Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro

Programa de Pós-Graduação de Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade

Revista IDeAS, Rio de Janeiro, volume 19, 1-31, e025015, jan./dez. 2025 • ISSN 1984-9834

Artigo original • Revisão por pares • Acesso aberto

A parceria Brasil-China e o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST): perspectivas para a agricultura familiar e o desenvolvimento rural

Brazil-China Partnership and the Landless Workers’ Movement (MST): Perspectives for Family Farming and Rural Development

 Laura B. Fabrizio   Isabelle R. Cesa   Eduarda P. Trindade   Marina C. Alves  

Resumo

O artigo examina a parceria estratégica Brasil-China, com ênfase na cooperação entre o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), instituições e universidades chinesas e brasileiras, e suas implicações para a agricultura familiar e o desenvolvimento rural. A partir de revisão histórica da questão agrária no Brasil e na China, bem como de levantamento documental de notícias no site oficial do MST (2023-2025) e dos memorandos de entendimentos entre ambos os países, analisam-se iniciativas que incluem transferência de maquinário agrícola adaptado, desenvolvimento de bioinsumos sustentáveis, intercâmbio tecnológico, capacitação e criação de centros de pesquisa conjuntos. Os resultados indicam que a cooperação, inserida no marco da diplomacia Sul-Sul, apresenta potencial para fortalecer a soberania alimentar, a agroecologia e a inclusão produtiva camponesa. Contudo, ressalta-se a necessidade de salvaguardar a autonomia política e produtiva dos sujeitos do campo, evitando a reprodução de assimetrias e dependências. Conclui-se que, se ancorada em práticas participativas e territorialmente situadas, a parceria pode contribuir para a construção de um novo paradigma de desenvolvimento agrário no Brasil.

Palavras-chave: Camponeses. Cooperação Sul-Sul. Reforma Agrária.

Abstract
The article examines the Brazil–China strategic partnership, with an emphasis on cooperation between the Landless Workers’ Movement (MST), Chinese and Brazilian institutions and universities, and its implications for family farming and rural development. Based on a historical review of the agrarian question in Brazil and China, as well as a documentary survey of news published on the official MST website (2023–2025) and the memoranda of understanding between both countries, the study analyzes initiatives that include the transfer of adapted agricultural machinery, the development of sustainable bio-inputs, technological exchange, capacity building, and the creation of joint research centers. The results indicate that this cooperation, framed within South–South diplomacy, has the potential to strengthen food sovereignty, agroecology, and the productive inclusion of peasant communities. However, it highlights the need to safeguard the political and productive autonomy of rural actors, avoiding the reproduction of asymmetries and dependencies. It concludes that, if anchored in participatory and territorially grounded practices, the partnership may contribute to building a new paradigm of agrarian development in Brazil.

Keywords: Peasants. South–South Cooperation. Agrarian Reform.


Submissão:
15 ago. 2025

Aceite:
05 nov. 2025

Publicação:
12 dez. 2025

Citação sugerida

FABRIZIO, Laura Brand; CESA, Isabelle Rossatto; TRINDADE, Eduarda Paz; ALVES, Marina Calisto. A parceria Brasil-China e o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST): perspectivas para a agricultura familiar e o desenvolvimento rural. Revista IDeAS, Rio de Janeiro, v. 19, p. 1-31, e025015, jan./dez. 2025.

Licença: Creative Commons - Atribuição/Attribution 4.0 International (CC BY 4.0).


Introdução

O crescimento econômico da China nas últimas décadas foi marcado por uma reconfiguração de sua posição estratégica na agenda externa e por impactos estruturais no sistema mundial. Em apenas uma década, o Produto Interno Bruto (PIB) do país saltou de US$ 1,2 trilhão, em 2000, para US$ 6 trilhões, em 2010; o PIB per capita seguiu a mesma tendência, passando de US$ 1.053, em 2001, para US$ 4.550, em 2010 (Banco Mundial, 2025). Esse avanço foi impulsionado, sobretudo, pela criação das Zonas Econômicas Especiais (ZEE), áreas geográficas com regulamentações e políticas econômicas para atrair investimentos, impulsionar a industrialização e a exportação, que dinamizaram a economia produtiva e exportadora chinesa. Para sustentar esse ritmo, cresceu a demanda por recursos energéticos, matérias-primas e alimentos, atendida principalmente por países agroexportadores e extrativistas da América Latina, como o Brasil (Ye et al., 2019). Esse período, conhecido como boom das commodities, entre 2000 e 2014, elevou os preços dos produtos primários e beneficiou a economia brasileira, impacto que se reverteu com a desaceleração da economia chinesa a partir de 2012.

Assim, o “efeito China” no contexto latino-americano, e particularmente no Brasil, expressa uma combinação de impactos diretos, indiretos e transformações estruturais (Escher; Schneider; Ye, 2018). Entre esses impactos, além da intensificação do comércio bilateral, destacam-se os investimentos externos diretos da China em setores diversificados da economia brasileira, como infraestrutura, energia, telecomunicações, bens de capital e o setor primário. Tais investimentos têm potencial para fortalecer a estrutura produtiva do país, especialmente nas áreas rurais e agroalimentares. A partir de 2022, observa-se um crescente interesse chinês em promover programas e projetos de cooperação com agricultores familiares e assentamentos da reforma agrária, com destaque para aqueles vinculados ao Movimento dos(as) Trabalhadores(as) Rurais Sem Terra (MST). O marco dessa aproximação foi a assinatura, em 2022, de um memorando de entendimento entre o Consórcio Nordeste, entidades chinesas de inovação e equipamentos agrícolas, e a Associação Internacional para Cooperação Popular (AICP) visando à promoção do desenvolvimento rural (Consórcio Nordeste, 2022) e, posteriormente, a assinatura do Memorando de Entendimento (2025-2030) sobre Cooperação em Agricultura Familiar Moderna e Mecanização Agrícola entre os governos do Brasil e da China. Desde então, a parceria entre o MST, as instituições e as universidades chinesas e brasileiras tem se intensificado, especialmente no campo da transferência tecnológica, com o envio de maquinários especializados para a agricultura familiar e o desenvolvimento de bioinsumos baseados em tecnologias ecológicas.

Essa agenda parece se diferenciar da antiga Revolução Verde promovida, sobretudo, pelo Norte Global, visto que busca investir em tecnologias adaptadas aos territórios camponeses, aproveitando a experiência chinesa de aumento de produtividade com base nos agricultores familiares. Contudo, essa cooperação não está isenta de contradições estruturais. As relações econômico-comerciais entre Brasil e China nas últimas décadas têm se sustentado no agronegócio exportador de soja e carne, favorecendo a expansão da grande propriedade e a concentração fundiária. Assim, ao mesmo tempo que investe em projetos voltados à agricultura familiar, a China mantém-se como grande importadora de commodities brasileiras e fornecedora de insumos, como agrotóxicos, para o agronegócio. Essa parceria dual reflete as contradições inerentes à economia mundial capitalista, mas também revela o potencial de ampliar a inclusão dos agricultores camponeses na agricultura nacional e o acesso a maquinário e bioinsumos.

Dessa forma, o objetivo desta pesquisa é delinear as principais parcerias estabelecidas entre universidades e instituições chinesas e brasileiras com a participação do MST, investigando suas possibilidades e limites para a agricultura familiar. Buscou-se responder à seguinte pergunta: em que medida essas iniciativas configuram uma ruptura com a lógica extrativista e dependente do agronegócio hegemônico ou, ao contrário, correm o risco de reproduzir desigualdades e assimetrias sob novas formas?

Como metodologia, realizou-se uma pesquisa documental e exploratória sobre a cooperação entre a China e o MST, com levantamento de notícias no canal oficial do MST (https://mst.org.br/) utilizando a palavra-chave “China”, a fim de compreender e discutir suas implicações. Além disso, foram analisados os principais documentos que formalizam essa cooperação, em especial o Memorando de Entendimento (2025-2030) sobre Cooperação em Agricultura Familiar Moderna e Mecanização Agrícola entre China e Brasil (2024) e o Memorando de Entendimento entre o Belt and Road Instituto Internacional de Inovação de Equipamentos Agrícolas e Agricultura Inteligente, a Associação de Fabricantes de Máquinas Agrícolas da China e a Associação Internacional para Cooperação Popular (2022). Também foi realizada uma breve revisão sistemática da literatura sobre a questão agrária no Brasil e na China.

O artigo está estruturado em três partes, além desta introdução e das considerações finais. Inicialmente, apresenta-se um panorama histórico das raízes da questão agrária no Brasil e de seus desdobramentos atuais. Em seguida, examina-se a questão agrária na China, em diálogo com a nova estratégia de revitalização rural. Por fim, mostra-se a análise exploratória com o intuito de compreender a recente parceria entre o MST e a China, levantando discussões sobre suas implicações.

A questão agrária no Brasil: raízes e desdobramentos atuais

As novas complexidades das redes globais de valor, da globalização financeira, da digitalização, da estrangeirização da terra e da intensa interdependência entre nações, somadas ao papel do Brasil no contexto dos sistemas alimentares internacionais, levantam um conjunto de questões sobre a função do campo e/ou do rural no desenvolvimento do país. Entre essas questões, destaca-se a necessidade de refletir se ainda é possível afirmar a existência de uma questão agrária brasileira e, sobretudo, por que é fundamental reposicionar esse debate na atualidade.

Para tratar do tema e propor conexões com a discussão sobre o papel da China no desenvolvimento rural brasileiro, especialmente em articulação com movimentos sociais do campo, é oportuno resgatar a relevância histórica e os caminhos e impasses da formação da agricultura no Brasil, bem como da conformação de uma “questão agrária” nacional. Ao longo do tempo, diferentes interpretações sobre a problemática agrária brasileira foram elaboradas a partir de distintas perspectivas teóricas. Apesar das divergências substanciais entre autores, é inegável que as raízes agrárias moldaram a formação social e econômica do país, produzindo desdobramentos que chegaram à contemporaneidade. No Brasil, entende-se por questão agrária o conjunto de discussões sobre a posse, o controle, a propriedade, o uso e a distribuição das terras (Oliveira, 2001). Pelo padrão de colonização, a formação social e econômica brasileira e o perfil do rural no país foram marcados essencialmente por um alto grau de concentração fundiária (Prado Jr., 2011).

O padrão concentrador da propriedade da terra esteve, historicamente, no centro de diversos debates sobre o desenvolvimento nacional (Stédile, 2013). Contudo, essa questão nunca foi enfrentada de forma profunda. Os dados sobre a estrutura fundiária no país continuam a evidenciar formas persistentes de exclusão e desigualdade social, bem como uma opção de desenvolvimento que privilegia a grande propriedade (Oxfam, 2017). Ao analisar as transformações desse debate, Stédile (2013) aponta a década de 1960 como marco central, período em que predominavam duas correntes principais: a que defendia a existência de resquícios feudais (considerados entrave ao desenvolvimento capitalista) e a que sustentava não ter havido feudalismo no Brasil, mas sim uma forma de capitalismo associada a relações de produção “atrasadas”, resultante da inserção dependente do país na economia capitalista global.

