Aproximações entre os estudos da sociologia pragmática e da ambientali… P á g i n a |
Artigo original • Revisão por pares • Acesso aberto
Dinâmicas socioprodutivas da agricultura familiar na Encosta da Serra Geral do Litoral Norte do Rio Grande do Sul: contingências e respostas diante da múltipla incidência de Políticas Públicas (PP)
Socioproductive Dynamics of family farming in the Encosta da Serra Geral of the Northern Coast of Rio Grande do Sul: Contingencies and Responses to the Multiple Incidences of Public Policies
Gustavo Martins; Andréia Vigolo Lourenço; Marcelo Antonio Conterato
Resumo O objetivo deste artigo foi analisar como os espaços agrários se reconfiguram a partir da múltipla incidência de Políticas Públicas. Lançando mão de estudos empíricos realizados na Encosta do Litoral Norte do Rio Grande do Sul, o artigo buscou identificar e caracterizar as diferentes Políticas Públicas que incidiram na região. Também tratou de compreender como elas influenciaram as dinâmicas socioprodutivas da agricultura familiar ao longo do tempo. Os resultados apontam para três corpus de políticas (modernização da agricultura, preservação da Mata Atlântica e inclusão socioprodutiva) que recaíram sobre o território. Os cinco capitais analisados evidenciam a reconfiguração socioprodutiva nas unidades familiares de produção como consequência da ampliação ou redução dos seus ativos. O artigo reforça a necessidade de estudos que analisem as Políticas Públicas pela sua influência sobre as dinâmicas socioprodutivas. Aponta, também, para a urgência de mecanismos que articulem políticas setoriais e que, concomitantemente, sejam sensíveis a fatores territoriais. Palavras-chave: Desenvolvimento rural. Políticas setoriais. Unidades familiares de produção. Combinação de políticas. Meios de vida. Abstract This article aims to analyze how agrarian spaces are reconfigured as a result of the multiple impacts of public policies. Using empirical studies conducted in the Encosta do Litoral Norte region of Rio Grande do Sul, the article aimed to identify and characterize the various public policies that have impacted the region. It also tried to understand how they have influenced the socio-productive dynamics of family farming over time. The results point to three sets of policies (modernization of agriculture, preservation of the Atlantic Forest, and socio-productive inclusion) that have affected the territory. The five capitals analyzed show the socio-productive reconfiguration of family production units as a result of the expansion or reduction of their assets. The article underscores the importance of studies that examine the impact of public policies on socio-productive dynamics. It also points to the urgent need for mechanisms that articulate sectoral policies and, at the same time, are sensitive to territorial factors. Keywords: Rural development. Sectoral policies. Family production units. Policy mix. Livelihoods approach. | Submissão: Aceite: Publicação: |
Citação sugerida MARTINS, Gustavo; LOURENÇO, Andréia Vigolo; CONTERATO, Marcelo Antonio. Dinâmicas socioprodutivas da agricultura familiar na Encosta da Serra Geral do Litoral Norte do Rio Grande do Sul: contingências e respostas diante da múltipla incidência de Políticas Públicas (PP). Revista IDeAS, Rio de Janeiro, v. 19, p. 1-33, e025004, jan./dez. 2025. Licença: Creative Commons - Atribuição/Attribution 4.0 International (CC BY 4.0). |
Introdução
Nas últimas décadas, um amplo conjunto de Políticas Públicas para a agricultura familiar emergiu no Brasil, sendo o seu marco inicial a institucionalização do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), em 1995. Isso possibilitou a expansão de ações direcionadas para essa categoria social, até então invisibilizada perante o Estado (Grisa; Schneider, 2015). Complementarmente, a emergência de Políticas Públicas de natureza territorial buscou superar abordagens setoriais voltadas ao desenvolvimento agrícola (Hentz; Aristides; Hespanhol, 2015). Essa extensa gama de políticas – sejam elas setoriais ou territoriais, específicas à agricultura familiar ou não – criou dispositivos de intervenção que, em diferentes associações, produziu mudanças ambientais, econômicas e sociais nos espaços rurais.
À luz desses processos, pesquisas têm investigado, em distintas escalas de análise, os efeitos individuais das políticas para a agricultura familiar (Carneiro, 1997; Silva, 2011; Batista; Neder, 2014; Fossá et al., 2020). Não obstante, são escassas as evidências sobre o efeito da combinação de diferentes políticas sobre o rural, o que abre uma lacuna para o completo entendimento de como elas, em seu conjunto, impactam as dinâmicas agrárias. Nesse sentido, um dos debates recentes buscou compreender como os territórios e as estruturas territoriais respondem às múltiplas Políticas Públicas e a outros instrumentos que incidem sobre eles. Sob esse enfoque, os territórios não seriam entendidos como meros repositórios das Políticas Públicas, mas sim interpretados e categorizados a partir do seu papel ativo no que diz respeito a elas. Ou seja, tão necessário quanto entender quais políticas atuam sobre os territórios (e de que forma elas operam) passa a ser a compreensão dos tipos de recursos e estratégias mobilizadas pelos próprios atores diante dessas intervenções (Favareto; Lotta, 2022).
Com o propósito de contribuir para esse debate, neste artigo analisamos como os sistemas de produção territorialmente contextualizados[1] operam ante a múltipla incidência de Políticas Públicas e reconfiguram as dinâmicas socioprodutivas nos espaços agrários ao longo do tempo. A análise é realizada a partir do contexto empírico da Encosta da Serra Geral do Litoral Norte do Rio Grande do Sul (RS) e busca atender a dois objetivos. O primeiro é articular e operacionalizar referenciais teóricos e metodológicos que permitam compreender as dinâmicas do desenvolvimento nos espaços rurais, em especial as socioprodutivas da agricultura familiar.
O segundo é ampliar o entendimento sobre a região de estudo e evidenciar como o conjunto de Políticas Públicas – com diferentes objetivos – incidiu sobre as trajetórias das unidades familiares de produção e reconfigurou seus sistemas produtivos.
A Encosta da Serra Geral do Litoral Norte do RS abrange os municípios de Maquiné, Dom Pedro de Alcântara, Itati, Osório, Terra de Areia, Três Cachoeiras Três Forquilhas, Mampituba e Morrinhos do Sul, todos originados de distritos emancipados dos municípios de Osório ou de Torres. Localizados entre a planície Lagunar e os campos de altitude, esses municípios têm parte importante dos seus territórios sobre a Encosta da Serra Geral, em áreas acidentadas localizadas no domínio do bioma Mata Atlântica. Além disso, a região é caracterizada pela marcada presença da agricultura familiar. A coexistência dessas características, associada à incidência de Políticas Públicas setoriais sobre o espaço rural, fez da região palco de transformação nas dinâmicas agrícola, agrária e ambiental ao longo dos últimos 50 anos.
O estabelecimento da agricultura familiar na região remonta ao período de consolidação da colonização portuguesa no sul do Brasil. Dedicada à criação de gado e à produção de cana, nela conjugava-se o trabalho de africanos escravizados ao de colonos açorianos. O processo estendeu-se até final do século XIX, quando se efetiva o estabelecimento da pequena propriedade rural baseada na força de trabalho familiar sobre os vales e encostas da Serra Geral. A consolidação dos projetos de colonização é marcada pelos primeiros movimentos de êxodo rural em meados do século XX, efeito de uma disruptura entre a base técnica da agricultura de coivara (em virtude da intensificação da capacidade produtiva) e o sistema econômico emergente. Mas é na segunda metade do século XX que as Unidades de Produção Familiares (UPF) passam por um intenso processo de diferenciação, associado principalmente ao advento da modernização da agricultura (Gerhardt, 2002; Martins, 2013). Nesse período, os sistemas produtivos tradicionais encontraram dificuldades de reprodução social e econômica. Enquanto muitos passaram por processos de descapitalização e desativação, outros (que dispunham de condições para responder à incorporação da nova base técnica) reorganizaram-se em novas dinâmicas produtivas e de mercados, referenciados na modernização da agricultura.
Somado a isso, a recente percepção sobre a relevância ecológica da Mata Atlântica e do seu estado de degradação em âmbito nacional levou a um arcabouço institucional voltado à preservação desse bioma e ao reconhecimento de parte da região como Zona Núcleo da Reserva da Biosfera da Unesco em 1994. As regulações legais sobre o manejo da vegetação nativa e da prática da coivara – base técnica dos sistemas produtivos coloniais – não foram acompanhadas pelo incentivo a alternativas adequadas aos sistemas de produção localizados nas áreas acidentadas. Consequentemente, ocorreram conflitos socioambientais e um novo ciclo de exclusão social decorrente do arcabouço legal e de instrumentos de gestão pública voltados à preservação da Mata Atlântica (Gerhardt, 2002; Perotto, 2007; Marins, 2013).
Uma das reações diante da crise enfrentada por segmentos da agricultura familiar ao longo dos anos 1980 foi o surgimento de iniciativas em agroecologia e produção orgânica na região, com pioneirismo da Rede Ecovida de Agroecologia (Moura; Martins; Ramos, 2013). As primeiras iniciativas remontam à década de 1990 e, atualmente, agregam cerca de 400 famílias distribuídas em todos os municípios da região, organizadas em grupos informais e associações. Trata-se de um conjunto heterogêneo de Unidades de Produção Familiares que compartilham em sua trajetória um movimento de inflexão para a agroecologia e a produção orgânica. Nessa rota “alternativa”, Unidades de Produção Familiares ampliaram a capacidade de reprodução social e econômica, superando quadros de exclusão social e produtiva.
