiva. A participação ativa e o engajamento político estão no cerne da cidadania alimentar e da democracia alimentar. Falar da pressão pela democratização do sistema alimentar é reconhecer que existem espaços de resistência e criatividade nos quais as próprias pessoas tentam governar e moldar suas relações com a alimentação e a agricultura (HASSANEIN, 2003).

As desigualdades alimentares são multidimensionais, multiescalares, interseccionais e dinâmicas, e para modificar este cenário crítico são necessárias mudanças estruturais, bem como que se criem coalizões por parte dos diferentes movimentos alimentares a fim de construir alianças estratégicas que fortaleçam os movimentos e a ação coletiva. Afinal, a pressão social de um movimento alimentar unido tem muito mais chances de transformar os sistemas agroalimentares. Além disso, em vez de pensar no local como substituto do global, ou vice-versa, seria mais simples pensar em uma nova articulação entre essas duas categorias, baseada em valores como igualdade, justiça social, soberania alimentar, cidadania e democracia alimentar.

Referências bibliográficas

BEHLING, Herman et al. Dinâmica dos campos no sul do Brasil durante o Quaternário Tardio. In.: PILLAR, Valério de Patta et al. Campos Sulinos – conservação e uso sustentável da biodiversidade. Editores. Brasília: MMA, 2009.

ABRAMOVAY, Ricardo. Desafios para o Sistema Alimentar Global. Agriculturas/Artigos. Ciência e Cultura, v. 73 n. 1, 2020.

ALKON, Alison Hope; AGYEMAN, Julian. Cultivating food justice: race, class, and sustainability. MIT Press, 2011.

AZEVEDO, Elaine. Alimentação, sociedade e cultura: temas contemporâneos. Sociologias, Porto Alegre, v. 19, n. 44, p. 276-307, 2017.

AZEVEDO, Elaine. O ativismo alimentar na perspectiva do locavorismo. Revista Ambientes e Sociedade, v. 18, p. 81-98, 2015.

BLYTMAN, Joanna. Can vegans stomach the unpalatable truth about quinoa? The Guardian, 2013. Disponível em: https://www.theguardian.com/commentisfree/2013/jan/16/vegans-stomach-unpalatable-truth-quinoa. Acesso em: 10 jan. 2023.

BOURDIEU, Pierre. Distinction: A Social Critique of the Judgement of Taste. Cambridge, MA: Harvard University Press, 1984.

CAMPBELL, Hugh. Breaking new ground in food regime theory: Corporate environmentalism, ecological feedbacks and the ‘food from somewhere’ regime? Agriculture and Human Values. v. 26, p. 309-319, 2009.

CARLSON, Jill; CHAPPELL, Jahi. Deepening Food Democracy. Institute for Agriculture and Trade Policy: Washington, DC, p. 6, 2015.

DALLARI, Dalmo. Direitos Humanos e Cidadania. São Paulo: Moderna, 1998.

FAO. Declaração de Roma sobre a Segurança Alimentar Mundial e Plano de Ação da Cimeira Mundial da Alimentação. Roma, 1996.

FAO; IFAD; UNICEF; WFP; WHO. The State of Food Security and Nutrition in the World 2022. Repurposing food and agricultural policies to make healthy diets more affordable. Rome, FAO, 2022.

FISCHLER, Claude. Food, Self and Identity. Social Science Information, v. 27, p. 275-293, 1988.

GALINDO, Eryka et al. Working Paper 4: efeitos da pandemia na alimentação e na situação da Segurança Alimentar no Brasil.Working Paper Series Food for Justice 2. ed. 2022.

GAZOLLA, Márcio; SCHNEIDER, Sergio (Orgs.). Cadeias curtas e redes agroalimentares alternativas. Porto Alegre: UFRGS, p. 59-82, 2017.

GOODMAN, David. Espaço e lugar nas redes alimentares alternativas: conectando produção e consumo. In: GAZOLLA, Márcio; SCHNEIDER, Sergio (Orgs.). Cadeias curtas e redes agroalimentares alternativas. Porto Alegre: UFRGS, p. 59-82, 2017.