Abramovay (2007) observa que essa disputa entre “teses feudais” e “teses capitalistas” era fundamental, pois a definição da questão agrária influenciava diretamente a estratégia política de setores ligados ao Partido Comunista Brasileiro (PCB). Assim, no período anterior à ditadura militar, a questão agrária era vista como elemento central para o desenvolvimento nacional, sendo “resolver” o problema agrário considerado um passo indispensável. Com a ditadura militar, porém, segundo Stédile (2013), esses debates foram “mutilados”. A saída encontrada pela aliança entre os militares e os setores empresariais rurais e urbanos foi promover a modernização tecnológica da agricultura sem alterar a estrutura fundiária, processo denominado “modernização conservadora” (Guimarães, 1981).

Como consequência, emergiram múltiplos problemas sociais, apontados por Graziano Neto (1982), como, a prioridade de crédito para produtos de exportação em detrimento das culturas alimentares; a falta de democratização no acesso ao financiamento, favorecendo médios e grandes proprietários; e a concentração de investimentos em regiões específicas, sobretudo no Centro-Sul. Essas escolhas reforçaram desigualdades entre produtos, produtores e regiões.

Segundo Stédile (2013), a reforma agrária retorna à agenda política e intelectual de forma aberta após a redemocratização. Nesse momento, os debates já não eram os mesmos da década de 1960. Discutia-se a natureza da reforma agrária e seu sentido em um contexto de predomínio das relações capitalistas na agricultura brasileira. Veiga (2013), analisando o tema no início dos anos 1990, destacou que reformas agrárias realizadas em países centrais do capitalismo no século XX produziram efeitos positivos tanto na dimensão produtiva (aumento da produção e da oferta) quanto na distributiva (redistribuição da terra).

Todavia, Graziano da Silva (2013) argumenta que a modernização da agricultura brasileira ocorreu de forma desigual, parcial e excludente. Utilizando a metáfora de uma corrida em que alguns têm melhores condições de partida, o autor identifica três tendências para os anos 1980: a) integração de capitais via formação de complexos agroindustriais; b) redução do papel da pequena produção, seja como produtora de bens ou como reserva de mão de obra; e c) diminuição da sazonalidade do trabalho temporário, associada à mecanização, substituição de culturas e contratação de mão de obra permanente. Nessa perspectiva, do ponto de vista do desenvolvimento capitalista, a reforma agrária não seria mais necessária, segundo Graziano da Silva (2013). Assim, para o autor, ela só poderia se concretizar por meio da luta dos trabalhadores, especialmente contra a lumpenização do campesinato expulso de suas terras e empurrado para cidades, onde vive em condições extremamente precárias.

Na década de 1990, surgiram iniciativas voltadas à “agricultura familiar”, bem como experiências de distribuição de terras, criação de assentamentos e do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), impulsionadas por mobilizações rurais desde os anos 1980 (Bergamasco; Norder, 1996). No entanto, essas ações ainda foram limitadas e não alteraram significativamente a estrutura agrária ou o modelo de desenvolvimento rural no país. Ademais, com o ajuste neoliberal, a partir dos anos 1980, o Brasil passa a abrir-se ao agronegócio, intensificando sua especialização como exportador de commodities (soja, carne, minérios) e aprofundando sua inserção subordinada nas cadeias globais. A saber, o segundo governo de Fernando Henrique Cardoso relançou o agronegócio por meio de iniciativas convergentes: investimento em infraestrutura territorial com eixos de desenvolvimento para integrar novos territórios e corredores comerciais; direcionamento da pesquisa agropecuária, reorganizando a Embrapa em sintonia com empresas multinacionais; regulação frouxa do mercado de terras, deixando grande parte das áreas fora do controle público; e mudança na política cambial, que aumentou a competitividade internacional do agronegócio, associando grande capital à grande propriedade fundiária sob mediação estatal (Delgado, 2005).

Posteriormente, com a crise dos governos neoliberais na América Latina, um novo ciclo político iniciou-se no Brasil em 2003, estendendo-se até 2016, sob governos progressistas do Partido dos Trabalhadores (PT). Nesse período, implementaram-se diversas políticas de desenvolvimento rural voltadas aos historicamente marginalizados no campo. Ainda assim, os enfrentamentos à estrutura fundiária foram tímidos, priorizando-se ações compensatórias e mantendo-se um ordenamento dualista para o rural a partir da ação de dois ministérios. O período coincidiu com o “superciclo econômico” dos anos de 2003 a 2011, no qual em diversos países da América Latina foi priorizado um modelo de exportação de bens primários em larga escala (com destaque para soja, carne e outros produtos agropecuários no Brasil, por exemplo) e que, segundo Svampa (2012) pode ser conceituado como o período do “Consenso das Commodities”.

Com o impeachment da presidente Dilma Rousseff em 2016, políticas de desenvolvimento rural sofreram retrocessos, incluindo a extinção do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) e um enfraquecimento e/ou reenquadramento conservador de programas historicamente voltados à agricultura familiar, reforma agrária e comunidades tradicionais. Essa tendência prosseguiu no governo de Jair Bolsonaro (2019-2022) (Borsatto et al., 2022; Diesel et al., 2021). A eleição de Luiz Inácio Lula da Silva em 2022 sinalizou a retomada de políticas inclusivas para o campo, similares às do primeiro ciclo petista, mas é preciso considerar que tais esforços vêm se dando em um contexto marcado pela hegemonia cultural do agronegócio que se expande desde a década de 1990 (Pompeia, 2020).

Leite (2006) demonstra que o avanço do agronegócio como modelo dominante não garante emprego nem supera a pobreza rural, pois o aumento da produção frequentemente aprofunda a desigualdade social e a concentração de renda, terra e produção. Para ele, a reforma agrária segue sendo central, não apenas pelo potencial de transformação econômica, política e social para os beneficiários, mas também pelo efeito dinamizador sobre os municípios onde se inserem os assentamentos. Além disso, o assentamento favoreceria um processo de “filiação social”, ampliando o acesso a políticas públicas e fortalecendo a capacidade de reivindicação das famílias, por meio da participação em organizações sociais.

Silva (2016), ao analisar as metamorfoses da questão agrária brasileira, identifica três macroprocessos estruturantes: (i) a expansão do capitalismo agrário, que, ao adotar novos padrões tecnológicos, desloca o foco dos conflitos para soluções técnicas; (ii) a emergência da agricultura familiar como forma social de produção com potencial de garantir desenvolvimento social, econômico e democrático, articulando saberes acadêmicos, reivindicações sociais e políticas públicas; e (iii) a ampliação dos projetos de reforma agrária, que, apesar de persistirem, pouco têm alterado a estrutura fundiária e enfrentam desafios importantes, como altos níveis de violência no campo.

Nesse debate, destacam-se as reflexões de Fernandes (2014) sobre as teses do “capitalismo agrário” e da “questão agrária”. A primeira considera que as desigualdades podem ser superadas pela integração do campesinato e da agricultura familiar ao mercado capitalista. A segunda entende as disputas territoriais como expressão da luta de classes, buscando modelos de desenvolvimento que garantam a autonomia camponesa. Fernandes (2014), assim como Costa e Carvalho (2012), defende que o campesinato no Brasil é expressão de resistência histórica e social, constituindo um projeto político para o campo em oposição à lógica empresarial do agronegócio. Esses autores também ressaltam o desafio de consolidar uma “identidade de projeto”, condição essencial para a permanência dessa categoria social. Essa identidade se manifesta em fenômenos como a valorização da agricultura familiar, a centralidade das questões ambientais e étnicas e experiências lideradas pelo MST para qualificar econômica, social e tecnicamente a produção dos assentados, entre as quais a parceria com a China, foco central desta investigação. Antes de examinar especificamente essa relação, é necessário situar aspectos relevantes da questão agrária na China e das estratégias adotadas por aquele país para articular e dinamizar sua agricultura, bem como seu papel central na geopolítica contemporânea.

A questão agrária na China e a estratégia de revitalização rural

O campo e a agricultura desempenharam um papel decisivo na trajetória de desenvolvimento da China ao longo do século XX. Serviu tanto como base para a construção da República Popular da China (RPC), consolidada com a Revolução de 1949, quanto como elemento fundamental para sustentar a estratégia de crescimento socioeconômico e de desenvolvimento nacional. Apesar de ser o terceiro maior país em extensão territorial, a China possui uma das menores disponibilidades de terra arável do mundo, com apenas 0,08 hectares por pessoa (Medeiros, 2013). Ainda assim, tornou-se a maior produtora agrícola do planeta, alimentando 18,9% da população mundial com apenas 8,5% das terras agricultáveis globais (Zhang; Li, 2018) e angariou retirar mais de 770 milhões de chineses da condição de extrema pobreza entre 1978 e 2018, garantindo estabilidade social com base na segurança alimentar (Guo, 2020).

Para alcançar tal posição, foi necessário colocar a questão agrária no centro da agenda de desenvolvimento, o que implicou profundas transformações institucionais e sociais. Embora a urbanização e o emprego não agrícola tenham sido os principais motores da mudança estrutural do país, a vasta população ocupada na agricultura desempenhou um papel essencial no desenvolvimento nacional. Isso ocorreu por meio da racionalização do uso da terra, da expansão da área agricultável via irrigação, do aumento da produtividade por pessoa (mecanização) e por hectare (uso de fertilizantes), além de avanços significativos na qualidade de vida da população rural, como melhorias em infraestrutura, educação e saúde no campo (Medeiros, 2013).

O marco inicial dessas políticas foi a consolidação do Partido Comunista da China (PCCh) como liderança do processo de reconstrução nacional, pelo qual esteve ligada à vitória socialista diante das invasões estrangeiras do século XIX, período conhecido como o século das humilhações. Ao assumir o comando de um país devastado por guerras e invasões, o PCCh precisou definir um projeto capaz de garantir condições sociais mínimas para mais de 90% da população que, na década de 1950, vivia no campo (Medeiros, 2013). O primeiro passo foi a instituição de uma lei de reforma agrária radical entre 1949 e 1953, que visou à distribuição de terra para camponeses com a eliminação do latifúndio feudal, a consolidação da agricultura camponesa com base na pequena propriedade e no trabalho familiar, e a aliança operário-camponesa sob o PCCh (Escher, 2022). Dessa forma, pretendia-se abolir o sistema de grande propriedade privada e substituí-lo por um sistema de propriedade camponesa coletiva, com o objetivo de acabar com a concentração de terra nas mãos de poucos latifundiários e reduzir a desigualdade social.