Assim, diferentes expressões da agricultura familiar hoje observadas na região são parte e fruto das transformações agrárias. Embora essas afirmações pareçam um tanto tautológicas, a relevância desse trabalho está na forma como buscamos compreender as mudanças das dinâmicas socioprodutivas da agricultura familiar. Nos desafiamos a acionar referenciais teóricos que sejam sensíveis a identificar Políticas Públicas incidentes nessa região e, associado a isso, que possibilitem compreender a sua relação com as dinâmicas socioprodutivas da agricultura familiar na esfera de estabelecimentos rurais. Dessa forma, parece possível avançar na compreensão de processos complexos que, geralmente, não encontram capacidade explicativa per se nos dados censitários, na análise das Políticas Públicas setoriais ou mesmo na avaliação exclusiva de indicadores agroeconômicos de estabelecimentos rurais.
Diante desse contexto, o arcabouço teórico-metodológico utilizado neste trabalho foi definido com base em dois pressupostos. O primeiro concebe as áreas rurais como expressões qualitativas e quantitativas da recombinação de variáveis internas a elas, bem como da sua sujeição aos efeitos das ações do Estado que incidem sobre elas na forma de políticas públicas. O segundo pressuposto parte do entendimento de que os estabelecimentos rurais são expressões materiais dessas relações. Eles se constituem e se modificam ao longo do tempo como resultado de suas variáveis internas e da relação com as variações de contexto, o que inclui o impacto das Políticas Públicas, expressando alterações nas dinâmicas socioprodutivas na agricultura.
À luz desse entendimento, a questão específica que orientou o desenvolvimento deste trabalho foi: quais foram as Políticas Públicas que incidiram na região e de que forma contribuíram para (re)criar condicionantes ou oportunidades para as unidades familiares de produção? Para responder a esta questão, o artigo explora dois níveis de análise. O primeiro trata de evidenciar o corpus de Políticas Públicas incidentes sobre a região. O outro, de compreender as dinâmicas socioprodutivas de unidades familiares de produção. Assumir esses dois níveis de análise implicou olharmos os contextos agrários sob um marco temporal longo, capaz de captar as alterações nesse corpus que corroboram as explicações sobre as dinâmicas socioprodutivas da agricultura familiar, mas também em escala de estabelecimentos rurais. Assim, para darmos tratamento analítico às Políticas Públicas e aos estabelecimentos rurais, associamos o referencial teórico da Combinação de Políticas Públicas e o da abordagem dos Meios de Vida, respectivamente.
O artigo está subdividido em três seções, além desta introdução. A próxima seção trata do referencial teórico-metodológico, apresentando as duas abordagens teóricas que foram articuladas e operacionalizadas. Em seguida, são mostrados os resultados da análise de políticas públicas, buscando evidenciar como a incidência de políticas setoriais contribuiu para a transformação da realidade agrária da região. Na seção seguinte buscamos descrever a trajetória das Unidades de Produção Familiar e o efeito dos diferentes corpus de políticas sobre elas. Por fim, nas considerações finais apontamos para a importância de analisar as Políticas Públicas não somente a partir dos seus instrumentos, mas da sua capacidade de gerar heterogeneidades agrícolas e agrárias e como essas respostas territoriais devem ser consideradas na construção, implantação e avaliação de Políticas Públicas.
Referencial teórico-metodológico
Neste artigo, a discussão foi desenvolvida a partir de dois níveis de análise: a regional e a das Unidades de Produção Familiares. O primeiro nível tratou de compreender o contexto agrário da região de Encosta da Serra Geral do Litoral Norte do RS, em que buscamos evidenciar Políticas Públicas que nele incidiram, bem como as mudanças sociais, econômicas e ambientais relacionadas. Já no segundo nível, as análises focaram nas Unidades de Produção Familiares procurando compreender as mudanças que ocorreram ao longo de suas trajetórias, seus motivos e impactos social, produtivo e econômico. A partir disso, a necessidade de articular análises macroanalíticas com microanalíticas demandou a associação de duas vertentes teóricas distintas: as abordagens da Combinação de Política Públicas (policy mix) e dos Meios de Vida (livelihoods approach).
A análise do contexto agrário da região de Encosta da Serra Geral do Litoral Norte do RS foi dedicada a identificar as Políticas Públicas que nele incidiram e as mudanças sociais, econômicas e ambientais relacionadas a elas. Para esse âmbito de análise lançamos mão da abordagem da Combinação de Políticas Públicas. Nos baseamos nas proposições de Rogge e Reichardt (2016) para identificar as amplitudes temáticas das Políticas Públicas, seus objetivos e os instrumentos que incidiram sobre a região em estudo. Nos referenciamos em Flanagan e colaboradores (2011) para adotar a noção de interação entre Políticas Públicas, na qual diferentes instrumentos promovem mudanças em temas específicos e incidem sobre os mesmos atores, ou seja, sobre as Unidades de Produção Familiares. De Kern e colaboradores (2019) incorporamos as observações acerca de procedimentos metodológicos que sugerem a adoção de uma escala de análise temporal e a identificação das relações de causalidade entre as Políticas Públicas e os resultados, sendo esses expressos pelas mudanças nas dinâmicas socioprodutivas da agricultura familiar.
À luz desse referencial teórico, a análise do contexto agrário da região de estudo foi realizada por meio de revisão bibliográfica, análise de dados secundários e consulta a atores envolvidos na implementação de Políticas Públicas. A partir desse conjunto de dados, buscamos identificar e caracterizar as diferentes PP no âmbito federal e estadual que tiveram uma ampla incidência na região. Foram consideradas como PP um conjunto diverso de instrumentos (leis, normas, programas de desenvolvimento) com relevante influência sobre a região de estudo a partir da segunda metade do século XX.
No que se refere às Unidades de Produção Familiar, tratamos de compreender as trajetórias construídas pelas famílias agricultoras e os fatores que exerceram influência sobre elas. A partir da abordagem dos Meios de Vida, incluímos os atores sociais nessa análise ao lançar luz sobre a reação deles perante a situações de contingências no campo social, ambiental, produtivo e econômico.
Sob o ponto de vista operacional, essa abordagem analisa os Meios de Vida a partir de cinco capitais, constituídos por um conjunto de ativos que dão suporte a eles (Perondi; Schneider, 2012). Os capitais, como representações dos Meios de Vida das pessoas e comunidades, são elementos dinâmicos e estão sujeitos às influências de mudanças, tais como o efeito das Políticas Públicas. Complementarmente, a abordagem dos Meios de Vida permite estabelecer relações entre a história estrutural e a microeconomia (Scoones, 2009). A partir desse modelo teórico, propomos um quadro analítico para interpretar e analisar os Meios de Vida na esfera das Unidades de Produção Familiares que, em conjunto, permitem captar alterações nas condições socioprodutivas das Unidades de Produção Familiares.
No Quadro 1 apresentamos os diferentes capitais com os respectivos ativos e indicadores dos Meios de Vida adequados ao contexto em estudo.
Quadro 1 – Capitais, ativos e indicadores para análise dos Meios de Vida
Capitais | Ativos | Indicadores |
Natural | Terra e recursos biológicos utilizados no processo econômico de produção da UPF | - Disponibilidade de terra - Acesso a terra - Acesso à biodiversidade nativa |
Físico | Infraestrutura constituída a partir processo econômico de produção na UPF | - Infraestrutura disponível e renovação - Compatibilidade da infraestrutura com trabalho desenvolvido |
Humano | Condições da força de trabalho doméstico familiar na UPF | - Disponibilidade da força de trabalho - Participação em espaços de qualificação da força de trabalho |
Financeiro | Recursos monetários disponível para reprodução social e econômica da UPF | - Composição da renda bruta/nível de reprodução social - Apropriação dos resultados do trabalho e acesso a mercados |
Social | Relação do grupo familiar da UPF com espaços comunitários, com outros espaços sociais e com o Estado. | - Participação em espaços sócio-organizativos e socioprodutivos - Relação com o Estado (exclusão e acesso a Políticas Públicas) |
Fonte: Elaborado pelos autores (2024) com base em Perondi e Schneider (2012).
Para delinear o impacto das PP à luz dos diferentes capitais que compõem os Meios de Vida, as análises lançaram mão da base de dados empíricos estruturados a partir de dois estudos precedentes. Em Martins (2013) foram realizados estudos nos quais buscamos caracterizar as trajetórias de quatro Unidades de Produção Familiares do tipo Tradicionais-Coloniais[2] (TC). Já em Martins (2022) foram estudadas outras três que ingressaram em uma trajetória vinculada à agroecologia, aqui consideradas “Agroecológicas e Produção Orgânica[3]” (A-PO). Essas sete unidades produtivas foram selecionadas, com base nos referidos estudos, por retratarem situações heterogêneas de permanência na agricultura, em trajetórias alternativas à modernização da agricultura. As análises procuraram identificar e compreender variações nos indicadores específicos relacionados a cada capital, produzindo elementos para entender as variações nos Meios de Vida no conjunto das unidades de produção diante das mudanças de contexto.
A partir dessa base teórico-metodológica, os resultados foram apresentados em duas seções, explorando as evidências encontradas nas abordagens da Combinação de Políticas Públicas e dos Meios de Vida (para os níveis regional e de Unidades de Produção Familiares, respectivamente). Na próxima seção são explorados os três corpus de Políticas Públicas que incidiram sobre o território, evidenciando suas principais características e efeitos. Já na seção seguinte, os resultados colocam em destaque a influência dessas PP sobre a trajetória das unidades produtivas, estabelecendo relação entre as duas esferas de análise empregadas.