GOODMAN, David. Rural Europe Redux? Reflections on Alternative Agro-Food Networks and Paradigm Change. Sociologia Ruralis, v. 44, n. 1, p. 3-16, 2004.

GOODMAN, David. The quality ‘turn’ and alternative food practices: reflections and agenda. Journal of Rural Studies, v. 19, n. 1, p. 1-7, 2003.

GOODMAN, David; DUPUIS, Melanie; GOODMAN, Michael. Alternative Food Networks: knowledge, practice and politics. Londres: Routledge, 2012.

GOODMAN, David; DUPUIS, Melanie. Knowing food and growing food: Beyond the production-consumption debate in the sociology of agriculture. Sociologia Ruralis, v. 42, n. 1. p. 5-22, 2002.

GOTTLIEB, Robert e JOSHI, Anupama. Food Justice. MIT Press, p. 6, 2010.

GUTHMAN, Julie. Commodified meanings, meaningful commodities? Rethinking production-consumption linkages in the organic system of provision. Sociologia Ruralis, v. 42, n. 2, p. 295-311, 2002.

HASSANEIN, Neva. Practicing food democracy: a pragmatic politics of transformation. Journal of Rural Studies, v. 19, n. 1, p. 77-86, 2003.

HEBINCK, Paul; PLOEG, Jan; SCHNEIDER, Sergio (Orgs.). Rural Development and the Construction of New Markets. 1. ed. Londres: Routledge, 2015.

HEISE, Ursula. Sense of Place and Sense of Planet: The Environmental Imagination of the Global. Oxford: Oxford University Press. Reino Unido, 2008.

HINRICHS, Clare. The practice and politics of food system localization. Journal of Rural Studies, v. 19, p. 33-45, 2003.

HINRICHS, Clare. Embeddedness and local food systems: notes on two types of direct agricultural market. Journal of Rural Studies, v. 16, p. 295-303, 2000.

LAMINE, Claire. Sustainability and resilience in agrifood systems: reconnecting agriculture, food and the environment. Socioligia Rural, v. 55, n. 1, p. 41-61, 2015.

LANG, Tim. Towards a Food Democracy. Sian Griffiths and Jennifer Wallace (eds.), Consuming Passions: Food in the Age of Anxiety. Manchester University Press, p. 18, 1998.

LÉVI-STRAUSS, Claude. O cru e o cozido. São Paulo: Cosac Naify. Mitológicas, v. 1, 2004.

MCMICHAEL, Philip. A food regime genealogy. Journal of Peasant Studies, p.139-169, 2009.

MIRANDA, Dayana Lilian Rosa. Redes de cidadania agroalimentar e a construção social do mercado de orgânicos/agroecológicos em Florianópolis – SC.  Tese (Doutorado)  Universidade Federal do Paraná. Setor de Ciências Agrárias, Programa de Pós-Graduação em Meio Ambiente e Desenvolvimento. Curitiba, 2020.

MORGAN, Kevin; MARSDEN, Terry; MURDOCH, Jonathan. Networks, Conventions and Regions: theorizing ‘Worlds of Food’. In: MORGAN, Kevin, MARSDEN, Terry, MURDOCH, Jonathan (eds.). Place, Power and Provenance in the Food chain. Oxford University Press: Oxford, p. 7-25, 2006.

MOTTA, Renata. Food for Justice: Power, Politics and Food Inequalities in a Bioeconomy. Preliminary Research Program. Food for Justice Working Paper Series, n. 1. Berlin: Food for Justice: Power, Politics, and Food Inequalities in a Bioeconomy, 2021.