Nesse período, latifundiários, que eram cerca de 10% da população rural, ocupavam mais de 70% das terras cultivadas, enquanto os camponeses e os assalariados rurais (mais de 90% da população rural) ocupavam 30% das terras cultivadas (Pomar, 2015). Muito além de redistribuir terras e meios de produção, a lei de reforma agrária adotou uma série de práticas de igualdade entre mulheres e homens, educação agropecuária e alfabetização da população camponesa mais vulnerável. De acordo com Pomar (2015), até 1952 foram distribuídos 47 milhões de hectares, cerca de 50% das terras cultivadas, entre 300 milhões de camponeses, em que passaram a ocupar 90% das terras e os ricos somente 8%.

Os camponeses chineses se tornaram donos de suas próprias condições de trabalho e a situação econômica desta população melhorou sensivelmente. No entanto, a capacidade produtiva era reduzida, em virtude de uma agricultura arcaica e intensiva com predomínio da fragmentação agrícola impulsionando pela divisão de grandes propriedades rurais em áreas menores e mais dispersas. Por esta razão, em 1953, os camponeses foram instruídos a organizarem-se em equipes de entreajuda mútua, que deveriam agrupar quatro ou cinco famílias, processo que culminou na coletivização de terras e na consolidação das comunas. Ao mesmo tempo, o PCCh regulamentou o mercado de cereais com o estabelecimento do Sistema Unificado de Compra e Venda, em que camponeses passaram a ter cota de vendas de cereais, algodão e outros produtos agrícolas importantes e o Estado os fornecia produtos industriais necessários para subsistência (Pomar, 2015). Nesse processo, o Estado proclama a criação das cooperativas de produção do tipo semissocialistas que tinham como objetivo a unificação de terras, ferramentas e outros meios de produção particulares de forma a rentabilizar a utilização dos meios de produção. No entanto, em 1955 começa a generalizar um tipo experimental de cooperativas de caráter inteiramente socialista, as comunas, em que a propriedade privada da terra e dos meios de produção foi totalmente substituída pela propriedade coletiva. Estas cooperativas foram tomando maior espaço no panorama rural chinês e em 1957 “cada uma das 740 mil cooperativas de tipo superior possuía 168 famílias, com área média de 140 ha” (Pomar, 2015, p. 101).

A consolidação do novo sistema de socialização promulgou a elevação da produção e a melhoria das condições de vida dos camponeses, de forma que em 1955 a agricultura chinesa saltou para 185 milhões de toneladas (Pomar, 2015). Todavia, nos anos que se seguiram (1955-1962) devido a condições climáticas e projetos frustrados, como o Grande Salto Adiante, campanha econômica e social lançada por Mao Zedong entre 1958 e 1960 que visava transformar a China de uma nação agrária em uma potência industrial e socialista, tiveram consequências dolorosas para a população rural e para as expectativas do PPCh. Com efeito, várias regiões da China foram afetadas por fomes e desastres meteorológicos, causando um número de mortos elevado e uma tensão crescente entre o governo e os camponeses.

Eisenman (2018) argumenta que, mesmo com as falhas, as comunas populares (1958-1982) foram fundamentais para o desenvolvimento agrícola e rural da China, contrariando interpretações que as veem apenas como um período de estagnação. Esse sistema permitiu avanços tecnológicos, como expansão da irrigação, mecanização, uso de fertilizantes e experimentação agrícola, e transformações institucionais que mobilizaram recursos coletivos para superar a escassez de terra arável. Além disso, criou as bases de infraestrutura, capital humano, redes de pesquisa e extensão rural que sustentaram as reformas pós-1978 e o subsequente crescimento produtivo. Dessa forma, nessa fase, as comunas lançaram base para uma “revolução verde na China vermelha”, integrando inovação tecnológica, reorganização institucional e desenvolvimento econômico rural.

Desse modo, essas foram as condições legadas pelo PCCh antes das reformas de abertura de 1978, que, apesar das dificuldades impostas pelo isolamento internacional e pelas limitações materiais do país, conseguiram unificar a China e lançar as bases para um caminho próprio de desenvolvimento nacional. Sob a liderança de Deng Xiaoping, as reformas introduziram transformações estruturais no modelo de acumulação de capital, impactando não apenas a indústria e a tecnologia, mas também promovendo uma ampla reorganização social no campo. Em 1978, o setor agrícola (24%) já havia perdido espaço para a indústria (35%) na composição do PIB (Medeiros, 2013). Entre 1978 e 1995, a economia chinesa apresentou um crescimento médio anual de 7,5% do PIB e 6% do PIB per capita. Embora a indústria tenha liderado esse processo, a agricultura manteve grande dinamismo, com uma taxa média de crescimento de 5,15% ao ano (Medeiros, 2013). Esse desempenho foi viabilizado pela descoletivização, com a introdução do “sistema de responsabilidade familiar”, e pelo relaxamento do sistema de controle de residência (hukou). Tais mudanças tiveram impacto profundo na estrutura econômica e social do país, constituindo a base inicial da expansão do mercado interno nos novos moldes, marcada pela ampliação do emprego rural não agrícola e pela transferência do excedente de mão de obra do campo para as cidades e para atividades industriais e de serviços (Medeiros, 2013).

No novo sistema de trabalho no campo, a terra permaneceu como propriedade coletiva, mas os camponeses passaram a ter direito ao contrato e uso da terra, podendo administrar sua própria produção. Ao longo dos anos 1980, a combinação de mudanças no sistema de incentivos, incluindo a distribuição por meio de compras públicas garantidas, termos de troca favoráveis à agricultura, diversificação agrícola e pecuária, além de investimentos públicos, possibilitou o aumento da produtividade, da renda e do consumo rural. Paralelamente, as reformas foram marcadas pela expansão das Empresas de Vilas e Municípios, responsáveis principalmente pela produção de bens de consumo leve. Embora pudessem assumir formas privadas ou coletivas, essas empresas eram, na prática, administradas pelos governos locais e receberam amplo incentivo estatal, especialmente por meio de empréstimos do Agricultural Bank of China, que chegaram a financiar 40,6% do capital inicial necessário para novos empreendimentos (Fares, 2018). Essas empresas desempenharam papel central no dinamismo econômico do campo, ao gerar receitas para os municípios e ampliar a renda rural por meio de atividades não agrícolas. Dessa forma, este período foi marcado por uma política de desenvolvimento voltado para a expansão do mercado interno a partir do aumento do poder de compra das famílias e pelo incentivo à produção agrícola objetivando a autossuficiência alimentar.

No início dos anos 1990, a China adotou uma política econômica voltada para a indústria exportadora, consolidando as Zonas Econômicas Especiais (ZEE) nas regiões costeiras. O dinamismo exportador do país baseou-se na integração às cadeias globais de produção, tanto no processamento de exportações lideradas pela indústria de tecnologia quanto naquelas orientadas ao consumo de bens leves (Medeiros, 2013). Para sustentar esse movimento, foram criadas, sob a coordenação do Ministério de Ciência e Tecnologia, 53 zonas de desenvolvimento em atividades de alta tecnologia, que atraíram grandes fluxos de investimento de empresas multinacionais. Essas zonas foram voltadas principalmente ao mercado interno e articularam uma política tecnológica centrada em investimentos em grandes empresas estatais. Entretanto, para a agricultura esse novo padrão consolidou uma trajetória de acumulação de capital desfavorável, com a participação do setor caindo de 32,8% do PIB em 1982 para 10,6% em 2006 (Fares, 2018).

Nessa perspectiva, o período foi marcado por crescentes desigualdades entre campo e cidade, com as províncias costeiras experimentando elevação significativa de renda e produção. O governo chinês colocou o setor agrícola em segundo plano, limitando a aquisição estatal de grãos e abolindo o sistema de cotas de produção, o que fez com que toda a produção excedente passasse a ser comercializada no mercado livre. Em 1994, a criação do Imposto sobre o Valor Agregado direcionou recursos do campo para as cidades (Fares, 2018). Esse contexto desfavorável aos camponeses desencadeou um dos maiores êxodos rurais do mundo, em que os “camponeses operários” migraram para trabalhar em condições precárias nas áreas urbanas. Paralelamente, ocorreu um intenso movimento de desapropriação de terras pelo mercado imobiliário, que deslocou cerca de 70 milhões de agricultores mediante indenizações (Fares, 2018). A regressão rural resultante provocou grandes manifestações e conflitos entre as classes, levando o governo de Hu Jintao a abolir impostos e taxas sobre a agricultura e a lançar um novo programa socialista, intitulado Construindo um Novo Campo Socialista, com ampla gama de subsídios agrícolas, investimentos em serviços e melhorias de infraestrutura rural (Escher, 2022).

Nessa nova fase, o governo passou a priorizar a modernização da agricultura, garantindo às famílias camponesas acesso a tecnologias, desde maquinário até pesticidas, o que elevou a produtividade agrícola. Em 2004, as medidas de apoio, que consistiam em subsídios diretos para grãos, subsídios aprimorados para sementes, subsídios abrangentes para insumos e subsídios para compra de máquinas, aumentaram de US$ 2,1 bilhões para US$ 24,3 bilhões (Guo, 2020). Ao mesmo tempo, o PCCh buscou ampliar a proteção social do campesinato e reduzir as disparidades com as províncias do interior, mais distantes dos centros urbanos costeiros. Entre as medidas, destacam-se a ampliação do acesso à educação e à saúde, com a abolição das taxas escolares para os nove primeiros anos de ensino e a criação de um sistema cooperativo para custear o tratamento hospitalar das famílias (Zhan, 2020). Em consonância, foram realizados investimentos expressivos em infraestrutura, incluindo fornecimento de água, eletricidade, estradas, ferrovias, telefonia e internet no interior. Esses esforços resultaram em mudanças significativas no padrão de vida rural: em 1985, apenas 1,9% das famílias possuíam máquina de lavar e 0,7% tinham TV colorida; em 2007, esses índices alcançaram 46% e 94%, respectivamente (Medeiros, 2013). A motocicleta, praticamente inexistente nos anos 1980, estava presente em 48% dos domicílios rurais em 2010 (Medeiros, 2013). Como resultado, a partir de 2008, essas regiões passaram a registrar crescimento da renda e do PIB superior ao das áreas costeiras, revertendo um longo período de queda relativa (Fares, 2018).

Em contrapartida, apesar dos avanços sociais e da ampliação do crédito para as populações rurais, o processo de modernização liderado por Hu Jintao também trouxe contradições significativas. A expansão do agronegócio exportador, impulsionada pelas chamadas “companhias cabeça de dragão”, grandes empresas verticalmente integradas que atuam na produção agrícola, introduziu novas relações capitalistas de produção e aprofundou a diferenciação social no campo. Desde o nono plano quinquenal (1996-2001), o governo passou a articular um modelo de modernização ancorado na mercantilização, no escoamento e na internacionalização da agricultura (Fares, 2018). Essa orientação abriu espaço para empresas voltadas ao processamento e à comercialização de commodities em larga escala, reforçando tendências de desapropriação de terras camponesas e de proletarização do trabalho rural (Fares, 2018).