Políticas Públicas no Contexto Agrário da Região da Encosta da Serra Geral do Litoral Norte do RS
Em uma linha do tempo fixada a partir da segunda metade do século XX, a região de Encosta Atlântica do Litoral Norte do RS foi palco de PP com diferentes estratégias e que moldaram as dinâmicas socioprodutivas da agricultura familiar. Com base nos objetivos e instrumentos, identificam-se três corpus de PP específicos: modernização da agricultura, preservação da Mata Atlântica e inclusão socioprodutiva.
Modernização da agricultura
A modernização da agricultura brasileira iniciou-se em meados de 1965, constituindo-se um projeto estatal de desenvolvimento de longo prazo com grande envergadura e que posiciona o Brasil em uma condição primário-exportadora no âmbito internacional. Ela é implementada por meio de mudanças institucionais e de PP orientadas à redefinição da dinâmica agrícola e agrária brasileira (Delgado, 1985, 2012). Nesse contexto, sob o ponto de vista dos instrumentos indutores de mudanças nas dinâmicas produtivas da agricultura podemos destacar o crédito rural, a nova base tecnológica de produção (tanto na produção quanto na agroindustrialização de alimentos) e a regulação dos preços agrícolas (Delgado, 1985).
Na região de Encosta Atlântica do Litoral Norte a influência de instrumentos vinculados à política de modernização da agricultura brasileira aconteceu tanto de forma direta (por meio da difusão de uma base técnica mediada pelas políticas de fomento associadas a ela) quanto indireta (pelas mudanças induzidas na produção agropecuária e na indústria alimentícia com efeito sobre a dinâmica dos mercados agroalimentares locais). O resultado disso foi uma intensa diferenciação entre as Unidades de Produção Familiares na região. A mudança na base técnica se evidencia nas Figuras 1 e 2, pela crescente incorporação da mecanização agrícola e do uso de fertilizantes químicos.
Figura 1– Evolução do número de estabelecimentos totais, estabelecimentos com trator e número de tratores[4]
Fonte: Censo Agropecuário (IBGE, [196-], [198-], 2009, 2019).
Figura 2 – Distribuição do número de estabelecimentos da agricultura familiar segundo a fonte de adubação utilizada[5]
Fonte: Censo Agropecuário (IBGE, [196-], [198-], 2019).
Outro ponto de atenção é que em todas as observações ao longo da série histórica o número de tratores é superior ao número de estabelecimentos com essa tecnologia, indicando a presença de estabelecimentos com mais de um trator. Cabe destacar que entre 2006 e 2017 houve um aumento do número de tratores, tendência acompanhada pelo número de estabelecimentos com trator. Contudo, tal efeito parece estar mais associado às políticas de inclusão produtiva promovidas pelo Pronaf, que será discutido adiante. Em relação ao uso de fertilizantes industriais, observa-se o crescimento do número de estabelecimentos que adotam essa tecnologia ao longo da série histórica. Ao mesmo tempo, é nítido que o perfil de adubação nos estabelecimentos é bastante heterogêneo.
A análise dos dados referentes à incorporação de tratores e fertilizantes nos permitiu interpretar que as políticas de modernização da agricultura que promoveram mudanças na base técnica de produção atuaram seletivamente, impulsionando sistemas de produção com maior capacidade de resposta em relação à adoção da tríade mecanização-adubos-agrotóxicos. Em função disso, estabelecimentos situados em áreas declivosas, impróprias para mecanização, ficaram à margem desse processo ou internalizaram alguns elementos de forma seletiva (como no caso do uso de adubos). A nova base técnica foi incorporada sobretudo em culturas como fumo, hortaliças, cana-de-açúcar e banana, favorecendo estabelecimentos com aptidão a esses cultivos.
No quadro nacional, o conjunto de mudanças institucionais alterou as dinâmicas produtivas, sociais e econômicas de tal forma que a década de 1980 iniciou com um abismo social em que 1,72% dos estabelecimentos rurais detinha 43% do valor bruto da produção total rural. Esse foi o reflexo da falta de estabilidade dos trabalhadores rurais, das dificuldades de acesso a terra e da permanência na agricultura por parte dos pequenos e médios proprietários (Delgado, 2012). Na região, entre 1974 e 2010, observa-se uma variação do tamanho da área colhida de culturas tradicionalmente cultivadas pela agricultura familiar na região: abacaxi, batata-doce, cana-de-açúcar[6], feijão, fumo, mandioca, milho, tomate e trigo. A análise da dinâmica dessas culturas nesse período demonstra a redução considerável nas áreas colhidas desses produtos, que passou de pouco mais de 14.000 hectares para menos de 6.000 (IBGE, 2023). Em contrapartida, houve uma expansão da área colhida total, impulsionada pela cultura do arroz e (particularmente na última década) da soja, que tiveram áreas de cultivo ampliadas de 12 mil para 47 mil hectares das áreas planas da faixa litorânea ou dos vales.
Na região, o conjunto de mudanças provocadas pela modernização da agricultura contribuiu para indiretamente desarticular sistemas de produção tradicionais com maior artesanalidade do trabalho e com menor capacidade de resposta ao emprego da base técnica moderna. Uma vez que a modernização avança sobre outras regiões, acaba provocando uma queda de preços e inviabilizando economicamente as dinâmicas produtivas com maior grau de artesanalidade como as que ocorriam na região.
Outra evidência dessa desarticulação social e econômica pode ser observada pela redução da população rural. A Figura 3 aponta que, entre os anos 1970 e 1980, ocorreu uma queda drástica na população rural em Torres e Osório, que desacelerou nas décadas seguintes.
Figura 3 – Evolução da população total e rural[7]
Fonte: Censo Demográfico (IBGE, 2012).
Esse conjunto de evidências demonstra o efeito das políticas de modernização da agricultura sobre a dinâmica socioprodutiva regional. O que se depreende desse processo é que apenas parte do contingente de Unidades de Produção Familiares alcança níveis de reprodução social. Aqueles que não atingiram essas condições vivenciaram o êxodo de membros da família e, no limite, a própria desativação da unidade de produção. A diferenciação agrária observada na região de Encosta da Serra Geral do Litoral Norte precisa ser compreendida como um efeito particular de PP, cujo objetivo e instrumentos foram seletivos, com impacto sobre a viabilidade do conjunto das Unidades de Produção Familiares.
Em virtude disso, ao longo dos anos 1980 já eram evidentes os resultados dessas transformações, tais como a desarticulação comunitária e dos sistemas tradicionais de produção, o empobrecimento da população e o êxodo rural (Gerhardt, 2002).
Preservação da Mata Atlântica (MA)
Nesse escopo foi identificado um conjunto de medidas e instrumentos cuja estratégia esteve voltada à preservação do bioma. Sobre a região incidiram, sobretudo, instrumentos normativos estaduais com caráter preponderantemente restritivo e que constrangeram práticas produtivas tradicionalmente empregadas nas unidades de produção da região.
Foi sobre as áreas de MA que os colonos imigrantes foram assentados no Rio Grande do Sul, o que implicou a conversão de áreas de floresta em áreas de produção agropecuária. Por outro lado, o reconhecimento do estado crítico de conservação do bioma levou à criação de diversas medidas legais e instrumentos de gestão para tratar do assunto. Nesse contexto de uma agricultura colonial em franco declínio, a década de 1990 é marcada pela instituição de um conjunto de marcos legais voltados à preservação do bioma.
No âmbito federal, a intocabilidade da MA é definida pelo Decreto Federal no 99.547, de 1990. A determinação para o estabelecimento dos seus domínios, bem como do uso/supressão ocorre mediante o Decreto Federal no 750, de 1993, que imputa tais medidas aos estados. A definição dos estágios sucessionais foi estabelecida pela Resolução no 33 do Conama, em 1994. A Lei Estadual no 9.519, de 1992, determinou para o RS a proibição do corte e respectiva exploração da Floresta Atlântica e a proibição da prática de queimada. Já o Decreto Estadual no 36.636 de 1996 estabeleceu a Poligonal da MA no estado – com abrangência da região do Litoral Norte do RS. O estabelecimento de normas básicas de manejo dos recursos florestais nativos ocorreu somente em 1998, por meio do Decreto Estadual no 38.355 (Martins, 2013).
Um importante marco desse processo na região de estudo foi o reconhecimento de parte do seu território como Reserva da Biosfera pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) em 1994. Seu papel seria o “[…] de propor e colaborar com soluções e metodologias que sirvam para o desenvolvimento sustentável da região, buscando o fortalecimento das comunidades locais” (Marcuzzo; Pagel; Chiappetti, 1998, p. 22). Complementarmente, até os primeiros anos da década de 2010 foram criados inúmeros instrumentos legais, programas, procedimentos administrativos, além da determinação de espaços naturais a serem protegidos. Esse conjunto de medidas teve impactos diretos e seletivos sobre os sistemas de produção locais na região. Ao restringirem o corte da vegetação nativa e o uso do fogo, a prática de agricultura de coivara passou a ser ilegal. Além disso, medidas de comando-controle foram instrumento de fiscalização ambiental na região.
Objetivamente, na medida em que a prática de queimada se torna crime ambiental, proíbe-se a única tecnologia agrícola que se ajustava às condições de relevo no qual não se adaptava nem tração animal, nem tratores. Não obstante a incidência desuniforme dessas medidas ao longo do território, elas restringiram o uso da terra na medida em que limitaram a abertura de áreas que estavam em pousio. A forma de contornar isso foi o uso intensivo da terra sustentado pela aplicação de adubos solúveis e herbicidas, bem como a manutenção da prática de coivara ilegalmente. O efeito disso foi o surgimento de conflitos socioambientais e a redução progressiva dos sistemas de produção tradicionais, implicando maiores restrições econômicas para as unidades de produção localizadas nas encostas da Serra Geral (Martins, 2013).