MOTTA, Renata. Fome volta ao Brasil e quase dois terços da população urbana sofrem de insegurança alimentar. Entrevista especial com Renata Motta. [Entrevista concedida a Patricia Fachin e Ricardo Machado]. Determinantes Sociais da Saúde Brasil – Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca – Fundação Oswaldo Cruz (DSSBR/ENSP/Fiocruz). Rio de Janeiro, maio de 2021b. Disponível em: https://dssbr.ensp.fiocruz.br/fome-volta-ao-brasil-e-quase-dois-tercos-da-populacao-urbana-sofrem-de-inseguranca-alimentar-entrevista-especial-com-renata-motta-2/. Acesso em: 10 jan. 2023.

NIEDERLE, Paulo. Afinal, que inclusão produtiva? A contribuição dos novos mercados alimentares. In: DELGADO, G.; BERGAMASCO, S. M. (Orgs.). Agricultura familiar brasileira: desafios e perspectivas de futuro. Brasília: Nead, p. 166-194, 2017.

NIEDERLE, Paulo; WESZ JR, Valdemar. As novas ordens alimentares. Porto Alegre: UFRGS, 2018.

NIEDERLE, Paulo; WILKINSON, John; MASCARENHAS, Gilberto. O sabor da origem: produtos territorializados na nova dinâmica dos mercados alimentares. Escritos, 2016.

NIEDERLE,  Paulo André; ALMEIDA, Luciano de; VEZZANI, Fabiane Machado (Orgs.) Agroecologia: práticas, mercados e políticas para uma nova agricultura. Curitiba: Kairós, p. 393, 2013.

NYÉLÉNI. Declaration of Nyéléni. Sélingué, Mali, 2007.

PATEL, Rajeev. Food sovereignty: power, gender, and the right to food. PLoS Medicine, v. 9 n. 6, 2012.

PENSSAN, REDE. II Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil (II VIGISAN): relatório final. Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar  Penssan. São Paulo, SP: Fundação Friedrich Ebert: Rede Penssan, 2022.

PLOEG, Jan et al. Rural development: from practices and policies towards theory. Sociologia Ruralis, v. 40, n. 4, p. 391-408, 2000.

POLLAN, Michael. The Omnivore’s Dilemma: A Natural History of Four Meals. Nova York: Penguin Books, 2006.

PORTILHO, Fátima. Novos atores no mercado: movimentos sociais econômicos e consumidores politizados. Política & Sociedade, v. 8, p. 199-224, 2009.

PORTILHO, Fátima; CASTANEDA, Marcelo. Certificação e confiança face a face em feiras de produtos orgânicos. Revista de Economia Agrícola, v. 58, p. 11-21, 2012.

RENTING, Henk; MARSDEN, Terry; BANKS, Jo. Understanding Alternative Food Networks: Exploring the Role of Short Food Supply Chains in Rural Development. Environment and Planning A: Economy and Space, v. 35, n.3, p. 393-11, 2003.

RENTING, Henk; SCHERMER, Markus; ROSSI, Adanella. Building food democracy: exploring civic food networks and newly emerging forms of food citizenship. International Journal of Sociology of Agriculture and Food, v. 19, n. 3, p. 289-307, 2012.

SCHNEIDER, Sergio; PREISS, Potira V.; MARSDEN, Terry. Food and Agriculture in Urbanized Societies: Pathways for a Better Future, v. 26, 2022.

STANESCU, Vasile. ‘Green’ Eggs and Ham? The Myth of Sustainable Poultry and the Danger of the Local. Journal for Critical Animal Studies, v. VIII, Issue 1/2, 2010.

SWINBURN, Boyd et al. The global syndemic of obesity, undernutrition, and climate change: The Lancet Commission report. The lancet, v. 393, n. 10173, p. 791-846, 2019.

THOMPSON, EEdward, HARPER, Alethea; KRAUS, SSibella.  Think Globally – Eat Locally: San Francisco Foodshed Assessment, 2008. Disponível em: https://farmlandinfo.org/publications/think-globally-eat-locally-san-francisco-foodshed-assessment/. Acesso em: 4 jan. 2023.

THOMPSON, Merisa; COCHRANE, Alasdair; HOPMA, Justa. Democratising food: the case for a deliberative approach. Review of International Studies, v. 46, n.4, p. 435-455, 2020.