Esse movimento foi intensificado em 2013, quando o Partido Comunista da China anunciou uma política voltada à transferência de uso da terra para terceiros, com o objetivo de promover uma agricultura ainda mais orientada ao mercado (Zhan, 2020). Essa medida favoreceu o lobby de empresas do setor imobiliário e financeiro sobre o uso agrícola da terra. Como resultado, o volume de terras transferidas aumentou significativamente: entre 2012 e 2017, a proporção saltou de 21% para 37% do total de terras agrícolas, indicando que empresas do agronegócio e fazendas corporativas passaram a controlar, ao menos, 20% dessas áreas (Zhan, 2020). Em 2017, segundo o Ministério da Agricultura e dos Assuntos Rurais, cerca de 40% de todas as terras agrícolas já eram utilizadas em unidades produtivas de “escala moderada”, ou seja, com dimensões pelo menos dez vezes superiores à média nacional (Zhan, 2020).

O governo de Xi Jinping, assim como o de Hu Jintao, inicialmente deu continuidade ao foco no desenvolvimento rural pela via estreita da modernização agrícola apoiada pelo capital e pelas companhias cabeça de dragão. No entanto, entre 2017 e 2018, o Partido Comunista da China (PCCh) sinalizou uma inflexão na política agrária com o lançamento da Estratégia de Revitalização Rural, que trouxe importantes ajustes ao projeto da Nova Reforma Agrária chinesa. Embora ainda reforce a relevância da agricultura em larga escala, essa nova diretriz destaca a necessidade de integrar as pequenas unidades camponesas à agricultura moderna, ao mesmo tempo que busca proteger seus direitos diante do avanço do setor imobiliário e da concentração de renda e terras (Zhan, 2020).

Segundo Escher e Schneider (2022), os principais objetivos dessa estratégia incluem o apoio à modernização da agricultura familiar, a melhoria dos sistemas de assistência técnica e extensão rural, a promoção da sustentabilidade ambiental e da cultura camponesa, a estabilidade contratual, a qualificação profissional dos agricultores, o fortalecimento das cooperativas rurais, a erradicação da pobreza e a elevação das condições de vida no campo. Nesse sentido, a política de Revitalização Rural promovida por Xi Jinping demonstra uma inflexão significativa ao valorizar os camponeses familiares e ao propor a superação da orientação excessivamente urbana do modelo de desenvolvimento chinês, buscando uma maior integração entre os espaços rural e urbano a partir de uma ótica centrada no campo (Escher; Schneider, 2022).

Ainda que a política agrária chinesa pareça se mover em um ritmo pendular, ora favorecendo empresas do agronegócio exportador, ora apoiando os camponeses familiares, é importante considerar que o Estado abre espaço institucional para as reivindicações do campesinato na disputa por poder político. Com a abertura ao capital internacional promovida por Deng Xiaoping, o processo de acumulação chinês priorizou, em um primeiro momento, a urbanização e o desenvolvimento industrial. No entanto, as pressões exercidas pelas populações rurais nas décadas de 1990 e 2000 impulsionaram o PCCh a formular políticas voltadas à melhoria das condições de vida no campo. Esse movimento revela uma preocupação constante do Estado chinês com a estabilidade social e a coesão nacional, diretriz presente desde a fundação da República Popular em 1949.

Como já mencionado, a China alimenta cerca de 18,9% da população mundial dispondo de uma das menores proporções de terras agricultáveis do planeta. Tal feito foi viabilizado por políticas estatais que asseguraram apoio contínuo ao campo e à numerosa força de trabalho agrícola, além da manutenção da terra como propriedade pública. Embora tenha priorizado a modernização industrial a partir das reformas de 1978, o espaço rural e as questões agrícolas permaneceram centrais na agenda política do PCCh, seja na política das “quatro grandes modernizações” (agricultura, indústria, ciência e tecnologia, e defesa nacional), nas últimas décadas como prioridade dos Documentos de Política no 1 do governo central, ou, mais recentemente, na Estratégia de Revitalização Rural.

Em comparação, o Brasil apresenta avanços limitados nas políticas de desenvolvimento rural, especialmente no que se refere à reforma agrária, tema em que os progressos têm sido lentos e insuficientes para atender às demandas históricas dos agricultores familiares (Zeneratti, 2021). Há décadas, o MST luta por uma distribuição mais justa da terra e pela efetivação das reivindicações camponesas ao poder público. Por outro lado, o caso chinês evidencia que o desenvolvimento rural não depende apenas do crescimento produtivo, mas sobretudo da integração entre políticas econômicas e sociais sob coordenação estatal. A experiência da China mostra que a presença ativa do Estado, garantindo crédito, infraestrutura, assistência técnica e proteção social ao campesinato, foi decisiva para elevar a produtividade agrícola e reduzir desigualdades regionais.

Nesse sentido, a experiência chinesa oferece ao Brasil elementos para refletir sobre a importância de articular reforma agrária, investimento público e planejamento de longo prazo como pilares de um projeto nacional de desenvolvimento rural. Diferentemente de políticas fragmentadas e subordinadas às dinâmicas do mercado internacional, como a modernização conservadora e a revolução verde no Brasil, a China vinculou a modernização agrícola à inclusão social e à valorização do trabalho camponês, reconhecendo o campo como parte essencial da construção do Estado e não como seu resíduo.

Portanto, a experiência chinesa, ao evidenciar a centralidade do Estado na coordenação do desenvolvimento rural, oferece ao Brasil elementos para repensar suas próprias estratégias de inclusão do campesinato. Essa reflexão ganha materialidade nas iniciativas recentes de cooperação entre o Brasil e a China, em especial nas experiências de intercâmbio tecnológico e organizativo promovidas por movimentos populares do campo, como o MST. Diante dessa situação, os movimentos têm buscado estabelecer parcerias descentralizadas com outras entidades, como ocorre na experiência da cooperação China-MST, que será analisada na próxima seção.

A parceria Brasil e China e o intercâmbio com o MST: limites e possibilidades

        Nessa seção, buscou-se compreender os limites e as possibilidades do intercâmbio estabelecido entre a China, via instituições e empresas chinesas, e o Movimento dos(as) Trabalhadores(as) Rurais Sem Terra. Para isso, realizou-se um levantamento documental dos acordos assinados entre Brasil e China, e um levantamento das notícias  do canal oficial do movimento (https://mst.org.br/) que evidenciam a recente parceria entre as partes.  

É necessário destacar que o intercâmbio entre a China e o MST se dá por meio de duas instâncias legais. Em um primeiro momento, o marco da cooperação entre as partes ocorre a partir da assinatura do Memorando de Entendimento em 2022 entre o Consórcio Nordeste, as entidades chinesas Instituto Belt and Road de Inovação de Equipamentos Agrícolas e Agricultura Inteligente, sob a liderança da Universidade Agrícola da China, a Associação de Fabricantes de Máquinas Agrícolas da China, e a Associação Internacional para Cooperação Popular (Baobab/IAPC). Essa modalidade deriva da cooperação descentralizada entre os governos da região Nordeste do Brasil e as instituições chinesas, com articulação do Baobab/IAPC, que reúne movimentos populares como o MST.

Por outro lado, a relação vem se expandindo a partir da parceria entre os governos do Brasil e da China, especialmente com os acordos assinados pelos presidentes Xi Jinping e Luiz Inácio Lula da Silva em 2024 e 2025, como o Memorando de Entendimento (2025-2030) sobre Cooperação em Agricultura Familiar Moderna e Mecanização Agrícola, que viabiliza o intercâmbio científico-tecnológico entre a as instituições educacionais e empresas chinesas e os agricultores familiares, especialmente aqueles assentados do movimento sem terra, que estão em maior situação de vulnerabilidade social.

Em suma, essa articulação entre os governos deriva a priori da relação histórica e intensificação da parceria comercial de Brasil e China no cenário internacional a partir do século XXI. Desde 2009, a China ocupa a posição de principal parceiro comercial do Brasil, com um aumento de 19,66% no volume de comércio bilateral desde então (Brasil, 2025a). Nesse mesmo ano, 28% das exportações brasileiras tiveram como destino o mercado chinês, com destaque para produtos como soja em grão, petróleo bruto e minério de ferro, que totalizaram US$ 94,4 bilhões (Brasil, 2025a). No que se refere às importações, compostas majoritariamente por bens de capital e produtos intermediários, o volume alcançou US$ 63,6 bilhões (Brasil, 2025a).
        Como forma de celebrar a parceria bilateral e o estabelecimento dos 50 anos de relações diplomáticas entre China e Brasil, os presidentes Xi Jinping e Luiz Inácio Lula da Silva assinaram, durante visita de Estado realizada após a Cúpula de Líderes do G20 no Rio de Janeiro, em novembro de 2024, 37 novos acordos bilaterais considerados históricos. Os acordos abrangem áreas como agricultura, intercâmbio educacional, cooperação tecnológica e investimentos, com o objetivo de estabelecer um Plano de Cooperação entre os dois países. No que se refere à agricultura, foi assinada uma Carta de Intenções para a cooperação agrícola entre ambas as partes, em busca de promover a cooperação técnica, científica e comercial no setor, visando à troca de conhecimentos, tecnologias, experiências e melhores práticas para o desenvolvimento agrícola sustentável, aumento da produtividade, segurança alimentar e inovação (Brasil, 2024).

Em maio de 2025, o presidente Lula realizou nova visita à China, durante a qual foi assinada uma série de memorandos de entendimento referentes à primeira etapa do Plano de Cooperação. O documento visa promover sinergias entre iniciativas estratégicas dos dois países, como o Novo PAC, o Plano Nova Indústria Brasil, o Plano de Transformação Ecológica e o Programa Rotas da Integração Sul-Americana, articulando-se à Iniciativa Cinturão e Rota, da China (Brasil, 2025b). Tais acordos expressam o compromisso mútuo entre Brasil e China com a cooperação em áreas como desenvolvimento tecnológico, investimentos, infraestrutura e assistência técnica. Assim, as relações sino-brasileiras configuram não apenas uma parceria comercial, mas também uma parceria estratégica e política à medida que ambos os países compartilham interesses comuns nas esferas econômica e política internacional. Esses interesses estão especialmente relacionados à formação de alianças em fóruns multilaterais e à cooperação científico-tecnológica, com o objetivo de reduzir a dependência e romper com o monopólio exercido pelos países centrais do sistema mundial.