A instalação de Unidades de Conservação[8] foi outro instrumento de conservação da MA. Além de demandarem a desapropriação de terras de unidades de produção nas suas adjacências, aumentaram o controle sobre o seu entorno por meio de condicionantes e da necessidade de autorização especial para o licenciamento de atividades. Isso contribuiu para maior controle sobre o ambiente natural, restringindo o uso da terra, de atividades agrícolas e extrativistas.
Consequentemente, as Unidades de Produção Familiares com áreas localizadas nas encostas que já apresentavam sinais de dificuldade econômica diante das políticas de modernização da agricultura, encontraram nas medidas de preservação da natureza um elemento a mais de dificuldade para sua manutenção. Perotto (2007) apresenta evidências sobre isso ao analisar as mudanças no uso do solo da bacia hidrográfica do rio Maquiné no período de 1964 a 2004. O autor aponta que, ao longo desses quarenta anos, houve uma redução das áreas de cultivo e pastagens nas áreas consideradas de preservação permanente (declives acentuados e beiras de corpos hídricos) e nas áreas de encosta, acumulando um percentual de cerca de 60% de diminuição. Esta redução apontada pelo autor parece expressar a desativação das unidades de produção pelas dificuldades de reprodução social e econômica por influência da modernização. Contudo, não é razoável desprezar o efeito das restrições de manejo da vegetação nativa (que foram institucionalizadas pelos diferentes instrumentos) sobre a desativação de unidades de produção.
Apenas em meados dos anos 2000 é que surgiu um novo arcabouço jurídico com a Lei Federal no 11.428/2006 e o Decreto Federal no 6.660/2008, que regulamenta formas de uso e manejo da vegetação nativa no bioma, frente às necessidades específicas da agricultura familiar. Além disso, inovações no arcabouço legal estadual criaram regulamentos e dispositivos administrativos que possibilitaram práticas de manejo da flora nativa a partir da certificação agroflorestal e do extrativismo sustentável[9]. Não obstante os recentes avanços, os instrumentos legais ora vigentes não foram capazes de alterar significativamente o cenário produtivo com práticas mais convergentes às aptidões ambientais da região.
Inclusão socioprodutiva
No contexto da inclusão socioprodutiva foram identificadas diversas PP que, ao longo dos últimos 30 anos, em diferentes medidas e com objetivos específicos, tiveram como estratégia a promoção da inclusão social e produtiva de segmentos da agricultura familiar.
O ambiente político criado pela reabertura democrática na década de 1980 possibilitou a manifestação social e revelou a grave situação em que viviam os pequenos produtores rurais no Brasil. A demanda por PP que levassem em conta suas características e particularidades, bem como articulações de representantes de diferentes grupos com as esferas institucionais de debate, criou condições para que diversas políticas e instrumentos fossem implementados em escala nacional (Grisa; Schneider, 2015). Dentre as principais conquistas desse processo é possível destacar: a criação da aposentadoria rural; a determinação das mulheres como beneficiárias da Previdência; a inclusão de medidas do Programa Especial de Crédito para os Pequenos Produtores Rurais no Plano Safra de 1994/1995; e o Pronaf, que ganha importante expressão nas décadas subsequentes quanto ao financiamento de custeio e investimento[10]. Diante disso, Grisa e Schneider (2015) destacam o papel expressivo do Pronaf em função de ao menos três fatores: primeiro porque sua institucionalização em 1995 acabou por fomentar a criação de PP diferenciadas, voltadas a essa categoria social (particularmente políticas agrícolas); segundo porque se configura como um instrumento que dá condições de acesso de agricultores familiares aos mercados; terceiro porque ele é considerado a principal política voltada para a AF (tanto em termos de recursos aplicados, do número de famílias beneficiadas, quanto da sua capilaridade em termos territoriais).
Da mesma forma, políticas sociais que tiveram início nos anos 1990 e ganharam expressão ao longo dos anos 2000 beneficiaram, sobretudo, a população rural em situação de vulnerabilidade. Particularmente a primeira década do século XXI foi marcada pela criação de políticas redistributivas, compensatórias e afirmativas que incidiram tanto sobre o urbano quanto sobre o rural[11], contribuindo para a redução de desigualdades (Jannuzzi, 2016). Também merecem destaque os programas orientados para a segurança alimentar e nutricional, articulados à abertura de mercados para a agricultura familiar, tais como Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e o Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae). Ademais, em 2004 foi lançada a Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural (Pnater), outro importante marco dentro das políticas que compuseram esse período (Grisa; Schneider, 2015) e que tinham como base o suporte aos pequenos produtores (Peixoto, 2008).
Na região de Encosta Atlântica da Serra Geral esse conjunto de políticas teve impactos diretos e seletivos sobre os sistemas de produção locais. A aposentadoria rural para homens e mulheres destaca-se pelo seu caráter universal, cumprindo um importante papel na composição de renda das famílias agricultoras. Os dados do Censo Demográfico (IBGE, 2012) mostram que, à exceção dos municípios de Três Cachoeiras, Torres e Osório, com população urbana mais expressiva, o número de aposentados e pensionistas nas áreas rurais tem significativa importância, variando de 20 a 30% da população rural.
Ao analisarmos o Pronaf em termos de ampliação das possibilidades de inclusão socioprodutiva para as famílias agricultoras a partir de custeio e investimento, identificamos que, apesar de seu caráter universal, seu acesso é limitado. Ao compararmos os dados de acesso ao Pronaf Custeio (agricultura e pecuária) com o número de estabelecimentos da agricultura familiar do Censo Agropecuário, ambos no ano de 2017, observamos que a maioria dos estabelecimentos familiares não o acessou no ano em análise (Figura 4).
Figura 4 – Número total estabelecimentos da agricultura familiar e número total de contratos do Pronaf Custeio (agricultura e pecuária) para o ano de 2017 nos municípios da região da Encosta Atlântica da Serra Geral.
Fonte: IBGE – Censo Agropecuário (2017); Bacen (2017).
Ou seja, embora o Pronaf tenha se constituído um importante instrumento de fortalecimento da agricultura familiar, de caráter universal para o público enquadrado, ele está limitado a alguns segmentos desse público. Isso se evidencia pela discrepância entre o número total de estabelecimentos da agricultura familiar e o baixo número de contratos. Outro aspecto relacionado ao acesso se manifesta quando relacionamos o número de contratos de custeio entre os anos 2013 e 2019 com os valores totais contratados (Bacen, 2017)[12]. A partir da média de valor por contrato ao longo desse período, observamos a redução do número de contratos associado a uma tendência de aumento do valor médio dos contratos. Disso depreendemos que nesse período está ocorrendo uma redução no acesso ao programa, somada a uma concentração de recursos em determinados segmentos que se beneficiam dele.
A ampliação do crédito destinado ao investimento foi outro instrumento de inclusão social e produtiva. De forma complementar ao Pronaf Investimento, o Programa Mais Alimentos, criado em 2008 pelo Governo Federal, proporcionou que um contingente de pequenos estabelecimentos rurais acessasse o crédito para aquisição de tratores e outros veículos utilizados para transporte da produção. Conforme já mencionado anteriormente, observamos a evolução do número de tratores nos estabelecimentos da agricultura familiar e não familiar entre o censo agropecuário de 2006 e de 2017, na região de Encosta Atlântica da Serra Geral do Litoral Norte.
O crescimento observado pode supor um certo contrassenso ao discutido até aqui, em relação ao papel da mecanização como um instrumento de desenvolvimento dentro das PP. Entretanto, para essa análise, é importante diferenciar os objetivos da política da modernização da agricultura e da inclusão socioprodutiva. Para a primeira, a mecanização era um elemento fundante da mudança tecnológica e o seu acesso via crédito estava relacionado à adoção do pacote tecnológico. Já para a segunda, tal como o crédito de custeio, o Programa Mais Alimentos possibilitou o crédito específico para estabelecimentos da agricultura familiar que indicassem viabilidade técnico-econômica. Enquanto o primeiro era seletivo em termos da capacidade de resposta das unidades de produção, o segundo não se vincula à adoção de pacote tecnológico e abarca diferentes perfis produtivos dentro dessa categoria social.
Ao considerarmos esses aspectos, o incremento da quantidade de máquinas agrícolas utilizadas nos estabelecimentos da agricultura familiar pode ser interpretada a partir de dois elementos relacionados às dinâmicas socioprodutivas da agricultura familiar. Um deles pode estar sinalizando a recomposição das dinâmicas produtivas e econômicas da agricultura familiar pós-crise das décadas de 1980 e 1990. O outro, relacionado com o primeiro, trata-se da recomposição da força de trabalho por meio da mecanização, contribuindo para reconstituir a capacidade produtiva em estabelecimentos rurais com famílias reduzidas.
Dentro do conjunto das PP identificadas na região também estão os instrumentos voltados para o acesso aos mercados institucionais, em especial o PAA e o Pnae. O atendimento pela agricultura familiar da demanda de alimentos por esses programas foi importante para dinamizar a economia de cooperativas, grupos informais e famílias agricultoras com maior capacidade organizativa. Tais programas, ainda que com alcance limitado em termos de público abrangido, foram significativos para os segmentos da agricultura familiar da região ao proporcionar uma inserção econômica mais estável e possibilitar condições para a reestruturação produtiva e econômica das UPF[13]. Esses programas permitiram a inclusão de uma ampla diversidade de alimentos para o abastecimento, o que também favoreceu abranger um maior número de UPF com diferentes aptidões produtivas.