WEBER, Christopher; MATTHEWS, Scott. Food-Miles and the Relative Climate Impacts of Food Choices in the United States. Environ. ciência Tecnol, v. 42, n.10, 2008.

WILKINS, Jennifer. Eating right here: moving from consumer to food citizen. Agriculture and Human Values, v. 22, n. 3, p. 269-273, 2005.

WILKINSON, John. O Sistema Agroalimentar Global e brasileiro em face da nova fronteira tecnológica e das novas dinâmicas geopolíticas e de demanda. Saúde Amanhã: Textos para Discussão 84, 2022.

WILKINSON, John. Fair Trade: Dynamic and Dilemmas of a Market Oriented Global Social Movement. Journal of Consumer Policy, n. 30, p. 219-239, 2007.

WILKINSON, John; GOODMANN, David. As análises em termos de ‘food regime’  uma releitura. In: G. Allaire and B. Daviron. (ed.) Transformations agricoles et agrolaimentaires: entre écologie et capitalisme. Versailles, Quae, 2017.

WINTER, Michael. Embeddedness, the new food economy and defensive localism. Journal of Rural Studies, v. 19, p. 23-32, 2003.

ZAVALA, Rafael. ‘Não se priorizou o combate à fome no Brasil’, diz representante da FAO no país. [Entrevista cedida a Julia Braun]. BBC News Brasil. São Paulo, jun. 2022. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-62004074. Acesso em: 10 jan. 2023.

Maiz Bortolomiol Dias

Agrônoma e estudante de mestrado no Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Rural da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (PGDR/UFRGS). Atualmente, faz parte do Grupo de Pesquisa em Sociologia das Práticas Alimentares (Sopas).

E-mail: maizbortolomiol@hotmail.com

ID Lattes: http://lattes.cnpq.br/2344400311937142

ORCID: https://orcid.org/0000-0003-3623-440X

Paulo André Niederle

Professor do Departamento de Sociologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), onde coordena o Grupo de Pesquisa em Sociologia das Práticas Alimentares (Sopas). Atualmente, é coordenador da área de Sociologia da CAPES.

E-mail: pauloniederle@gmail.com

ID Lattes: http://lattes.cnpq.br/3985133612947371

ORCID: https://orcid.org/0000-0002-7566-5467

Revista IDeAS, Rio de Janeiro, volume 17, 1-24, e023012, jan./dez. 2023 • ISSN 1984-9834


[1] Food miles é um termo cunhado por Tim Lang no início dos anos 1990 que se refere à distância percorrida pelos alimentos durante seu processo produtivo e seus impactos ambientais (AZEVEDO, 2015).

[2] Locavore é a pessoa interessada em comprar e consumir alimentos produzidos localmente. Segundo Rudy (2012), a palavra locavore em inglês (ou localvore), eleita pelo dicionário americano Oxford como a palavra do ano em 2007, foi cunhada por Jessica Prentice, nos EUA (apud AZEVEDO, 2015).

[3] Citação disponível em: http://www.slowfoodbrasil.com Acesso em: 8 jan. 2023.  

[4] Disponível em: https://www.google.com/url?q=https://www.lai.fu-berlin.de/food-for-justice&sa=D&source=docs&ust=1673642179503361&usg=AOvVaw3XgL74GgdpRlte9V27OdU7.

[5] Citando Braig, Costa e Göbel (2013), Motta (2021, p. 17) indica que o conceito de “desigualdades sociais emaranhadas” refere-se às “distâncias entre posições que indivíduos ou grupos de indivíduos assumem no contexto de um acesso hierarquicamente organizado a bens sociais relevantes (renda, riqueza etc.) e recursos de poder (direitos, participação política, posições políticas etc.)”.  

[6] Disponível em: https://dssbr.ensp.fiocruz.br/fome-volta-ao-brasil-e-quase-dois-tercos-da-populacao-urbana-sofrem-de-inseguranca-alimentar-entrevista-especial-com-renata-motta-2/.

[7] Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-62004074.