Entre os memorandos destaca-se, para este trabalho, o Memorando de Entendimento (2025-2030) sobre Cooperação em Agricultura Familiar Moderna e Mecanização Agrícola entre o Ministério da Agricultura e dos Assuntos Rurais da República Popular da China e o Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar da República Federativa do Brasil. O documento é central, pois simboliza o impacto para a agricultura familiar brasileira e fornece uma das bases institucionais para o intercâmbio entre a China e os agricultores do MST, ao promover a modernização produtiva por meio da introdução de tecnologias acessíveis, como maquinário de pequeno porte, drones e ferramentas digitais adaptadas a pequenas propriedades. Além disso, fortalece a capacitação técnica de agricultores e técnicos rurais por meio de intercâmbios e formação conjunta, ampliando a eficiência e a sustentabilidade da produção. O acordo também estimula a inovação local e o desenvolvimento regional, criando fazendas-modelo e favorecendo a inclusão produtiva de mulheres e jovens rurais (Brasil, 2025c). O Quadro 2 apresenta um resumo deste documento. Em síntese, representa um avanço na integração entre tecnologia, sustentabilidade e inclusão social no campo brasileiro.

Quadro 1 – Resumo do Memorando de Entendimento (2025-2030) sobre Cooperação em Agricultura Familiar Moderna e Mecanização Agrícola

Considerações Iniciais

Contexto e Base Legal

Baseado na Parceria Estratégica Global Brasil-China (2023) e na Declaração Conjunta de 2024 sobre um futuro compartilhado sustentável. Visa aprofundar a cooperação agrícola entre os dois países, com foco na agricultura familiar, tecnologia, inovação e mecanização sustentável.

Objetivo Geral

Promover cooperação técnica, científica e educacional em agricultura familiar moderna, incentivando o intercâmbio de pesquisadores, a transferência voluntária de tecnologia e o desenvolvimento conjunto de fazendas- modelo, a fim de fortalecer o crescimento sustentável e produtivo no meio rural.

Escopo da Cooperação

Pesquisa em Políticas Públicas

Desenvolvimento de políticas voltadas à agricultura familiar sustentável, agroecologia, agricultura orgânica e inclusiva, mecanização, redução de perdas e aumento da produtividade.

P&D em Tecnologia Agrícola

Desenvolvimento de máquinas agrícolas de pequeno e médio porte para a agricultura familiar, drones, insumos biológicos a partir de resíduos e tecnologias digitais (IoT, Big Data, IA), conectividade rural e energias renováveis.

Fazendas Conjuntas de Demonstração e Educação

Criação das Fazendas Brasil-China — Fazenda Apodi (RN) e Fazenda Brasília (DF) — construídas conjuntamente pela Universidade Agrícola da China e parceiros brasileiros, voltadas para testes, capacitação e extensão rural, com foco em jovens e mulheres, e possível integração aos programas nacionais de Assistência Técnica e Extensão Rural (ATER).

Intercâmbio e Treinamento

Capacitação técnica e intercâmbio entre universidades, técnicos agrícolas e agricultores familiares.

Cooperação Econômica e Comercial

Incentivo à presença de empresas chinesas de maquinário agrícola no Brasil, incluindo construção de centros de manutenção, fábricas locais e parcerias do tipo joint venture.

Organização e Implementação entre as Partes

China (Departamento de Cooperação Internacional do Ministério da Agricultura e dos Assuntos Rurais)

Fornecer máquinas agrícolas, plataformas digitais de gestão e especialistas técnicos.

Brasil (Assessoria Especial de Assuntos Internacionais do Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura)

Disponibilizar instalações, equipe de gestão e oferecer apoio a visitas, treinamentos e entrada de equipamentos chineses.

Fonte: Elaborado pelas autoras (2025).

Nessa perspectiva, o novo acordo entre Brasil e China demonstra impactar não apenas os grandes setores empresariais brasileiros, mas também beneficiar agricultores familiares. A cooperação inclui o apoio técnico e fornecimento de maquinários adequados à agricultura familiar, como forma de enfrentar a desigualdade no campo e contribuir para a produção de alimentos e para o desenvolvimento rural.

No entanto, o marco da articulação entre China-MST se deu a priori em setembro de 2022 com a assinatura do memorando de entendimento descentralizado entre o Consórcio Nordeste, as entidades chinesas Instituto Belt and Road de Inovação de Equipamentos Agrícolas e Agricultura Inteligente, sob a liderança da Universidade Agrícola da China, a Associação de Fabricantes de Máquinas Agrícolas da China, e a Associação Internacional para Cooperação Popular, que promove a cooperação e a solidariedade entre movimentos sociais camponeses em todo o mundo. O memorando estabelece uma estrutura de cooperação entre as partes com o intuito de desenvolver programas ou projetos em áreas de interesse mútuo entre Brasil e China, que incluem: 1) Pesquisa e desenvolvimento, fabricação e comércio de máquinas agrícolas; 2) Tecnologia e equipamento de processamento de produtos agrícolas; 3) Demonstração e popularização de máquinas agrícolas; 4) Educação e treinamento em mecanização agrícola; e 5) Cooperação em domínios relevantes como bioinsumos com uso de tecnologias sociais, tecnologia de reflorestamento e tecnologia e equipamentos de energia renovável (Consórcio Nordeste, 2022).

O memorando foi um marco para a cooperação entre China e MST na medida em que foi articulado pela Associação Internacional para Cooperação Popular (Baobab/IAPC), organização internacional criada em 2019 por próprios movimentos sociais, incluindo o MST. A Baobab tem foco na cooperação internacional em ciência e tecnologia. Dessa forma, visa promover intercâmbios de organizações populares com instituições governamentais, institutos de pesquisa, financiadores e empreendedores do Sul Global, tendo escritórios em Acra, capital de Gana, São Paulo e Pequim. Ao mesmo tempo, em contraposição com a atuação do governo Jair Bolsonaro (2019-2022), o Consórcio Nordeste foi criado em 2019, como iniciativa dos governadores da região Nordeste do Brasil, com intuito de promover o desenvolvimento econômico e social de forma integrada. A agricultura familiar consolidou-se como uma das áreas centrais de gestão do Consórcio, firmando-se como preâmbulo para articulação entre a entidade e a Baobab. Foi nesse contexto, apesar do governo de direita de Bolsonaro, que o Consórcio Nordeste abriu caminho, a partir da Associação Internacional para Cooperação Popular, para estabelecer parcerias com o governo da China e seus empreendedores e universidades.

Diante destas iniciativas, desde 2022 tem-se visualizado crescentes notícias do próprio MST evidenciando a intensificação da cooperação com a China. Para compreender de que maneira essa relação tem se intensificado, elaborou-se um levantamento das notícias do canal oficial do movimento (https://mst.org.br/), utilizando a palavra-chave “China” para identificar as matérias que abordassem essa relação (Quadro 2). O recorte temporal adotado foi de 2022 a 2025, por três motivos principais: i) em 2022 é assinado o memorando de entendimento entre o Consórcio Nordeste e as instituições e empresas chinesas, viabilizado pela Associação Internacional para Cooperação Popular; ii) é a partir de 2023 que as primeiras notícias sobre a cooperação entre o MST e a China passam a ser publicadas no site do movimento; e iii) em 2023 tem início o terceiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), um governo que mantém alinhamento político-ideológico com o governo chinês e cuja agenda diplomática ocupa posição de destaque. A escolha dessa fonte justifica-se por ser o principal canal oficial de divulgação de informações do MST, reunindo notícias, artigos e entrevistas que refletem sua própria narrativa sobre a parceria.

A busca resultou em 21 notícias publicadas no site oficial do MST entre 2023 e agosto de 2025, sendo 4 em 2023, 10 em 2024 e 7 nos primeiros nove meses de 2025, como ilustrado no Quadro 2. Nota-se que 2024 foi, até o momento, o ano com maior número de publicações, possivelmente refletindo um período de intensificação das ações bilaterais e da visibilidade da parceria. As temáticas mais recorrentes dizem respeito à entrega e uso de maquinário agrícola e ao desenvolvimento de tecnologias para a agricultura familiar, correspondendo a cerca de um terço das matérias. Em seguida, destacam-se as publicações sobre cooperação institucional, que incluem fóruns, visitas técnicas, acordos e a criação de centros de pesquisa conjuntos, representando quase metade das notícias. Há ainda registros que abordam a parceria sob a ótica da agroecologia e soberania alimentar, bem como da reforma agrária popular, embora em menor proporção. Esses dados indicam que a cooperação com a China é apresentada discursivamente pelo MST como uma oportunidade de acesso a tecnologias e de fortalecimento de redes institucionais, em consonância com pautas estratégicas do movimento.

Quadro 2 – Notícias sobre a parceria entre o MST e a China publicadas no site oficial do movimento (2023-2025)

Data

Categoria

Temática

Título

10 de maio de 2023

Artigos, notícias

Reforma Agrária Popular

Lula se alia à China pela reforma agrária contra o agronegócio e fortalece o MST

18 de julho de 2023

Notícias

Brazil: Landless Workers’ Movement (MST) and

Brazilian state government partner with China

21 de julho de 2023

Entrevistas, notícias

Soberania

Intercâmbio tecnológico entre China e Brasil permitirá uma revolução no campo

16 de novembro de 2023

Notícias

Biofábricas

UnB e MST avançam em cooperação para criação de centro de pesquisa Brasil-China de agricultura familiar

27 de maio de 2024

Notícias

Bem-viver

Primeira colheita das máquinas chinesas: assentamentos do Maranhão comemoram resultados

12 de junho de 2024

Notícias

Produção

II Fórum China-Brasil na Luta Contra a Pobreza e pela Revitalização Rural e Diálogos Intersetoriais

9 de outubro de 2024

Notícias

Visita de campo

Stédile lidera equipe em visita ao Instituto de Pesquisa de Suzhou, da Universidade Agrícola da China

31 de outubro de 2024

Notícias

Cooperação Brasil-China

Mais uma leva de máquinas chinesas para agricultura familiar vem para o Brasil

14 de novembro de 2024

Notícias

Agroecologia

Máquinas chinesas para a agricultura familiar no Brasil são ‘reparação histórica’, diz dirigente do MST

26 de novembro de 2024

Notícias

Reforma Agrária Popular

Fórum Brasil-China debate novos marcos da cooperação para o desenvolvimento

27 de novembro de 2024

Notícias

Acordo Brasil-China

Centro Brasil-China é lançado com ministro chinês e vice-presidente do Brasil

29 de novembro de 2024

Notícias

Cooperação

Parceria Brasil-China potencializa desenvolvimento tecnológico da Agricultura Familiar

29 de novembro de 2024

Notícias

Cooperation

Brazil and China sign a historic round of agreements

5 de dezembro de 2024

Entrevistas, notícias

Entrevista

‘Pequenas máquinas agrícolas são uma necessidade para agricultura camponesa’, diz pesquisadora chinesa

27 de março de 2025

Artigos, notícias

Produção

Cooperação entre o MST e a China vai revolucionar agricultura e ajudar na erradicação da pobreza

5 de abril de 2025

Entrevistas, notícias

Paraná e China

Paraná e China podem cooperar em agricultura familiar, tecnologia e meio ambiente, diz deputado Goura

9 de abril de 2025

Artigos, notícias

Nova Revolução Verde

Brasil e China lideram parceria do Sul Global por agroecologia e soberania alimentar

29 de abril de 2025

Notícias

Produção

Maranhão leva arroz produzido com apoio de máquinas chinesas à Feira

10 de maio de 2025

Notícias

Acesso à tecnologia

Seminário destaca a parceria entre Brasil e China na produção de tecnologia agrícola

13 de julho de 2025

Notícias

Agrotecnologia

Empresa chinesa fecha acordo de cooperação para fortalecer agricultura familiar no Brasil

22 de setembro de 2025

Notícias

Cooperação

Virando a chave: máquinas chinesas são aposta do MST para alimentar o Brasil

 Fonte: Elaborado pelas autoras a partir de notícias publicadas no site oficial do MST (2025).