Outro conjunto de PP que remonta a essas últimas duas décadas e que incide sobre a região de estudo está relacionado à regulamentação da agricultura orgânica e de fomento à agroecologia. No caso da produção orgânica, cabe destacar que foi instituída a avaliação participativa da conformidade da produção orgânica, também conhecida como Sistema Participativo de Garantia (SPG). No SPG os próprios agricultores organizam e gerenciam o conjunto de procedimentos de avaliação e verificação da conformidade orgânica. Trata-se de um processo que segue o arcabouço legal que regulamenta a produção orgânica e é fiscalizado pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa). Esse arcabouço destaca-se pela sua concepção inclusiva na medida em que reconhece dinâmicas sócio-organizativas da agricultura familiar (como foi o caso da Rede Ecovida de Agroecologia[14] e da Opac Litoral) como operadoras do SPG. As duas iniciativas presentes na região de Encosta da Serra Geral no RS reúnem hoje cerca de 400 famílias agricultoras (Mapa, 2024). O envolvimento nas dinâmicas sócio-organizativas dos processos de avaliação participativa da conformidade orgânica proporciona interações em diferentes âmbitos, o que tem contribuído para mudanças simbólicas, técnicas e econômicas no contexto da agricultura familiar. Nesses âmbitos percebe-se a ressignificação positiva sobre a agricultura e sobre ser agricultor, além de uma intensa troca de experiências e informações técnico-produtivas entre as famílias. Além disso, a certificação, oportunizou a construção e acesso a outros mercados, o que possibilitou uma maior valoração econômica desses produtos.
Sob a ótica do fomento, em meados da década de 2010, cerca de 120 famílias agricultoras da região foram contempladas com assessoria técnica proporcionada pela chamada pública de Assistência Técnica e Extensão Rural (Ater) – Agroecologia. Instrumento derivado da política de Ater Federal, ela atendeu cerca de duzentas famílias na região ao longo de dois anos. Nesse mesmo período foram implementadas ações do Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (Planapo), que chegou à região por meio do Programa Ecoforte. De forma mais focalizada, as ações do programa permitiram apoiar iniciativas em curso e proporcionaram assessoria técnica direcionada para temas específicos[15]. Nessa mesma época o Fundo de Apoio ao Pequeno Empreendimento Rural (Feaper), do governo estadual, direcionou recursos por meio do Programa Estadual de Agricultura de Base Ecológica para o fortalecimento de iniciativas de agroecologia e produção orgânica. Embora limitado a um universo restrito (poucas dezenas) de estabelecimentos rurais, o subsídio de 80% do valor acessado possibilitou apoio aos processos de transição e consolidação produtiva dessas famílias.
Compreendendo as dinâmicas socioprodutivas da Região de Encosta da Serra Geral do Litoral Norte do RS a partir das Unidades de Produção Familiar
Nessa seção são apresentadas evidências da reconfiguração das dinâmicas socioprodutivas da agricultura familiar no âmbito de UPF. As PP constituem-se como fator de influência que atuou sobre a constituição dos capitais. Em resposta aos objetivos e instrumentos das PP, observa-se a ampliação ou redução de ativos, o que produziu oportunidades ou constrições que reconfiguraram as dinâmicas socioprodutivas da agricultura familiar na região.
Capital natural
A terra apresenta-se como um ativo de suma importância para o contexto regional, por ser um fator de produção com grande variação de disponibilidade e acesso ao longo do tempo. A compreensão da dinâmica desse ativo ocorre por meio dos indicadores disponibilidade de terra e acesso a terra. O primeiro corresponde à área de terra que constitui a unidade de produção familiar. O segundo refere-se à extensão com possibilidades efetivas de uso. Ainda dentro do capital natural, os recursos biológicos foram outro ativo analisado por meio do indicador “acesso à biodiversidade nativa”.
Em relação à “disponibilidade de terra” observou-se que, em seu conjunto, as UPF dispõem atualmente de área que varia de 6,5 ha a 96 ha. A escassez de terra foi fator limitante para a constituição de algumas UPF analisadas. Ao longo do tempo, o fracionamento das áreas por heranças foi o principal fator que levou à escassez de terras. Uma das UPF constitui-se a partir da condição sem-terra, cuja permanência na agricultura deu-se pelo arrendamento e venda da força de trabalho e permitiu reunir recursos para compra da área. Já as outras duas UPF mantiveram-se sobre a área da família ascendente na forma de direito de uso. Das outras quatro, duas conseguiram ampliar as áreas originais e duas permanecem com o tamanho original. Contudo, é importante que se diga que as que ampliaram o fizeram por meio do abandono da terra por outras famílias. Todas as UPF analisadas estão situadas em áreas acidentadas da Encosta da Serra Geral, onde o relevo se constitui fator limitante diante dos recursos técnicos disponíveis usuais, o que torna a terra indisponível para a agricultura (ou subutilizada).
Já o “acesso a terra” foi limitado principalmente pelas restrições legais colocadas para o corte da vegetação nativa e pela proibição da prática da queimada. A falta de outro recurso técnico para o preparo das terras acidentadas e pedregosas, além da proibição dessas práticas tradicionais, afetou em diferentes medidas as UPF. Elas tiveram maior efeito sobre aquelas dedicadas à produção de culturas anuais em virtude da necessidade constante de preparo da terra.
As limitações de relevo aliadas às restrições sobre o manejo da vegetação nativa criaram um cenário heterogêneo de disponibilidade e acesso a terra, cujas proporções da área agricultada em relação à área total são de: 1% (de 49 ha); 24% (de 12,5 ha); 50% (de 12,8 ha), 51% (de 96,3 ha)[16]; 57% (de 23,1 ha); 59% (de 17,7 ha) e 105% (de 6 ha)[17].
Observamos que as famílias agricultoras reagiram de diferentes formas para lidar com a disponibilidade de terra. O uso da terra distribui-se em sistemas de usos: i. intensivo (sistemas de roça integrados com criação de suínos, em sucessão à pastagem cultivada); ii. intensidade intermediária (cultivos perenes); e iii. extensivo (potreiros de pastagem perene, silvicultura, utilização da floresta como áreas de pastagem). Além disso, percebemos que a baixa proporção do uso da terra decorre das restrições do acesso somadas ao escasseamento da força de trabalho.
Quanto ao acesso à biodiversidade nativa, esse indicador também foi limitado ao longo do tempo pelas restrições legais colocadas para o corte da vegetação nativa e pela proibição da prática da queimada. Na medida em que foram impostas restrições para o manejo da biodiversidade nativa, isso fez com que famílias não pudessem praticar sistemas produtivos tradicionais de renovação da fertilidade da terra por meio da biomassa produzida pela regeneração natural. As respostas diante disso concentraram-se em manter sistemas tradicionais da queimada mesmo sob o risco do conflito, a conversão das áreas abertas em cultivos perenes (pastagem e eucalipto)[18] e a manutenção de áreas com cultivos de plantas anuais. Estas últimas foram reduzidas a pequenas áreas onde fosse possível o preparo da terra por meio de animais ou máquinas. O uso de herbicidas e adubos sintéticos passaram a ser utilizados como forma de manejo e de reposição de nutrientes para os cultivos.
Ao mesmo tempo, as recentes mudanças na legislação ambiental em relação ao uso e manejo da MA que ampliaram o acesso aos recursos vegetais tiveram impacto sobre apenas duas famílias, que passaram a se dedicar à coleta de frutos da palmeira juçara. Trata-se de uma atividade presente nas UPF com trajetória A-PO, mas ainda com baixa participação na economia familiar.
A análise agregada da condição em que as UPF se encontram em relação ao capital natural indica que a expansão dos ativos desses capitais depende, hoje, das variáveis acesso a terra e acesso à biodiversidade nativa. Nesse sentido, as constrições ainda estão relacionadas à ausência de uma transição técnico-produtiva que possibilite a conciliação entre as tecnologias adequadas às condições edafoclimáticas e as medidas de conservação da Mata Atlântica. Além disso, que se expressem na forma de sistemas de produção capazes de gerar renda.
Capital físico
O capital físico diz respeito ao conjunto de bens utilizados nas atividades de reprodução econômica das UPF. Portanto, buscamos compreender os ativos empregados no processo produtivo e econômico realizados pela UPF. Nesse sentido utilizou-se como indicador a Infraestrutura disponível e sua renovação, além da Compatibilidade de máquinas e equipamentos com o trabalho desenvolvido.
As sete UPF analisadas apresentam condições materiais também muito diversas entre si. Em função disso foi realizada a análise tomando por base a evolução dos ativos de cada UPF em relação a ela mesma, ao longo do tempo. Os resultados indicaram que três das UPF analisadas apresentam claramente um processo de reestruturação do processo produtivo associado à ampliação da Infraestrutura disponível e sua renovação ao longo do tempo. Essas UPF têm suas trajetórias ligadas à A-PO. As outras quatro UPF, todas associadas à trajetória T-C, mostram limitada Infraestrutura disponível e sua renovação foi tímida ao longo do tempo. Nesses casos o trabalho é essencialmente manual, com apoio de alguns equipamentos motorizados (motosserra, roçadeira, trilhadeira, trator agrícola).
A infraestrutura está relacionada à capacidade produtiva das UPF, de sua condição de gerar renda monetária e de constituir poupança direcionada ao investimento. Nesse sentido, em duas delas as restrições de uso da terra (capital natural, indicador acesso a terra) limitaram possibilidades produtivas. Isso teve impactos sobre a renda agrícola e, por consequência, na capacidade de renovação do capital físico. Uma terceira UPF tem situação estável que, em função da grande extensão da área de potreiros, aufere uma renda sustentada pela criação extensiva de gado e proporciona algum nível de renovação da infraestrutura. A quarta delas é que tem apresentado modestos, mas constantes, incrementos em termos de investimentos em moradia, veículos e em equipamentos de produção. Isso tem sido alcançado por meio da intensificação do uso da terra, da diversificação da renda agrícola e da intensificação do trabalho no beneficiamento de produtos.
A análise do capital físico nas UPF aponta que ele é um forte indicador da capacidade de articulação produtiva e econômica da agricultura familiar na região. As constrições no ativo Infraestrutura disponível e sua renovação, orientado para produção e comercialização, geram limitações tanto de produtividade do trabalho quanto de perdas imprevistas da produção pela falta de estruturas adequadas. A raiz dessas constrições está na desarticulação econômica dos sistemas de produção tradicionais, resultado das políticas de modernização da agricultura, que geraram um processo de desarticulação econômica desses sistemas e, por consequência, de sua capacidade de reinvestimento e renovação dos meios de produção.
O indicador Compatibilidade de máquinas e equipamentos com o trabalho desenvolvido ganha especial importância perante um cenário de redução da força de trabalho identificada em todas as UPF. Entretanto, ela acompanha a mesma tendência apresentada no indicador Infraestrutura disponível e sua renovação, com maiores limitações nas UPA com trajetória T-C. Essas UPA dispõem de um conjunto de ferramentas manuais (sendo poucas delas motorizadas) para atender a demanda de trabalho. Isso implica menor produtividade do trabalho, maior penosidade do trabalho e menor capacidade produtiva.
Por outro lado, algumas PP contribuíram para superar a constrição dos ativos desse capital. O crédito de investimento do Pronaf é uma delas, possibilitando a aquisição de equipamentos de maior porte como caminhão, trator, microtrator, carreta agrícola. Contudo, o acesso ao Pronaf é condicionado à capacidade das UPF em gerar renda agrícola e garantir pagamento. Efetivamente isso beneficiou apenas uma das UPF de trajetória T-C, a qual dispunha de Renda Total ampliada oriunda de atividades fora da agricultura. Por sua vez, as UPF com trajetória A-PO acessaram crédito de investimento, o que possibilitou qualificar os processos de trabalho com a utilização de mecanização e equipamentos. Complementarmente, a legislação que reconhece as dinâmicas participativas de avaliação da conformidade orgânica possibilitou que essas famílias diferenciem seus produtos e acessem mercados específicos, gerando maior fluxo financeiro de forma a garantir o pagamento dos investimentos produtivos. Por sua vez, esses investimentos em máquinas e equipamentos possibilitaram ampliar a força de trabalho e compatibilizar com as atividades produtivas, alimentando um círculo virtuoso em curso nas UPF nessa trajetória.
Para as UPF com menor capacidade de renovação do capital físico, as respostas foram: i) aprimorar o processo produtivo por meio de pequenos investimentos (caixas de abelha, pequenas máquinas para otimizar o trabalho); ii) gerar renda com baixa dependência de capital (agregação de valor em produtos caseiros); iii) no limite, manter ou reduzir estruturas sem investimento.
Capital humano
O capital humano diz respeito às condições da força de trabalho familiar presente nas UPF, analisado aqui a partir do ativo condições da força de trabalho e dos respectivos indicadores, disponibilidade da força de trabalho e qualificação da força de trabalho.
Em todas as UPF analisadas há uma tendência de redução da disponibilidade de força de trabalho, sendo que ela está centrada essencialmente no casal e na contratação eventual de diaristas. Essa questão remete ao êxodo rural ocorrido ao longo da trajetória das UPF, associado à falta de sucessão familiar.
Não podemos estabelecer uma relação de causa e efeito de algumas das PP com a perda de ativos desse capital. Contudo, um efeito sistêmico de um conjunto de fatores (redução de renda agrícola, falta de infraestrutura, oportunidades de trabalho assalariado fora da região e de prosseguir nos estudos) parece ter estimulado as duas últimas gerações de jovens a sair definitivamente das UPF. Nesse sentido, podemos concluir que os fatores que levaram essas UPF à marginalidade econômica colaboram para explicar as constrições identificadas no indicador disponibilidade de força de trabalho hoje. Isso parece ter um agravo especial para famílias cujos membros possuem idades mais avançadas e que viveram esse processo de crise com menor margem de tempo para reorganizar os sistemas de produção. Dois casos em trajetória Tradicional-Colonial apresentam essa condição. Nessas UPF a influência de PP inclusivas aconteceu quando elas apresentavam um importante declínio da força produtiva em função da idade dos membros familiares e já sem possibilidade de sucessão, de forma que a reversão desse quadro se mostra pouco provável.
De modo compensatório à perda da força de trabalho, o crédito para investimento contribuiu para amenizá-la por meio da mecanização de algumas atividades nas UPF A-PO. Contudo, o que se observa nas UPF T-C (possivelmente em função da reduzida renda agrícola e da ausência de mecanismo para uma transição técnico-produtiva compatíveis) é que ficaram com acesso restringido ao crédito para investimento. Ademais, a mecanização não é uma solução técnica e/ou economicamente viável para atividades das diferentes UPF. Nesse sentido, o que se observa é que nessas UPF a ampliação da força de trabalho e a redução da penosidade deram-se na forma de pequenos investimentos realizados pelas famílias com recursos financeiros próprios.
No que se refere ao indicador qualificação da força de trabalho, o que parece ter acontecido é que o efeito da modernização da agricultura levou ao desuso de conhecimentos e práticas tradicionais em detrimento dos recursos do pacote tecnológico. Do ponto de vista prático essa situação provocou uma erosão de conhecimentos e biodiversidade, além da descrença sobre a efetividade de tais recursos técnicos tradicionais. Por sua vez, conhecimentos técnicos difundidos por influência da modernização da agricultura foram incorporados pelas UPF. Em parte, tais recursos técnicos podem contribuir para compensar a força de trabalho perdida (como é o caso do uso de herbicidas), entretanto, agregam outros problemas relacionados à capacidade de investimento na adoção dos pacotes tecnológicos e de relativo e parcial “sucesso” técnico.
Uma questão importante em relação ao capital humano é que ao longo da trajetória das sete UPF houve o aperfeiçoamento por meio de ações de assistência técnica e extensão rural, contribuindo para o desenvolvimento e/ou aprimoramento de atividades produtivas. Particularmente, esse elemento teve peso relevante para as UPF com trajetória ligada à A-PO. O processo de transição colocado em curso por essas UPF dependeu de mudanças técnicas nos sistemas de produção, o que foi facilitado pelo acesso a formações e capacitações proporcionados por PP específicas. Essas UPF, pelos componentes familiares estarem integrados em espaços de participação social, foram beneficiárias do Ater Capacitação, Chamada Pública Ater – Agroecologia e o Programa Ecoforte. Ainda que insuficientes para promover uma transição das UPF em maior escala, a implementação de ações vinculadas a essas políticas contribuiu para criar referências técnicas e para fomentar um ambiente sociotécnico de construção e irradiação de conhecimentos.
Capital financeiro
O capital financeiro diz respeito à disponibilidade de recursos financeiros para implementar estratégias dentro da UPF. Para analisar esse capital, consideramos dois indicadores: a relação entre a renda agrícola e o nível de reprodução social[19] (RA/NRS); e a apropriação dos resultados do trabalho e acesso a mercados.
Ao analisar a trajetória das UPF observamos que todas elas passaram de ciclos produtivos que ocorreram ao longo do tempo, alternando a importância relativa de atividades específicas na composição da renda agrícola. A implementação de diferentes atividades produtivas teve como motivos principais: i) o acesso aos mercados locais tradicionais (feijão e suínos); ii) as alternativas produtivas motivadas pela indução da modernização da agricultura (produção integrada de leite e tabaco, produção de hortaliças, produção de cana para açúcar/melado/cachaça); iii) as iniciativas particulares das UPF (diferentes níveis de diversificação produtiva voltada para autoconsumo familiar, beneficiamento de produtos e comercialização); e iv) a manutenção de culturas perenes mesmo em momentos de crise de preços e a expansão em momentos favoráveis (banana). Observamos também que a partir da década de 1980 intensificou-se a alternância de ciclos econômicos de diferentes culturas agrícolas de maior importância.
O elemento comum entre os casos estudados é que existe uma dinâmica instável de ciclos econômicos, como mencionado anteriormente. Contudo, os motivos que levaram a essa instabilidade foram diferentes para cada UPF: desarticulação das dinâmicas locais de comercialização dos produtos tradicionais (porco, milho, feijão, cana) associada à queda dos preços agrícolas (sobretudo a partir da década de 1980); dependência de atravessadores (banana, hortaliças e excedentes produtivos diversos); desarticulação dos mercados integrados (leite e tabaco); instabilidade de preços dos produtos (banana e derivados da cana).
Nesse contexto de desarticulação de mercados e de alternância de ciclos produtivos, a pluriatividade exerceu importância relevante na trajetória das UPF analisadas. Motivadas pela instabilidade e redução da renda agrícola, as atividades realizadas foram: motorista, comércio, intermediário de produtos agrícolas e funcionário na indústria. A venda da força de trabalho na agricultura também foi utilizada em momentos críticos e como forma de capitalização. Nas UPF onde houve a ampliação das áreas por compra, a migração temporária para realizar trabalhos fora da agricultura foi a estratégia de capitalização. Das sete UPF analisadas, apenas uma não lançou mão de nenhum dos dois recursos.