Como resultado do levantamento das notícias foi possível identificar que a cooperação se estrutura em três frentes: i) com a adaptação de maquinário agrícola especializado para a agricultura familiar aos contextos e biomas do Brasil, e a instalação de fábricas de máquinas chinesas no território nacional; ii) com a transferência de tecnologias de produção de bioinsumos sustentáveis; e iii) com a criação do Centro Brasil-China, resultado de parceria entre a Universidade de Brasília (UnB), órgãos do governo federal, Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e o governo da China, visando à implementação de um sistema de processamento de dados, ligado à empresa estatal chinesa Sinomach Digital, para a agroecologia familiar digital.

Nessa perspectiva, as notícias apresentam a intensificação das relações entre a China e a agricultura familiar brasileira. Dentro deste escopo, observou-se que o MST tem se articulado, em conjunto com universidades brasileiras e chinesas, como a UnB e a Universidade Agrícola da China (CAU), municípios e instituições brasileiras, bem como empresas e institutos chineses e organizações internacionais como a Baobab/IAPC, com o intuito de levar suas demandas históricas, como a falta de apoio técnico, tecnologia e maquinário para os agricultores familiares.

Para tanto, as notícias que mais se destacam são a respeito da transferência de máquinas chinesas para áreas de assentamentos rurais. Desde a implementação dos acordos entre o Consórcio Nordeste e as instituições chinesas, e do Memorando de Entendimento (2025-2030) sobre Cooperação em Agricultura Familiar Moderna e Mecanização Agrícola entre Brasil e China, já foram introduzidas mais de 100 máquinas adaptadas à agricultura familiar nos estados do Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Maranhão, e em Brasília.

Destaca-se também o fortalecimento do compromisso institucional entre as partes, com o lançamento do Centro Brasil-China de Pesquisa, Desenvolvimento e Promoção de Tecnologia e Mecanização para Agricultura Familiar em novembro de 2024, sob a coordenação da CAU, da Universidade de Brasília (UnB), do Instituto Taihe e do MST, com apoio da Baobab/IAPC. O Centro é sediado na UnB, em Brasília, e deverá promover colaboração em pesquisa, tecnologia e educação, especialmente em mecanização, agroecologia e soberania alimentar (MST, 2024c).

A cooperação se expandiu mais recentemente em 2025 com um seminário, realizado em maio durante a 5a Feira da Reforma Agrária, intitulado “Agricultura Digital Familiar e Camponesa na Cooperação Brasil-China”. O evento reforçou três eixos: adaptação de maquinários chineses ao contexto brasileiro, transferência de tecnologia para bioinsumos sustentáveis e implantação de plataformas digitais de agroecologia com o apoio da estatal chinesa Sinomach Digital (MST, 2025a). Também em 2025, uma comitiva de parlamentares do MST viajou à China (17/3 a 28/3), a convite da Universidade Normal do Leste da China. A delegação, liderada por Marina do MST e Rosa Amorim, fortaleceu laços institucionais centrados na produção de bioinsumos, geração de energia limpa e, especialmente, na chamada “mecanização do campo”, com o objetivo de viabilizar a produção nacional de micro tratores (MST, 2025b).

A notícia mais recente relata o acordo entre a empresa chinesa Sinomach Digital Technology Corporation com a Prefeitura de Maricá (RJ), a OZ.Earth, empresa de agrotecnologia, e o MST por meio da União Nacional das Cooperativas da Reforma Agrária Popular do Brasil (Unicrab) (MST, 2025c). O memorando prevê o desenvolvimento de projeto de cooperação tecnológica com foco na oferta da instalação de fábricas de máquinas agrícolas inteligentes (tecnologia chinesa) para agricultura familiar e o desenvolvimento de plataformas digitais para gestão de maquinários. Um dos principais focos, além da digitalização, é também avançar na proposta de construir fábricas de máquinas apropriadas para agricultura familiar com tecnologia chinesa no município de Maricá/RJ, que em janeiro de 2024 já havia consolidado convênio com a China para estabelecer cooperação no setor industrial e tecnológico, sob a gestão do prefeito Washington Quaquá do Partido dos Trabalhadores (PT).

A partir da revisão documental das notícias no site do MST, percebe-se que esse tipo de cooperação tem sido avaliada como promissora por parte das lideranças do movimento e agricultores assentados. Um dos motivos é que, segundo o Censo Agropecuário de 2017, de 3,8 milhões de estabelecimentos da agricultura familiar no Brasil a mecanização agrícola alcança níveis baixos, 11,4% dos estabelecimentos possuem trator, 3,5% semeadeira/plantadeira, 1,3% colheitadeira e 2,5% adubadeira. Esse índice é ainda mais baixo no Nordeste do país, que com 1,8 milhão de estabelecimentos atinge 1,3%, 0,27%, 0,1% e 0,09%, respectivamente. Em contraposição à realidade brasileira, na China, a mecanização média chega a 72%, e em algumas cadeias produtivas chega a 83% (Guo, 2020). Logo, o histórico de investimento no desenvolvimento rural na China, põe o país como experiência significativa para pensar o campo brasileiro.

Evidencia-se que uma parcela significativa da população rural no Brasil foi historicamente marginalizada do acesso às condições de obtenção de créditos, maquinários, entre outros recursos, especialmente no processo de “modernização conservadora”, em que somente algumas regiões, produtos e produtores foram consideravelmente beneficiados, engendrando um quadro de diferenciação significativo. Com essa compreensão, as novas relações consolidadas com a China podem configurar um marco relevante na construção de um novo paradigma de cooperação internacional voltado à agricultura familiar, especialmente em áreas de assentamentos rurais do MST.

A deputada federal Marina do MST (2025) denomina esse conjunto de iniciativas uma “nova revolução verde”, evocando a Revolução Verde das décadas de 1960 e 1970, marcada pela mecanização intensiva, uso ampliado de defensivos agrícolas e expansão de monoculturas voltadas à exportação, impulsionada por instituições do Norte Global, cujos impactos resultaram em profundos desequilíbrios socioambientais e acentuaram a concentração fundiária no Brasil (MST, 2024c). Diferente daquele processo, protagonizado por interesses estadunidenses e pela difusão de um modelo agrícola excludente, a parceria com a China se insere na cooperação Sul-Sul e apresenta potencial para fortalecer a agricultura familiar e camponesa. O que resta debater, além das possíveis contradições suscitadas por essas novas relações, são também os sentidos dos significados e conceitos evocados ou atribuídos a tais processos. Importa evocar a “velha” Revolução Verde, apontando para uma nova? Ou o correto seria construir novas significações?

Ademais, também é importante distinguir os níveis dessa cooperação. De um lado, os acordos bilaterais entre os governos do Brasil e da China podem influenciar programas nacionais para reorganizar o espaço rural. De outro, a parceria entre o MST e instituições e universidades chinesas e brasileiras é restrita, concentrada em experiências locais que funcionam como campo de teste e difusão de tecnologias adaptadas à agricultura familiar. Embora relevante, o MST tem capacidade limitada para provocar mudanças estruturais no modelo agrário brasileiro, podendo oferecer exemplos concretos que indicam possibilidades para um desenvolvimento rural alternativo.

O Memorando de Entendimento (2025-2030) sobre Cooperação em Agricultura Familiar Moderna e Mecanização Agrícola, assinado pelo governo Lula em maio de 2025, abre margens para a intensificação da parceria entre a China e os movimentos populares do Brasil e pode indicar uma melhoria na assistência técnica para os agricultores familiares. No entanto, apenas uma política nacional que garanta a capacitação e apoio técnico, a mecanização agrícola e o incentivo à agroecologia pode transformar as relações sociais e econômicas do campo brasileiro.

Ainda assim, a evocação da Revolução Verde exige outros cuidados: apesar da cooperação Sul-Sul, as assimetrias geopolíticas e econômicas entre Brasil e China persistem, e a incorporação de tecnologias externas pode reproduzir padrões de dependência técnica e produtiva caso não assegure autonomia política e produtiva aos sujeitos do campo. Nesse sentido, o diálogo com a “revolução agrícola oculta” da China é relevante, pois, segundo Huang, Gao e Peng (2012), o aumento da produtividade agrícola chinesa se deu com base na agricultura familiar camponesa, sustentada pelo trabalho familiar, pela pluriatividade e pela capitalização financiada majoritariamente por recursos internos, evitando ampla proletarização e internalizando os benefícios do desenvolvimento tecnológico. Outra discussão igualmente relevante, é que com o crescimento da parceria Brasil-China, intensifica-se também a expansão do agronegócio do campo brasileiro.

No entanto, fato é que diferentemente das iniciativas promovidas pelo Norte Global durante a Revolução Verde, os acordos sino-brasileiros indicam uma tentativa de reposicionar o Sul Global como protagonista na produção e na transferência de tecnologias adaptadas a contextos territoriais diversos. A parceria entre MST e China representa esse reposicionamento, mais de meio século depois, a mecanização e a inovação tecnológica são orientadas pelo Sul Global, alinhadas à sustentabilidade, agroecologia e soberania alimentar (FPA, 2025; MST, 2024c; MST, 2025a; MST, 2025b). Essa nova configuração, que inclui transferência de bioinsumos, mecanização adaptada à agricultura familiar e digitalização do campo, reflete uma lógica centrada na inclusão territorial, diversidade produtiva e controle social das tecnologias. Entretanto, permanece o desafio de garantir que o processo supere o modelo produtivista e extrativista, fortalecendo um desenvolvimento rural baseado na agricultura familiar sustentável.