As diferentes escolhas refletem, por um lado, um conjunto de estratégias adotadas pelas famílias agricultoras; por outro, são consequência das constrições e oportunidades já bastante tratadas nos capitais anteriores e que exerceram impacto sobre as atividades produtivas (e, por consequência, sobre a renda agrícola). O resultado da conjugação entre as escolhas, diante das constrições/oportunidades, evidencia condições encontradas pelas diferentes UPF para manter ou rearticular sua capacidade produtiva, de forma a sustentar ou ampliar o capital financeiro.
Percebemos que o indicador renda agrícola/nível de reprodução social é bastante variável e revela que as trajetórias do tipo T-C e A-PO podem ter performances muito parecidas se analisadas isoladamente. Sem a contribuição da renda não agrícola (aposentadoria e pluriatividade), o nível de reprodução social baseado na renda agrícola estaria abaixo de um salário mínimo/membro adulto da família/mês em três das sete UPF (1, 3 e 6)[20]. As UPF em trajetória A-PO parecem ter performances levemente superiores em relação às T-C. Tal contraste apresenta indícios de que quando empregadas estratégias diante das constrições e lançando mão de oportunidades, segmentos da agricultura familiar tecnicamente considerados inviáveis têm capacidade de recuperar renda e ampliar a sua capacidade de reprodução social. Por outro lado, a dependência de atravessadores e as perdas pela falta de comercialização contribuem para a redução da renda agrícola.
No caso da apropriação da riqueza gerada e acesso a mercados, efetivamente apropriada pelas UPF, ela foi aferida pela razão entre custos produtivos (despesas com insumos, serviços e outras despesas decorrentes da atividade produtiva) e valor agregado (quantidade de riqueza produzida pelo processo produtivo). O que se observa é que as diferentes UPF apresentam custos produtivos variáveis, sendo esses, em média, mais altos para as UPF de trajetória Tradicional-Colonial. Além dos custos produtivos, aspectos relacionados à produtividade de trabalho, à participação em mercados instáveis (pouco consolidados) e à dependência de atravessadores também contribuem para que a relação entre os indicadores seja desfavorável.
Em contrapartida, algumas estratégias foram importantes para ampliar a apropriação da riqueza produzida pelas UPF. O aumento da participação na produção para autoconsumo, a busca de canais de comercialização mais estáveis, a produção de alimentos com baixo investimento de capital e agregação de valor (produtos beneficiados) são algumas das estratégias adotadas em diferentes arranjos pelas famílias agricultoras. Elas se associaram à pluriatividade e à venda eventual da força de trabalho na agricultura. Esse conjunto de estratégias empregadas por elas parece ter sido particularmente determinante para a manutenção das UPF em trajetória T-C.
Especificamente no caso das UPF vinculadas à Agroecologia e Produção Orgânica, elas demonstram ter conseguido resultados mais consistentes no que se refere à construção de mercados, em função do maior poder de decisão sobre os processos de comercialização, associado a uma média mais baixa de custos produtivos. Em conjunto com as demais estratégias, elas parecem explicar a maior apropriação sobre a renda, o que ampliou esse ativo.
Do ponto de vista desse capital específico, as PP que tiveram impacto positivo sobre a economia das famílias foram as de reconhecimento de direitos e de inclusão social e produtiva. A aposentadoria rural mostra-se como uma importante fonte de renda para quatro das UPF. O Pronaf Custeio possibilitou a manutenção e ampliação de atividades produtivas. O Programa Bolsa Família foi acessado por duas das quatro UPF que tinham crianças ou jovens entre os membros da família. Duas das sete UPF acessaram o mercado institucional por meio de organizações das quais fazem parte. Em conjunto, tais políticas atuaram para alcançar um estado de maior inclusão socioprodutiva das UPF, revigorar os sistemas de produção e, quando isso não foi possível, para amenizar perdas de renda agrícola. Contribuições mais modestas foram dadas pelas mudanças na legislação ambiental no que se refere ao extrativismo sustentável, favorecendo iniciativas de manejo da vegetação nativa que ganharam espaço dentro das três UPF ligadas à trajetória na A-PO, possibilitando a diversificação de atividades produtivas e algum incremento da renda agrícola.
Capital social
A análise do capital social trata dos vínculos dos integrantes da UPF com espaços comunitários, com outros atores sociais e com o estado. Para avaliar esse capital, optamos pelos indicadores relações com estado (exclusão/acesso a PP) e participação em espaços sócio-organizativos e socioprodutivos.
Ao examinar as UPF quanto ao indicador relações com o estado, observamos a ocorrência de situações contraditórias. Ou seja, a coexistência de PP que incidiram direta ou indiretamente e contribuíram para colocar constrições às dinâmicas socioprodutivas (modernização da agricultura e conservação da MA) com outras que atuaram na inclusão social e a reconstituição de tais dinâmicas.
Seguramente a falta de políticas de desenvolvimento para áreas cujo projeto modernizador era incompatível colocou um contingente de Unidades de Produção à margem do desenvolvimento econômico. Esse é o caso da região de Encosta do Litoral Norte do RS, onde isso se expressou por um intenso processo de diferenciação agrária. Por sua vez, dentre o conjunto de instrumentos voltados à preservação do bioma Mata Atlântica também não foram contempladas medidas que buscassem a compatibilização de atividades produtivas com os objetivos de preservação. Se na primeira a relação com o estado foi violenta pela exclusão social e produtiva, a segunda também foi conflituosa pelo enquadramento em crimes ambientais.
Dentre as PP de caráter universal, a Previdência Social destaca-se pela participação na recomposição da renda familiar em quatro das sete UPF estudadas. Não obstante esse aspecto contraditório na relação com o estado, o que observamos é que todas as UPF passaram a acessar uma ou mais PP de inclusão social e produtiva nas duas últimas décadas.
Percebemos também que aquelas UPF com trajetória de A-PO apresentaram maiores e mais diversificados acessos às PP em relação às de T-C. Nesse contexto, uma das PP que merece destaque é a que normatiza os sistemas participativos de verificação da conformidade orgânica. Ela destaca-se não só pela possibilidade que abriu para que agricultores realizem o processo de verificação, mas também por requerer um ambiente de coesão social para sustentá-lo. O nível de envolvimento necessário para a gestão do processo de certificação exige habilidades específicas e a necessidade de desenvolvê-las. Outro aspecto é que o ambiente gerado nesse processo proporciona uma interação marcada pela troca de conhecimentos, cooperação em diferentes níveis e construção de identidade compartilhada.
As ações de Assistência Técnica e Extensão Rural promovidas pelo extinto Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) foi outra iniciativa que, do mesmo modo, possibilitou espaços de acesso ao conhecimento e de inovação técnica e interação social. Nesse mesmo sentido podemos destacar ainda o Programa Ecoforte, por meio do Plano Nacional de Agroecologia (Planapo). Ambas as iniciativas, ao promoverem espaços coletivos de construção de conhecimento e formação, também fortaleceram as dinâmicas sócio-organizativas já em curso. Outro exemplo de políticas acessadas pelas UPF ligadas à trajetória A-PO é a da comercialização para os mercados institucionais. Esse acesso também exigiu níveis de organização social capazes de atender a produção e logística para o abastecimento de alimentos em um horizonte de médio prazo.
A contribuição dessas PP associadas àquelas como o Pronaf Custeio e o Investimento pelo Mais Alimentos parecem constituir uma sinergia que explica a reconstituição da capacidade produtiva e econômica dessas UPF diante das contradições vividas pelas demais UPF.
No que se refere ao indicador participação nos espaços sócio-organizativos e socioprodutivos, observamos na trajetória das sete UPF a ocorrência da desarticulação comunitária na medida em que ocorre o esvaziamento das comunidades e se tornam escassos os espaços de participação e organização social.
O que se identifica como diferente nessas trajetórias é visto nas UPF vinculadas a A-PO. Nas suas trajetórias, a transição para a agroecologia e produção orgânica está intimamente ligada à reconstituição da relação com um maior número de espaços de participação, assim como espaços com finalidades mais diversificadas. Entre esses espaços estão aqueles dedicados à construção e acesso ao conhecimento (intercâmbios, oficinas e cursos técnicos), de organização social (sindicatos, grupo de mulheres, reuniões), de organização produtiva (cooperativas e associações). O maior número e a diversidade de espaços sócio-organizativos e socioprodutivos em que os membros das famílias dessas UPF estão inseridos oferecem maior nível de articulação social e econômica.
Outro elemento importante nas UPF vinculadas a A-PO relacionado aos espaços de participação social é sua contribuição não só para o acesso mais abrangente a PP específicas à agroecologia, mas também para a capacidade de diálogo com instâncias do Estado. Nesse sentido, o maior tempo dedicado a espaços de participação social aparece como uma estratégica dessas UPF, de forma a ampliar outros capitais. Por consequência, os efeitos do acesso a PP pelas famílias integradas a dinâmicas sociais mais articuladas e densas parecem ser potencializados. Essa sinergia talvez ajude a explicar por que tais UPF destacam-se na ampliação de ativos em outros capitais. Um exemplo bastante evidente disso é que a organização social e produtiva tem possibilitado agregação de valor a produtos por meio da conformidade da produção orgânica. Um segundo exemplo é o acesso a mercados da agricultura familiar, como feiras. Outro exemplo, ainda, é a relação com órgãos ambientais para o desenvolvimento de experiências de sistemas agroflorestais e de extrativismo sustentável. Todos os três exemplos remetem a aspectos relacionados à rearticulação com os mercados, à recomposição da renda agrícola e à redução de conflitos com o estado.
Considerações finais
Neste artigo buscamos compreender como as Políticas Públicas incidiram sobre a Encosta do Litoral Norte do RS e de que forma elas contribuíram para configurar as lógicas agrárias e agrícolas dessa região, em especial as dinâmicas socioprodutivas da agricultura familiar.
A análise considerando a trajetória da região a partir das Políticas Públicas demonstra uma preponderância das políticas setoriais que, orientadas por diferentes objetivos e instrumentos, ordenam os processos de desenvolvimento. Modernização da agricultura, preservação da Mata Atlântica e inclusão socioprodutiva apresentam-se como categorias nas quais identificamos um corpus de Políticas Públicas implementadas com objetivos e instrumentos específicos.
Já ao analisarmos os Meios de Vida, ficou evidente o efeito dos instrumentos das políticas sobre as Unidades de Produção Familiar. Os capitais que constituem os Meios de Vida foram direta e indiretamente influenciados pelos instrumentos dos diferentes corpus, alterando as condições de reprodução social e econômica da agricultura familiar.
Observamos, assim, a sucessão e a coexistência de Políticas Públicas atuando sobre o ordenamento ambiental, técnico, produtivo, econômico e social do território. Constrições e oportunidades foram geradas por esses cenários que, ao produzirem novas dinâmicas socioprodutivas, reconfiguram os capitais e promovem mudanças nas estratégias de gestão das unidades de produção.
Ao mesmo tempo, fica ainda evidente a inexistência (ou ineficácia) de mecanismos que não só permitam a articulação entre as diferentes políticas setoriais, mas que consigam também adequar-se ao contexto territorial. Igualmente inexistem dispositivos de gestão capazes de informar sobre as dinâmicas de desenvolvimento produzidas e, a partir disso, que permitam ajustes nos objetivos das políticas e de seus instrumentos.
O conjunto de evidências apresentadas neste trabalho contribui para esclarecer como as Políticas Públicas influenciam as dinâmicas socioprodutivas da agricultura familiar. Ao revelar o efeito combinado e sistêmico dessas políticas sobre as realidades agrárias, destaca-se a importância de compreender os impactos sobre a heterogeneidade de expressões da agricultura familiar. Do ponto de vista prescritivo, é crucial que os objetivos e instrumentos de Políticas Públicas sejam sensíveis a fatores territoriais. E, ao mesmo tempo, que existam dispositivos capazes de evitar que, com a implementação de políticas setoriais, ocorram impactos negativos sobre a capacidade de reprodução socioeconômica das famílias.
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Gustavo Martins Doutor pelo Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Rural (PGDR) na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), membro associado à Ação Nascente Maquiné (ANAMA), pesquisador associado ao Grupo de Pesquisa em Agricultura, Alimentação e Desenvolvimento (GEPAD) e consultor independente com atuação nos temas de desenvolvimento rural, sistemas de produção na agricultura, análises econômicas e ecológicas de agroecossistemas, agroecologia e processos de transição. Lattes: http://lattes.cnpq.br/6357305844043969 ORCID: https://orcid.org/0009-0003-4646-1515 Andréia Vigolo Lourenço Doutora em Desenvolvimento Rural pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (PGDR/UFRGS). Atualmente é pesquisadora de Pós-Doutorado, integrante do Grupo de Estudos e Pesquisas em Agricultura, Alimentação e Desenvolvimento (GEPAD) e da Rede de Estudos Rurais. Tem experiência na área do Desenvolvimento Rural, com foco nos seguintes temas: agroecologia, agricultura familiar, mercados, políticas públicas e segurança alimentar e nutricional. Lattes: http://lattes.cnpq.br/0387464609237063 ORCID: https://orcid.org/0000-0001-6465-6752 Marcelo Antonio Conterato Professor Associado IV do Departamento de Economia e Relações Internacionais (DERI) da Faculdade de Ciências Econômicas (FCE) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e pesquisador do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Rural da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (CPDA/UFRRJ). Lattes: https://lattes.cnpq.br/7579057184981322 ORCID: https://orcid.org/0000-0002-8593-6590 |
Revista IDeAS, Rio de Janeiro, volume 19, 1-33, e025004, jan./dez. 2025 • ISSN 1984-9834
[1] Aqui lançamos mão do conceito de território que, embora polissêmico, é acionado como uma categoria de análise, entendido como “uma categoria-síntese, de natureza espacial, usada para delimitar uma unidade formada por sistemas sociais e pelos sistemas naturais dos quais eles dependem” (Favareto; Lotta, 2022, p. 4).
[2] No âmbito do referido estudo, Sistemas de Produção Tradicional-Colonial dizem respeito ao grupo de estabelecimentos rurais que, ao não se integrarem aos processos de modernização, seguiram uma trajetória marcada pela diversificação, baixo emprego de insumos externos, com importância da produção para o autoconsumo e com integração frágil aos mercados.
[3] No âmbito do referido estudo, Sistemas de produção Agroecológicos são considerados aqueles que, em sua trajetória, integram-se a dinâmicas sociais e produtivas vinculadas à agroecologia e produção orgânica. Trata-se de um conjunto diversificado de estabelecimentos rurais – podendo ter produção mais especializada ou mais diversificada, com maior ou insignificante dependência de insumos externos, e integradas a mercados diversos e em diferentes graus.
[4] Utilizamos neste e nos gráficos subsequentes os valores agregados dos municípios que se originaram de emancipações de Osório (Balneário Pinhal, Capão da Canoa, Arroio do Sal, Capivari do Sul, Cidreira, Imbé, Itati, Maquiné, Osório, Palmares do Sul, Terra de Areia, Tramandaí e Xangrilá) e de Torres (Arroio do Sal, Dom Pedro de Alcântara, Mampituba, Morrinhos do Sul, Torres, Três Cachoeiras, Três Forquilhas). Com isso, conseguimos reconstituir a série histórica para aferir as respectivas variáveis.
[5] Os dados do Censo de 2006 não foram utilizados na série histórica, pois não permitem a mesma categorização dos demais anos.
[6] Embora fosse uma cultura tradicionalmente cultivada, a expansão da área cultivada se dá sob a base técnica da modernização da agricultura e integração com a estatal Açúcar Gaúcho S.A. (Agasa), que funcionou entre os anos de 1960 e 1982.
[7] Utilizamos neste gráfico os valores agregados dos municípios que se originaram de emancipações de Osório e de Torres, incluindo estes municípios. Com isso conseguimos reconstituir a série histórica para analisar a evolução da população da região. É importante lembrar que parte dos municípios incluídos nos dois grupos de emancipações é litorânea. Isso produz distorções em virtude do crescimento da população urbana no litoral por motivo de mudança de residência de outras partes do estado para a região. Entretanto, ao isolarmos municípios eminentemente rurais, observamos a mesma tendência de queda da população rural no último período.
[8] Hoje a região do Litoral Norte está sob influência de cinco Unidades de Conservação Estaduais (Área de Proteção Ambiental da Rota do Sol, Estação Ecológica da Aratinga, Reserva Biológica Estadual Mata Paludosa, Reserva Biológica da Serra Geral) e três Unidades de Conservação municipais (Área de Proteção Ambiental Lagoa Itapeva, Parque Natural Municipal Tupancy e Área de Proteção Ambiental Morro de Osório) (Sema, 2022a, 2022b).
[9] Dois foram os instrumentos nesse sentido: i) A Instrução Normativa no 001 de 2006, que regulamentou a coleta das folhas de samambaia no estado do Rio Grande do Sul; ii) A certificação agroflorestal e de extrativismo sustentável de produtos da flora nativa não madeiráveis, que possibilita o manejo da flora nativa a partir de licenciamento específico e adequado para o contexto da agricultura familiar.
[10] A modalidade Pronaf Mais Alimentos, por exemplo, ao proporcionar a aquisição de máquinas, equipamentos e veículos, teve importância significativa na reestruturação de estabelecimentos rurais, ampliando a força de trabalho, reduzindo a penosidade do trabalho e viabilizando a logística de comercialização.
[11] Em relação às políticas que incidiram sobre o rural, podemos citar o Bolsa Escola, o Bolsa Alimentação e o Auxílio Gás, o Programa Bolsa Família, o Programa Fome Zero, o Programa Brasil Carinhoso, o Programa Nacional de Habitação Rural e o Programa Desenvolvimento Sustentável de Territórios Rurais.
[12] Esse cálculo foi realizado por meio do deflacionamento dos valores do total dos contratos respectivos a cada ano em relação a 2020, último ano da série analisada. Para fazer o deflacionamento utilizamos o Índice Geral de Preços (IGPM) da Fundação Getulio Vargas, calculado diretamente no site do Banco Central.
[13] Essa informação foi apurada nas cooperativas da região, tendo em vista a ausência de bancos de dados.
[14] Na região do Litoral Norte do RS, a Rede Ecovida está presente por meio do Núcleo Litoral Solidário, um dos nove núcleos da Rede Ecovida no Rio Grande do Sul.
[15] Na região, o Ecoforte apoiou processos de certificação para produção orgânica de famílias e iniciativas de beneficiamento de produtos agrícolas no âmbito do Núcleo Litoral Solidário da Rede Ecovida.
[16] Nesse caso, as áreas de mata também são usadas pelo gado para abrigo e alimentação.
[17] Nesse caso há uso de 0,25 ha cedido por familiar para cultivos anuais.
[18] Essa estratégia ocorre onde as UPF dispõem de áreas mais extensas e com força de trabalho reduzida. Nesses casos, os sistemas de produção extensivos são uma estratégia para conciliar dois fatores e manter a renda agrícola.
[19] O nível de reprodução social corresponde ao valor de um salário mínimo nacional vigente no ano de coleta dos dados. Ao compararmos o salário mínimo com a renda agrícola, assumimos este valor de referência para avaliar a condição econômica das UPF.
[20] Na UPF 6 esse valor foi impactado em função de um alto investimento produtivo que reduziu o valor da renda no ano avaliado.