Considerações finais

As iniciativas de cooperação estabelecidas entre o MST, instituições e universidades chinesas e brasileiras, no âmbito mais amplo da parceria estratégica Brasil-China, configuram um marco significativo na reorientação do debate sobre desenvolvimento agrário no Sul Global. Ao deslocar o foco das políticas para além da lógica agroexportadora hegemônica, centrada na monocultura, no uso intensivo de insumos químicos e na dependência de pacotes tecnológicos oriundos do Norte Global, tais articulações apontam para a construção de um paradigma ancorado na soberania alimentar, na valorização da agrobiodiversidade e na democratização do acesso à tecnologia. A ênfase em equipamentos adaptados à agricultura familiar, na produção de bioinsumos e na digitalização de processos produtivos sob princípios agroecológicos sugere não apenas inovação técnica, mas sobretudo uma tentativa de redefinição das relações de poder no campo.

A experiência chinesa com o desenvolvimento rural, que articulou a melhoria das condições de vida no campo ao acesso a maquinários e bioinsumos para os camponeses, pode servir como referência para revitalizar o próprio campo brasileiro. Apesar das contradições inerentes à economia agroexportadora, o Brasil, e especialmente os camponeses organizados em movimentos populares como o MST, podem se beneficiar da experiência acumulada da China, de seu intercâmbio técnico e da chegada de equipamentos adequados à agricultura familiar, bem como de processos de transferência tecnológica orientados para a autonomia produtiva.

Contudo, o caráter inovador dessas parcerias não deve ser tomado de forma acrítica. Ainda que a retórica da soberania alimentar e da cooperação Sul-Sul se apresente como contra-hegemônica, os riscos de reatualização de assimetrias e dependências persistem, sobretudo quando a mediação estatal ou corporativa obscurece o protagonismo dos sujeitos do campo. Os investimentos da China dão oportunidades para a agricultura familiar, porém somente o Brasil e suas próprias relações político-sociais poderá mudar a realidade desigual do campo brasileiro. Ademais, a vigilância crítica sobre a implementação e os efeitos concretos das iniciativas chinesas é fundamental para garantir que a adoção de tecnologias (como os microtratores e os bioinsumos) não se converta em uma nova etapa da modernização conservadora, mas sim em instrumento de autonomia camponesa e justiça social.

Para avançar nesse sentido, pesquisas futuras devem dedicar-se a examinar os efeitos concretos e simbólicos dessas cooperações nos territórios, tanto em termos de produtividade e renda quanto na dimensão cultural, política e ambiental. É crucial aprofundar a análise sobre como esses acordos impactam a gestão comunitária das sementes, a preservação da biodiversidade e a consolidação de práticas agroecológicas, bem como sobre o modo como dialogam com as políticas públicas nacionais. Ao mesmo tempo, torna-se necessário investigar a dimensão epistêmica da cooperação internacional, compreendendo-a como espaço de disputa sobre o sentido e os rumos do desenvolvimento rural.

Por fim, os resultados da pesquisa revelam potencial para contribuir com um novo paradigma agrário, desde que estejam ancorados em práticas participativas, territorialmente situadas e politicamente orientadas para a transformação estrutural do campo brasileiro. A cooperação internacional, nesse cenário, deve ser compreendida não como mero intercâmbio técnico, mas como disputa política e epistêmica sobre os rumos da terra, da alimentação e do próprio desenvolvimento rural.

Referências bibliográficas

ABRAMOVAY, Ricardo. Paradigmas do capitalismo agrário em questão. Edusp, 3. ed. São Paulo, 2007.

BANCO MUNDIAL. World Development Indicators – China: GDP per capita (current US$). Disponível em: https://data.worldbank.org/indicator/NY.GDP.PCAP.CD?locations=CN. Acesso em: 11 jun. 2025.

BERGAMASCO, Sônia Maria Pessoa Pereira; NORDER, Luís Cabello. O que são os assentamentos rurais? São Paulo: Brasiliense, 1996. (Coleção Primeiros Passos)

BORSATTO, Ricardo Serra; THOMSON, Carolina Rios; RIGA, Helena Lelli; BERGAMASCO, Sônia Maria Pessoa Pereira. Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural (Pnater): fim de um ciclo? Emancipação, Ponta Grossa, v. 22, n. especial, p. 1-20, 3 nov. 2022.

BRASIL. Ministério das Relações Exteriores. Atos adotados por ocasião da visita de Estado ao Brasil do presidente da China, Xi Jinping em 20 de novembro de 2024. Nota à Imprensa n. 563, 20 nov. 2024. Disponível em: https://www.gov.br/mre/pt-br/canais_atendimento/imprensa/notas-a-imprensa/atos-adotados-por-ocasiao-da-visita-de-estado-ao-brasil-do-presidente-da-china-xi-jinping-2013-20-de-novembro-de-2024-1. Acesso em: 20 out. 2025.

BRASIL. Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços. Comex Stat: plataforma de estatísticas de comércio exterior. Disponível em: https://comexstat.mdic.gov.br/pt/comex-vis. Acesso em: 11 jun. 2025.

BRASIL. Casa Civil. Ministro Rui Costa assina acordo que concretiza Plano de Cooperação entre Brasil e China. 6 maio 2025. Disponível em: https://www.gov.br/casacivil/pt-br/assuntos/noticias/2025/maio/ministro-rui-costa-assina-acordo-que-concretiza-plano-de-cooperacao-entre-brasil-e-china. Acesso em: 11 jun. 2025.

BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar; CHINA. Ministério da Agricultura e dos Assuntos Rurais. Memorando de Entendimento (2025-2030) sobre Cooperação em Agricultura Familiar Moderna e Mecanização Agrícola entre o Ministério da Agricultura e dos Assuntos Rurais da República Popular da China e o Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar da República Federativa do Brasil. Brasília; Pequim, 2025.

CONSÓRCIO NORDESTE. Memorandos de Entendimento e Cooperação Técnica, 2022. Disponível em: https://www.consorcionordeste.gov.br/transparencia/area/memorandos-de-entendimento. Acesso em: 11 ago. 2025

COSTA, Francisco de Assis; CARVALHO, Horacio Martins de Campesinato. In: STEDILE, João Pedro (Org.). A questão agrária no Brasil: interpretações sobre o camponês e o campesinato, v. 9. São Paulo: Expressão Popular, 2016, p. 23-34.

DELGADO, Guilherme. A questão agrária no Brasil, 1950-2003. In: JACCOUD, Luciana. Questão  social  e  políticas  sociais  no  Brasil  contemporâneo. Brasília: Ipea, 2005. p. 51-90.

DIESEL, Vivien; NEUMANN, Pedro Selvino; DIAS, Marcelo Miná; FROEHLICH, José Marcos. Política de Assistência Técnica e Extensão Rural no Brasil: um caso de desmantelamento? Estudos Sociedade e Agricultura, [S.l.], v. 29, n. 3, p. 597-634, 2021.

EISENMAN, Joshua. Red China’s green revolution: Technological innovation, institutional change, and economic development under commune. Nova York: Columbia University Press, 2018.

ESCHER, Fabiano. A economia política do desenvolvimento rural na China: da questão agrária à questão agroalimentar. Revista de Economia Contemporânea, Rio de Janeiro, v. 26, e222610, p. 1-29, 2022. Disponível em: https://revistas.ufrj.br/index.php/rec. DOI: https://doi.org/10.1590/198055272610 

ESCHER, Fabiano; SCHNEIDER, Sergio (Orgs.). Agricultura, alimentação e desenvolvimento rural na China. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2023.

ESCHER, Fabiano; WILKINSON, John. A economia política do complexo soja-carne Brasil-China. Revista de Economia e Sociologia Rural, v. 57, n. 4, p. 656-678, 2019.

ESCHER, Fabiano; WILKINSON, John; PEREIRA, P. Causas e implicações dos investimentos chineses no agronegócio brasileiro. In: JAGUARIBE, A. (Orgs.). Direction of Chinese global investments: implications for Brazil. 1. ed. Brasília: Funag, 2018. p. 190-228.

ESCHER, Fabiano; SCHNEIDER, Sergio; YE, Jingzhong. The agrifood question and rural development dynamics in Brazil and China: Towards a protective ‘countermovement’. Globalizations, v. 15, n. 1, p. 92-113, 2018.

FARES, Tomáz. O desenvolvimento agrário chinês e sua integração com o agronegócio brasileiro. Revista de Estudos Críticos Asiáticos, v. 3. n. 1, jan. 2018.

FERNANDES, Bernardo Mançano. Questão agrária e capitalismo agrário: o debate paradigmático de modelos de desenvolvimento para o campo. Reforma Agrária, ano 35, v. 1 n. 2, 2014, p. 41-53.

GRAZIANO, Francisco Neto. Questão agrária e ecologia: crítica da moderna agricultura. 1. ed. São Paulo: Brasiliense, 1982.

GUIMARÃES, Alberto Passos. Quatro séculos de latifúndio. 6. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1981.

GUO, Pei. The agricultural and rural sector in China: an overview. In: JANK, Marcos Sawaya; GUO, Pei; MIRANDA, Sílvia Helena Galvão de (Orgs.). China-Brazil partnership on agriculture and food security. Piracicaba: Esalq/USP, 2020.

HUANG, Philip; GAO, Yuan; PENG, Yusheng. Capitalization without proletarianization in China’s agricultural development’. Modern China, v. 38, n. 2, p. 139-173, 2012.

LEITE, Sérgio Pereira. Seis comentários sobre seis equívocos a respeito da reforma agrária no Brasil. Revista NERA. Ano 8, n. 9, jul./dez. 2006.

MARINA DO MST. A nova revolução verde: Brasil e China lideram parceria do Sul Global por agroecologia e soberania alimentar. Focus Brasil, Fundação Perseu Abramo, 1 abr. 2025. Disponível em: https://fpabramo.org.br/focusbrasil/2025/04/01/artigo-marina-do-mst-focus-183/. Acesso em: 6 jun. 2025.

MEDEIROS, Carlos. Padrões de investimento, mudança institucional e transformação estrutural na economia chinesa. In: Padrões de desenvolvimento econômico (1950-2008): América Latina, Ásia e Rússia. Brasília: Centro de Gestão e Estudos Estratégicos, 2013. v. 1; v. 2; 924 p., p. 435-490.

MST – MOVIMENTO DOS TRABALHADORES RURAIS SEM TERRA. Lula se alia à China pela reforma agrária contra o agronegócio e fortalece o MST. MST.org.br, 10 maio 2023. Disponível em: https://mst.org.br/2023/05/10/lula-se-alia-a-china-pela-reforma-agraria-contra-o-agronegocio-e-fortalece-o-mst/. Acesso em: 11 ago. 2025.

MST – MOVIMENTO DOS TRABALHADORES RURAIS SEM TERRA. UNB e MST avançam em cooperação para criação de Centro de Pesquisa Brasil-China de agricultura familiar. MST.org.br, 16 nov. 2023. Disponível em: https://mst.org.br/2023/11/16/unb-e-mst-avancam-em-cooperacao-para-criacao-de-centro-de-pesquisa-brasil-china-de-agricultura-familiar/. Acesso em: 11 ago. 2025.

MST – MOVIMENTO DOS TRABALHADORES RURAIS SEM TERRA. II Fórum China-Brasil na luta contra a pobreza e pela revitalização rural e diálogos intersetoriais. MST.org.br, 12 jun. 2024d. Disponível em: https://mst.org.br/2024/06/12/ii-forum-china-brasil-na-luta-contra-a-pobreza-e-pela-revitalizacao-rural-e-dialogos-intersetoriais/. Acesso em: 6 jun. 2025.

MST – MOVIMENTO DOS TRABALHADORES RURAIS SEM TERRA. Fórum Brasil-China debate novos marcos da cooperação para o desenvolvimento. MST.org.br, 26 nov. 2024e. Disponível em: https://mst.org.br/2024/11/26/forum-brasil-china-debate-novos-marcos-da-cooperacao-para-o-desenvolvimento/. Acesso em: 6 jun. 2025.

MST – MOVIMENTO DOS TRABALHADORES RURAIS SEM TERRA. Centro Brasil-China é lançado com ministro chinês e vice-presidente do Brasil. MST.org.br, 27 nov. 2024b. Disponível em: https://mst.org.br/2024/11/27/centro-brasil-china-e-lancado-com-ministro-chines-e-vice-presidente-do-brasil/. Acesso em: 6 jun. 2025.

MST – MOVIMENTO DOS TRABALHADORES RURAIS SEM TERRA. Parceria Brasil-China potencializa desenvolvimento tecnológico da agricultura familiar. MST.org.br, 29 nov. 2024a. Disponível em: https://mst.org.br/2024/11/29/parceria-brasil-china-potencializa-desenvolvimento-tecnologico-da-agricultura-familiar/. Acesso em: 6 jun. 2025.

MST – MOVIMENTO DOS TRABALHADORES RURAIS SEM TERRA. Brazil and China sign a historic round of agreements. MST.org.br, 29 nov. 2024c. Disponível em: https://mst.org.br/2024/11/29/brazil-and-china-sign-a-historic-round-of-agreements/. Acesso em: 6 jun. 2025.

MST – MOVIMENTO DOS TRABALHADORES RURAIS SEM TERRA. Seminário destaca a parceria entre Brasil e China na produção de tecnologia agrícola. MST.org.br, 10 maio 2025. Disponível em: https://mst.org.br/2025/05/10/seminario-destaca-a-parceria-entre-brasil-e-china-na-producao-de-tecnologia-agricola/. Acesso em: 11 ago. 2025.

MST – MOVIMENTO DOS TRABALHADORES RURAIS SEM TERRA. Plataforma digital, bioinsumos e seminário em SP marcam mais uma etapa da cooperação Brasil-China. MST.org.br, 27 maio 2025a. Disponível em: https://mst.org.br/2025/05/27/plataforma-digital-bioinsumos-e-seminario-em-sp/. Acesso em: 6 jun. 2025.

MST – MOVIMENTO DOS TRABALHADORES RURAIS SEM TERRA. Comitiva do MST vai à China fortalecer cooperação com universidades e empresas do campo científico. MST.org.br, 27 mar. 2025b. Disponível em: https://mst.org.br/2025/03/27/comitiva-do-mst-vai-a-china-fortalecer-cooperacao-com-universidades-e-empresas-do-campo-cientifico/. Acesso em: 6 jun. 2025.

MST – MOVIMENTO DOS TRABALHADORES RURAIS SEM TERRA. Cooperação entre o MST e a China vai revolucionar agricultura e ajudar na erradicação da pobreza. MST.org.br, 27 mar. 2025. Disponível em: https://mst.org.br/2025/03/27/cooperacao-entre-o-mst-e-china-vai-revolucionar-agricultura-e-ajudar-na-erradicacao-da-pobreza/. Acesso em: 11 ago. 2025.

MST – MOVIMENTO DOS TRABALHADORES RURAIS SEM TERRA. Paraná e China podem cooperar em agricultura familiar, tecnologia e meio ambiente, diz deputado Goura. MST.org.br, 5 abr. 2025. Disponível em: https://mst.org.br/2025/04/05/parana-e-china-podem-cooperar-em-agricultura-familiar-tecnologia-e-meio-ambiente-diz-deputado-goura/. Acesso em: 11 ago. 2025.

MST – MOVIMENTO DOS TRABALHADORES RURAIS SEM TERRA. Brasil e China lideram parceria do Sul Global por agroecologia e soberania alimentar. MST.org.br, 9 abr. 2025. Disponível em: https://mst.org.br/2025/04/09/brasil-e-china-lideram-parceria-do-sul-global-por-agroecologia-e-soberania-alimentar/. Acesso em: 11 ago. 2025.

MST – MOVIMENTO DOS TRABALHADORES RURAIS SEM TERRA. Maranhão leva arroz produzido com apoio de máquinas chinesas a feira. MST.org.br, 29 abr. 2025c. Disponível em: https://mst.org.br/2025/04/29/maranhao-leva-arroz-produzido-com-apoio-de-maquinas-chinesas-a-feira/. Acesso em: 11 ago. 2025.

MST – MOVIMENTO DOS TRABALHADORES RURAIS SEM TERRA. Empresa chinesa fecha acordo de cooperação para fortalecer agricultura familiar no Brasil. MST.org.br, 13 jul. 2025. Disponível em: https://mst.org.br/2025/07/13/empresa-chinesa-fecha-acordo-de-cooperacao-para-fortalecer-agricultura-familiar-no-brasil/. Acesso em: 11 ago. 2025.

OLIVEIRA, Ariovaldo Umbelino de. A longa marcha do campesinato brasileiro: movimentos sociais, conflitos e Reforma Agrária. Estudos Avançados, São Paulo, v. 15, n. 43, p. 185-206, 2001.

OXFAM BRASIL. Terrenos da desigualdade: terra, agricultura e desigualdades no Brasil rural. São Paulo: Oxfam Brasil, 2017. Disponível em: https://www.oxfam.org.br/justica-social-e-economica/terrenos-da-desigualdade/. Acesso em: 12 ago. 2025.

PRADO JÚNIOR, Caio. Formação do Brasil Contemporâneo. 23. ed. São Paulo: Brasiliense, 2011.

POMAR, Wladimir. O enigma chinês. 2. ed. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2015.

POMPEIA, Caio. (2020). ‘Agro é tudo’: simulações no aparato de legitimação do agronegócio. Horizontes Antropológicos, v. 26, n. 56, p. 195-224.

STÉDILE, João Pedro (Org.). A questão agrária no Brasil – o debate na década de 1990. Expressão Popular: São Paulo, 2013.

SVAMPA, Maristella. Consenso de los commodities y lenguajes de valoración en América Latina. Revista Nueva Sociedad, n. 244, mar./abr., 2012.

TROLLIET, Pierre. Les communes populaires rurales chinoises. Revue Tiers Monde, Paris, v. 9-10, p. 229-269, 1962.

VEIGA, José Eli da. Fundamentos do agro-reformismo. Lua Nova, n. 23, p. 39-63, 2013.

YE, J. Theorizing Rural Vitalization strategy: a multi-dimensional view. International Seminar on Rural Vitalization, Beijing, maio 2019.

YE, Jingzhong; VAN DER PLOEG, Jan Douwe; SCHNEIDER, Sergio; SHANIN, Teodor. The incursions of extractivism: moving from dispersed places to global capitalism. Journal of Peasant Studies, v. 47, n. 1, p. 155-183, 2020. DOI: 10.1080/03066150.2018.1559834

ZHAN, Shaohua. The land question in 21st century China: four camps and five scenarios. New Left Review, n. 122, p. 115-133, 2020.

ZENERATTI, F. L. O acesso à terra no Brasil: reforma agrária e regularização fundiária. Revista Katálysis, v. 24, n. 3, p. 564-575, set. 2021.

AGRADECIMENTO

O presente trabalho foi realizado com o apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e da Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Estado de Santa Catarina (Fapesc) – Edital 23/2025 e INCT Participa.

Laura Brand Fabrizio
Bacharela em Relações Internacionais pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Integrante do Núcleo de Extensão e Pesquisa em Territorialidade, Extensão Rural e Reforma Agrária (NEP Terra/UFSM). Integrante do Grupo de Pesquisa em Economia Política dos Sistemas-Mundo (GPEPSM/UFSC).

E-mail: laurabrand71@gmail.com

Lattes: http://lattes.cnpq.br/0614126655493411

ORCID: https://orcid.org/0009-0006-8505-1035

Isabelle Rossatto Cesa
Assistente Social, mestranda no Programa de Pós-Graduação em Extensão Rural da UFSM. Integrante do Núcleo de Extensão e Pesquisa em Territorialidade, Extensão Rural e Reforma Agrária (NEP Terra/UFSM).

E-mail: isarcesa@gmail.com

Lattes: http://lattes.cnpq.br/2148747295406997

ORCID: https://orcid.org/0009-0006-5296-8699

Eduarda Paz Trindade
Socióloga, mestre e doutoranda em Sociologia pela UFRGS, com pesquisa sobre sementes crioulas, soberania alimentar, revitalização rural e agroecologia no Brasil e na China. Técnica em Agropecuária pelo IFSUL e graduada em Ciências Sociais pela UFSM, integra os grupos Território, Estado e Raça (TERRA/UFRGS), Sociologia das Práticas Alimentares (SOPAS/UFRGS), Trabalho, Agricultura e Movimentos Sociais (TRAMAS/UFSM) e participa do INCT Participa.

E-mail: eduardapaztrindade26@gmail.com

Lattes: http://lattes.cnpq.br/6749239272460173

ORCID: https://orcid.org/0000-0001-6661-0301

Marina Calisto Alves
Engenheira Agrônoma formada pela Universidade Federal do Ceará (UFC) e mestra pelo Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente (PRODEMA) da Universidade Federal do Ceará (UFC). Atualmente é discente de Doutorado do Programa de Pós-graduação em Extensão Rural (PPGEXR) da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Atua e pesquisa nas áreas de Extensão e Desenvolvimento Rural, Ecologia Política e Justiça Ambiental. Integrante do Núcleo de Extensão e Pesquisa em Territorialidade, Extensão Rural e Reforma Agrária (NEP Terra/UFSM).

E-mail: marinacalisto.agr@gmail.com

Lattes: http://lattes.cnpq.br/5973952452946721

ORCID: https://orcid.org/0000-0001-7038-2890

Revista IDeAS, Rio de Janeiro, volume 19, 1-31, e025015, jan./dez. 2025 • ISSN 1984-9834